5/04/2025

A lenda da montanha (Conto), de Figueiredo Pimentel


A LENDA DA MONTANHA

Tempo houve em que na montanha de Blumesalpe, na Suíça, coberta de neves eternas, enxames de abelhas produziam um mel aromático; soberbas vacas, pastando, durante todo o ano, em fartas campinas, davam saboroso leite; o lavrador, com insignificante trabalho obtinha abundantes colheitas.

Mas os habitantes dessa ubérrima terra, deixaram-se cegar pelo brilho da fortuna e entontecer pelo orgulho.

Embeberam-se com alegria e os gozos das suas riquezas, esqueceram-se que a posse dos bens deste mundo está ligada a um dever — o rigoroso dever da hospitalidade e da caridade.

Em vez de bem empregarem os seus tesouros, serviram-se deles para se entregarem à indolência e aos prazeres voluptuosos de toda sorte, em orgias infrenes. Não escutaram as súplicas dos desgraçados; repeliram os pobres que vinham bater às suas portas. Deus castigou-os.

Um desses homens ricos, sem coração, fizera construir nas verdejantes encostas de Blumesalpe, opulento palacete, onde vivia com indignos companheiros.

O leite mais puro era derramado todas as manhãs nas banheiras, e as escadas do terraço do jardim, diz a lenda, eram feitas, não de blocos de pedras, mas de suculentos queijos.

O Sardanápalo das montanhas herdara do seu pai todos os domínios, e enquanto fazia tão mau uso deles, sua mãe, relegada no fundo do vale, vivia na mais completa miséria.

A pobre velha, como fome e frio, veio invocar-lhe a piedade; que estava fraca e não podia trabalhar; que morava sozinha na sua cabana, indigente e enferma. Pediu-lhe que lhe mandasse dar apenas as migalhas dos seus banquetes, e um lugar nas suas manjedouras ao lado dos animais.

O homem mostrou-se inflexível, e ordenou que os lacaios a enxotassem. A desgraçada afastou-se. Por mais cruel que fosse o ultraje recebido, não podia amaldiçoar o filho que amamentara, que embalara no berço e que criara. Enquanto caminhava com andar vacilante, de cabeça baixa, soluços, que não podia sufocar, irrompiam-lhe do coração opresso, e lágrimas amargas deslizavam-lhe das faces.

Deus contou as lágrimas da mãe ultrajada.

Apenas chegou ela ao vale, medonho temporal desabou.

O filho amaldiçoado viu o seu palacete atingido pelo raio, os tesouros consumidos pelo incêndio. Ele mesmo não pode escapar. Morreu com seus infames companheiros.

Os verdejantes e ubérrimos campos, cujos produtos serviam apenas para o custeio das suas orgias cobriram-se de espessa camada de neve, que jamais se derreterá. No lugar em que a velha vãmente implorou a sua compaixão, o abatimento do solo cavou um abismo; e, lá, onde caíram as lágrimas dessa mãe desolada, presentemente, veem-se cair, gota a gota, as frias lágrimas das geleiras eternas.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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