Durante a guerra dos “Trinta Anos”,
o comandante espanhol Gonzales de Córdoba, achando-se no Palatinato, lembrou-se
de se apoderar da aldeia de Ogersheim, defendida por uma pequena fortaleza.
À sua aproximação, todos os
habitantes fugiram para Mannheim. Ficaram apenas um pobre camponês, chamado
Fritz com mulher, doente e um filho que acabava de nascer.
Imaginem a angústia do pobre homem,
quando viu chegar os inimigos, não podendo com os seus concidadãos, subtrair-se
à sua crueldade.
Sendo, porém, esperto e corajoso,
lembrou-se de um estratagema, com o qual esperava conjurar o perigo que o
ameaçava.
Depois de haver abraçado a mulher e
o filhinho, saiu para pôr em execução o projeto.
Pôs na cabeça um enorme capacete
armado de grande pluma escarlate, calçou um par de botas, ao qual se achavam
presas longas esporas de prata, e afivelou à cintura imenso espadão.
Assim armado, encaminhou-se para as
trincheiras, junto das quais estava o parlamentar, gritando para que a aldeia
se rendesse.
— Amigo — falou o pastor, — peço-lhe
que diga ao seu general que não tenho tenções de resistir, mas que não me posso
render senão sob as seguintes condições:
1ª) a guarnição sairá da fortaleza
com as honras de guerra;
2ª) a vida e a propriedade dos seus
habitantes serão respeitadas;
3ª) conservação e livre exercício
de suas religiões.
O parlamentar replicou que os
espanhóis não podiam submeter-se a tais condições, mesmo porque a população de
Ogersheim não estava em estado de se defender, e aconselhou-o à rendição
imediata.
— Meu amigo — replicou o pastor, — não
seja tão apressado. Repito: faça favor de declarar ao seu general o que lhe
disse, pois é somente o desejo de evitar o derramamento de sangue que me faz
abrir as portas da cidadela. Se ele, porém, não aceitar as condições que
formulei, garanto-lhe que só entrará aqui à força de espada. Dou-lhe a minha
palavra de homem honrado e de cristão que a guarnição acaba de receber um
reforço que vós outros não podeis imaginar, e com a qual absolutamente não
contais.
Assim falando, Fritz acendeu o seu
cachimbo, tranquilamente, como um homem que não tem motivo algum para se
inquietar.
O parlamentar, desconcertado por
aquele ar de audácia e descuido, voltou para a barraca do general e contou-lhe
o que acabava de ouvir do comandante de Ogersheim.
Depois dessa narração, Gonzalez
pensou também que podia encontrar ali alguma resistência.
Como não desejava perder tempo em
maus negócios, resolveu aceitar as condições propostas e dirigiu-se com o seu
exército para as portas da fortificação.
Sabendo pelo parlamentar da resolução
do general, o pastor respondeu-lhe fleumaticamente:
— O comandante é um homem sensato.
Em seguida, baixou a ponte levadiça
e convidou os espanhóis a entrarem.
Surpreendido por ver diante de si
somente o camponês, vestido com o uniforme militar, que lhe dava um ar grotesco
e ridículo, Gonzalez, receoso, perguntou onde estava a guarnição.
— Se o senhor quiser acompanhar-me,
eu lha mostrarei.
— Caminhe a meu lado — disse o
general espanhol — e previno-o que, ao menor indício de perfídia, lhe arrebentarei
os miolos.
— Perfeitamente — respondeu-lhe o
pastor — siga-me com confiança. Juro-lhe por tudo quanto tenho de mais caro no
mundo que a guarnição não pode fazer mal algum.
Conduziu, então, o general por
muitas ruas desertas e silenciosas, até chegarem à sua casa, pobre e humilde.
Ai mostrando-lhe a mulher, falou:
— Esta é a mais bela parte da minha
guarnição.
E apontando para o recém-nascido:
— Este foi o último reforço que nos
veio.
Gonzalez, vendo por que singular artifício
o camponês se havia salvo, riu-se gostosamente. Depois, tirando do pescoço uma
grossa cadeia de ouro, colocou-a sobre o peito da jovem mãe, e puxando por uma
bolsa repleta de moedas, disse a Fritz:
— Permita-me que ofereça a corrente
à sua esposa, e ao senhor esta bolsa, que destino ao pequerrucho, como prova da
minha estima.
Abraçou em seguida a senhora,
beijou a criancinha, e saiu, acompanhado por Fritz, que o reconduziu através da
aldeia, cheio de profundo reconhecimento e grandemente emocionado.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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