Dona Baratinha, também conhecida
por dona Carochinha, estava certa manhã a varrer e a espanar sua pequena casa,
quando encontrou um vintém.
Na época e no país em que vivia tão
ilustre senhora, todos os objetos eram muito baratos, e um vintém valia mais do
que vale hoje em dia uma dezena de contos de réis.
A distinta personagem, depois de
anunciar e indagar por toda a parte, vendo que não aparecia o dono de tão
grande quantia ficou com o dinheiro.
Tratou de mobiliar convenientemente
a casa adquiriu todas as coisas indispensáveis; mandou fazer um rico enxoval; e
comprou pomadas, vidros de cheiro, sabão, pente e espelho.
Vestiu-se com toda a elegância,
penteou-se demoradamente, e, assim enfeitada, foi-se postar à janela.
Estava bonita, tinha casa, era rica
e por conseguinte queria casar-se.
Era a hora em que passavam todos os
moços bonitos da cidade, elegantemente trajados, depois dos trabalhos e
ocupações do dia.
O primeiro que passou foi o Dr.
Cavalo, um formoso fidalgo. Lançou-lhe um olhar, e D. Carochinha perguntou:
— Quem quer casar com dona
Carochinha, tão bonitinha, que tem dinheiro na caixinha?
— Eu quero... — respondeu.
— Como é que fazes de noite?
O Dr. Cavalo relinchou, espantando
a jovem dama, que retorquiu assustada:
— Não quero, não, porque de noite
tu me acordas.
Pouco depois, dobrando a esquina,
veio vindo o barão Boi, num andar lento, como personagem grave e sisudo que
era.
Chegando perto da casa, dona
Carochinha falou-lhe:
— Quem quer casar com dona
Carochinha, tão bonitinha, que tem dinheiro na caixinha?
— Eu quero...
— Como é que fazes de noite?
O barão Boi mugiu e ela despachou-o
apressadamente:
— Não me serves, não, porque de
noite me acordas.
Ao Boi sucedeu o comendador Burro,
e a rapariga fez-lhe a mesma pergunta.
Depois deste, desfilaram
sucessivamente por debaixo da janela de D. Carochinha, o Veado, o Gato, o
Cachorro, o Galo e todos os outros animais.
Nenhum deles a namoradeira aceitou,
receando que os berros, urros, guinchos, cantos, balidos, miados e de mais
gritos a despertassem no melhor do sono.
***
A rica proprietária já se achava
meio desanimada de encontrar um noivo a seu gosto, quando viu aparecer o Sr.
Ratinho, em companhia de seu pai D. Ratão, sua mãe D. Ratazana e as meninas
Ratas suas irmãs.
D. Carochinha sentiu o coração
pular quando viu a figura esbelta e os modos engraçados do jovem.
Da mesma forma que aos outros fez a
mesma pergunta:
— Quem quer casar com dona
Carochinha, tão bonitinha, que tem dinheiro na caixinha?
O senhor Ratinho respondeu:
— Eu quero!
— Como é que fazes de noite?
O moço fez ouvir o seu quim... quim... quim... muito brando,
muito suave.
Carochinha satisfeita, aceitou-o
por noivo, e convidou toda a família para entrar.
No dia seguinte foram as bodas.
O Sr. Ratinho chegou cedo, e,
enquanto não era hora de irem para a igreja, ficou em casa da noiva vendo-a
tratar do banquete, arregalando os olhos cheios de cobiça, gulosamente, quando
a viu meter um enorme pedaço de toucinho dentro da panela do feijão.
Fez tudo quanto era possível para
desviar a atenção da sua futura esposa, de modo a poder comer o toucinho, sem
que ela o percebesse. Ainda tinha muita cerimônia e não quis pedi-lo.
Mas a noiva esteve na cozinha até o
instante em que tiveram de sair.
O Sr. Ratinho estava desesperado,
lembrando-se da sua comida predileta, mas deu o braço à noiva, e foram-se.
No meio do caminho, lembrou-se de
um estratagema. Voltando-se para ela, disse:
— Ai que me esqueci das luvas!
Espera um pouco; vou buscá-las.
E saiu correndo rapidamente.
Tinha marcado a panela onde estava
o toucinho. Chegando a casa, subiu ao caldeirão, que estava no fogo, com o
feijão quase pronto, e debruçou-se para apanhar o toucinho. O calor que saía da
panela tonteou-o, asfixiando-o, e ele caiu dentro.
Debalde a noiva e os convidados
esperaram horas e horas; Ratinho não aparecia. Afinal, desanimados, voltaram
todos, e dona Baratinha regressou tristemente.
Ao anoitecer, sentindo fome, foi
retirar a panela do fogo, e quando vazou o feijão na terrina, viu o seu noivo
boiando. Ratinho estava completamente cozido.
D. Carochinha chorou muito e nunca
mais quis casar-se.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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