5/04/2025

História de Dona Carochinha (Conto), de Figueiredo Pimentel

HISTÓRIA DE DONA CAROCHINHA

Dona Baratinha, também conhecida por dona Carochinha, estava certa manhã a varrer e a espanar sua pequena casa, quando encontrou um vintém.

Na época e no país em que vivia tão ilustre senhora, todos os objetos eram muito baratos, e um vintém valia mais do que vale hoje em dia uma dezena de contos de réis.

A distinta personagem, depois de anunciar e indagar por toda a parte, vendo que não aparecia o dono de tão grande quantia ficou com o dinheiro.

Tratou de mobiliar convenientemente a casa adquiriu todas as coisas indispensáveis; mandou fazer um rico enxoval; e comprou pomadas, vidros de cheiro, sabão, pente e espelho.

Vestiu-se com toda a elegância, penteou-se demoradamente, e, assim enfeitada, foi-se postar à janela.

Estava bonita, tinha casa, era rica e por conseguinte queria casar-se.

Era a hora em que passavam todos os moços bonitos da cidade, elegantemente trajados, depois dos trabalhos e ocupações do dia.

O primeiro que passou foi o Dr. Cavalo, um formoso fidalgo. Lançou-lhe um olhar, e D. Carochinha perguntou:

— Quem quer casar com dona Carochinha, tão bonitinha, que tem dinheiro na caixinha?  

— Eu quero... — respondeu.

— Como é que fazes de noite?

O Dr. Cavalo relinchou, espantando a jovem dama, que retorquiu assustada:

— Não quero, não, porque de noite tu me acordas.

Pouco depois, dobrando a esquina, veio vindo o barão Boi, num andar lento, como personagem grave e sisudo que era.

Chegando perto da casa, dona Carochinha falou-lhe:

— Quem quer casar com dona Carochinha, tão bonitinha, que tem dinheiro na caixinha?  

— Eu quero...

— Como é que fazes de noite?

O barão Boi mugiu e ela despachou-o apressadamente:

— Não me serves, não, porque de noite me acordas.

Ao Boi sucedeu o comendador Burro, e a rapariga fez-lhe a mesma pergunta.

Depois deste, desfilaram sucessivamente por debaixo da janela de D. Carochinha, o Veado, o Gato, o Cachorro, o Galo e todos os outros animais.

Nenhum deles a namoradeira aceitou, receando que os berros, urros, guinchos, cantos, balidos, miados e de mais gritos a despertassem no melhor do sono.

***

A rica proprietária já se achava meio desanimada de encontrar um noivo a seu gosto, quando viu aparecer o Sr. Ratinho, em companhia de seu pai D. Ratão, sua mãe D. Ratazana e as meninas Ratas suas irmãs.

D. Carochinha sentiu o coração pular quando viu a figura esbelta e os modos engraçados do jovem.

Da mesma forma que aos outros fez a mesma pergunta:

— Quem quer casar com dona Carochinha, tão bonitinha, que tem dinheiro na caixinha?

O senhor Ratinho respondeu:

— Eu quero!

— Como é que fazes de noite?

O moço fez ouvir o seu quim... quim... quim... muito brando, muito suave.

Carochinha satisfeita, aceitou-o por noivo, e convidou toda a família para entrar.

No dia seguinte foram as bodas.

O Sr. Ratinho chegou cedo, e, enquanto não era hora de irem para a igreja, ficou em casa da noiva vendo-a tratar do banquete, arregalando os olhos cheios de cobiça, gulosamente, quando a viu meter um enorme pedaço de toucinho dentro da panela do feijão.

Fez tudo quanto era possível para desviar a atenção da sua futura esposa, de modo a poder comer o toucinho, sem que ela o percebesse. Ainda tinha muita cerimônia e não quis pedi-lo.

Mas a noiva esteve na cozinha até o instante em que tiveram de sair.

O Sr. Ratinho estava desesperado, lembrando-se da sua comida predileta, mas deu o braço à noiva, e foram-se.

No meio do caminho, lembrou-se de um estratagema. Voltando-se para ela, disse:

— Ai que me esqueci das luvas! Espera um pouco; vou buscá-las.

E saiu correndo rapidamente.

Tinha marcado a panela onde estava o toucinho. Chegando a casa, subiu ao caldeirão, que estava no fogo, com o feijão quase pronto, e debruçou-se para apanhar o toucinho. O calor que saía da panela tonteou-o, asfixiando-o, e ele caiu dentro.

Debalde a noiva e os convidados esperaram horas e horas; Ratinho não aparecia. Afinal, desanimados, voltaram todos, e dona Baratinha regressou tristemente.

Ao anoitecer, sentindo fome, foi retirar a panela do fogo, e quando vazou o feijão na terrina, viu o seu noivo boiando. Ratinho estava completamente cozido.

D. Carochinha chorou muito e nunca mais quis casar-se.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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