Tempo houve em que na montanha de
Blumesalpe, na Suíça, coberta de neves eternas, enxames de abelhas produziam um
mel aromático; soberbas vacas, pastando, durante todo o ano, em fartas
campinas, davam saboroso leite; o lavrador, com insignificante trabalho obtinha
abundantes colheitas.
Mas os habitantes dessa ubérrima
terra, deixaram-se cegar pelo brilho da fortuna e entontecer pelo orgulho.
Embeberam-se com alegria e os gozos
das suas riquezas, esqueceram-se que a posse dos bens deste mundo está ligada a
um dever — o rigoroso dever da hospitalidade e da caridade.
Em vez de bem empregarem os seus
tesouros, serviram-se deles para se entregarem à indolência e aos prazeres voluptuosos
de toda sorte, em orgias infrenes. Não escutaram as súplicas dos desgraçados;
repeliram os pobres que vinham bater às suas portas. Deus castigou-os.
Um desses homens ricos, sem
coração, fizera construir nas verdejantes encostas de Blumesalpe, opulento
palacete, onde vivia com indignos companheiros.
O leite mais puro era derramado
todas as manhãs nas banheiras, e as escadas do terraço do jardim, diz a lenda,
eram feitas, não de blocos de pedras, mas de suculentos queijos.
O Sardanápalo das montanhas herdara
do seu pai todos os domínios, e enquanto fazia tão mau uso deles, sua mãe,
relegada no fundo do vale, vivia na mais completa miséria.
A pobre velha, como fome e frio,
veio invocar-lhe a piedade; que estava fraca e não podia trabalhar; que morava
sozinha na sua cabana, indigente e enferma. Pediu-lhe que lhe mandasse dar
apenas as migalhas dos seus banquetes, e um lugar nas suas manjedouras ao lado
dos animais.
O homem mostrou-se inflexível, e
ordenou que os lacaios a enxotassem. A desgraçada afastou-se. Por mais cruel
que fosse o ultraje recebido, não podia amaldiçoar o filho que amamentara, que
embalara no berço e que criara. Enquanto caminhava com andar vacilante, de
cabeça baixa, soluços, que não podia sufocar, irrompiam-lhe do coração opresso,
e lágrimas amargas deslizavam-lhe das faces.
Deus contou as lágrimas da mãe
ultrajada.
Apenas chegou ela ao vale, medonho
temporal desabou.
O filho amaldiçoado viu o seu
palacete atingido pelo raio, os tesouros consumidos pelo incêndio. Ele mesmo
não pode escapar. Morreu com seus infames companheiros.
Os verdejantes e ubérrimos campos,
cujos produtos serviam apenas para o custeio das suas orgias cobriram-se de espessa
camada de neve, que jamais se derreterá. No lugar em que a velha vãmente
implorou a sua compaixão, o abatimento do solo cavou um abismo; e, lá, onde
caíram as lágrimas dessa mãe desolada, presentemente, veem-se cair, gota a gota,
as frias lágrimas das geleiras eternas.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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