5/03/2025

Aladim ou a lâmpada maravilhosa (Conto), de Figueiredo Pimentel


ALADIM OU A LÂMPADA MARAVILHOSA

A antiga capital da Turquia, entre seus negociantes, contava outrora um alfaiate chamado Moamede, casado e com um filho de nome Aladim.

O desgraçado, honesto e virtuoso, bem como sua esposa, era infeliz, porque Aladim, longe de seguir a trilha de sua existência honrada, desde a mais tenra infância se tornara incorrigível malandro e vagabundo. Não havia pancadas, castigos, conselhos, e admoestações que o endireitassem. Fazia o desespero de seus velhos pais.

Quando Moamede faleceu, então não houve mais quem o contivesse. A mãe era obrigada a trabalhar dia e noite para sustentá-lo, enquanto ele frequentava más companhias, jogando e bebendo.

Uma tarde achava-se no botequim público, quando viu chegar um homem, que, depois de o cumprimentar, lhe perguntou se não era filho do falecido alfaiate Moamede.

Respondendo o moço afirmativamente, o estrangeiro abraçou-o com amizade, dizendo ser irmão de Moamede e que havia deixado a cidade trinta anos antes. Contou uma história tão bem inventada, que o rapaz não duvidou em o reconhecer como tio. O desconhecido prometeu ir à noite à casa da viúva, entregando ao sobrinho algum dinheiro, com recomendação de lhe prepararem uma ceia.

Aladim, chegando à casa contou o encontro. A velha pôs em dúvida o parentesco, embora soubesse vagamente que de fato o marido tinha um irmão desaparecido desde longos anos sem que ninguém lhe conhecesse o paradeiro.

À noite o irmão de Moamede foi à residência da cunhada. Conversou de tal modo, fez tantas ofertas, e à despedida deixou tanto dinheiro que a boa mulher se convenceu.

No dia seguinte o homem voltou, e convidou Aladim para passear. Dirigiram-se ambos às lojas mais importantes da cidade, onde o tio comprou para o sobrinho roupas de alto preço, iguais em quantidade e riqueza às que usavam pessoas de fortuna e alta posição.

O mocinho, regressando, narrou o que o tio havia feito, e disse-lhe que prometera estabelecê-lo, como os mais importantes e conceituados negociantes. Em vista disto, a viúva confiou cegamente no cunhado.

Aladim abandonou as más companhias, começou a frequentar os lojistas endinheirados e a boa sociedade, sempre com seu parente, a quem consagrava amizade e consideração.

Uma tarde, saíram a um passeio, e dirigiram-se longe, muito longe, fora da cidade. Aladim já estava morto de fadiga, mas o tio insistia para que continuasse a andar, entretendo-o com interessantes narrativas, e prometendo-lhe mostrar lugares esplêndidos e coisas maravilhosas, como jamais tinha visto. Chegaram finalmente a uma planície extensíssima, ao cabo de muitas horas de jornada.

Aí o estrangeiro apanhou lenha e fez uma fogueira. Depois lançou nas chamas uns pós amarelos, que trazia numa preciosa caixinha de ouro, pronunciando palavras cabalísticas, em língua misteriosa, que o moço não entendeu. Imediatamente elevou-se uma grande fumaça, ao mesmo tempo que a terra se abria, deixando aparecer a entrada de um subterrâneo, tapada por uma pedra, com uma argola de ferro.

O tio mandou-lhe que a levantasse, pronunciando, rapidamente, com respeito, o nome de Moamede, seu pai, e o de Ben-Ali, seu avô. O rapaz obedeceu. Erguida a lápide, viu-se uma porta.

O desconhecido ordenou-lhe que descesse por aí. e caminhasse sempre em frente, por uma extensa galeria abandonada, no fim da qual encontraria um grande palácio deslumbrante; que subisse as escadas de mármore, atravessasse as vinte salas que havia, até encontrar um nicho, e nesse nicho uma lâmpada acesa.

— Vai direito — disse-lhe o mágico. — Podes examinar tudo, ver tudo, menos encostar-te ou roçar as roupas na galeria, sob pena de morreres imediatamente. Hás de atravessar um jardim cheio de árvores, cujos frutos poderás colher. Quando chegares ao nicho, apaga a lâmpada, despeja o azeite, e carrega-a. Mas não te esqueças que, se encostares o corpo na galeria, cairás fulminado!

Aladim desceu a custo pela entrada do subterrâneo, indo para uma espécie de gruta. Depois enveredou pela galeria perigosa e chegou ao jardim. Nunca imaginara na sua vida coisa mais deslumbrante, nem mais rica. As árvores estavam carregadas de frutas lindíssimas, de todas as cores, como se fossem de vidro.

Em frente erguia-se um palácio, verdadeiro prodígio de arquitetura, maravilhosamente belo. Parou deslumbrado. Quis colher as frutas, mas vendo que não eram de comer, contentou-se em trazer, como curiosidade, uma de cada cor e qualidade. Atravessando as vinte salas, o seu pasmo não teve limites: cada qual era mais rica e formosa.

Quando passou a última, encontrou o nicho e em frente a ele a lâmpada acesa. Apagou-a, derramou o azeite e trouxe-a consigo, metendo-a no bolso das calças. Em seguida desandou o mesmo caminho percorrido.

É preciso saber-se que o estrangeiro não era irmão de Moamede, e sim um mágico africano, que se dedicava às ciências ocultas, tornando-se de habilidade e poder extraordinários. Achava-se no Egito, quando, por meio de sortilégios, soube que existia no centro da Turquia uma lâmpada maravilhosa que tornaria o seu possuidor o homem mais rico e poderoso da terra.

Para obter essa lâmpada era preciso que fosse o filho de Moamede o encarregado de buscá-la, porque seu avô merecera a proteção dos gênios escravos da lâmpada.

O mágico africano partiu para a Turquia, intitulou-se tio de Aladim e levou-o ao lugar onde a terra devia abrir-se. Antes de Aladim entrar, enfiou-lhe no dedo um anel que devia preservá-lo do perigo a que ia achar-se exposto.

Aladim, apoderando-se da lâmpada, voltou à gruta. Não podendo subir, pediu ao tio que o auxiliasse, visto a abertura ser muito apertada.

— Dá-me primeiro a lâmpada, que eu te ajudarei a subir.

O moço, vendo aquele interesse, desconfiou de alguma cilada, e respondeu resolutamente que não a entregaria, senão quando estivesse do lado de fora.

O mágico africano insistiu, e vendo que o rapaz se obstinava em lha não entregar, desesperou-se; e, dando um grito, pronunciou outra vez palavras cabalísticas. A terra fechou-se, sepultando o desgraçado moço.

***

Aladim, vendo-se perdido, chorou, arrependido da sua imprudência. Não podia sair, receando voltar ao palácio, por causa da galeria que com certeza o fulminaria. Estava destinado a morrer vivo.

Ao cabo do segundo dia, superexcitado pela febre e pela fome, começou a passear nervosamente, de um para outro lado da gruta, esfregando as mãos. Numa dessas ocasiões, sem querer, roçou com força o anel que o tio lhe havia dado, e do qual já se não recordava mais.

Surgiu em sua frente um gênio, de figura enorme, e aspecto espantoso, que lhe disse:

— Que me queres? Eis-me pronto, como teu escravo e escravo do anel, a obedecer-te em tudo e para tudo.

Aladim ficou um pouco espantado, mas recobrando ânimo, falou:

— Já que é assim, ordeno-te que me transportes imediatamente para casa.

Rápido como um raio, viu-se, sem saber de que modo, à porta de sua miserável residência.

Contou à velha tudo quanto lhe havia acontecido, e continuou a viver pobremente.

Achavam-se, porém, na miséria, visto já se haver esgotado o dinheiro que lhe dera o mágico africano.

Então a viúva lembrou-se de vender a lâmpada, cujo produto podia chegar para passarem três ou quatro dias. Mas como estava muito suja, foi para o quintal areá-la, indo Aladim assistir à limpeza.

A pobre senhora começou a esfregá-la com força; subitamente apareceu um gênio, mais ou menos igual ao da gruta. A velha desmaiou, enquanto o gênio falava:

— Que me queres? Eis-me pronto, como teu escravo e escravo da lâmpada, a obedecer-te em tudo e para tudo.

Aladim, que já tinha assistido a idêntica aparição, não se perturbou e ordenou-lhe que trouxesse jantar. Minutos depois via a sua mesa servida de tudo quanto havia de mais saboroso e delicado.

Passado algum tempo, Aladim achando-se a passear, teve ensejo de ver a filha do sultão.

Ficou perdidamente enamorado, e induziu sua mãe a ir pedi-la em casamento.

Quando o sultão viu aquela misera velhinha prostrar-se-lhe aos pés, e fazer tal súplica, longe de se encolerizar, como era de esperar, achou graça, e pôs-se a rir. Indagou quem era Aladim, quem fora Moamede, e sabendo a sua condição mais que humilde, começou a pilheriar, e quis divertir-se, achando-se de bom humor. Então disse-lhe:

— Estou pronto a conceder a mão de minha filha, mas é justo que não a deixe casar sem saber quais são as posses de meu futuro genro. Se ele puder enviar-me de presente quarenta vasos de ouro maciços, cheios de brilhantes, cada um do tamanho de um ovo de pombo, devendo esses vasos serem trazidos por igual número de escravos brancos e outros tantos pretos, todos eles bem vestidos, e esbeltos conceder-lhe-ei a princesa em casamento.

A viúva Moamede partiu para casa, desesperada, lembrando-se do grande desgosto que ia causar a seu filho, dando-lhe aquela resposta.

Aladim, porém, longe de se contrariar, exultou com a notícia. Esfregou o anel e apareceu o gênio a quem ele ordenou que lhe trouxesse o presente encomendado pelo sultão, e mais um traje de rainha para sua mãe, e um séquito de vinte escravos para acompanhá-lo.

Duas horas depois saía da modesta casinha aquele deslumbrante cortejo, como jamais soberano algum teve igual. O povo afluiu em massa, e acompanhava-o, como em procissão.

O sultão, em vista daquele esplendor a que não estava acostumado, apesar do seu fausto, não teve remédio senão aceitar Aladim como genro, e pediu à velha que fosse buscá-lo.

Recebendo o recado, o moço invocou outra vez o escravo do anel, e pediu-lhe as mais lindas roupas do mundo, um cavalo, de raça, de formosura extraordinária, e mais uma guarda de cem cavaleiros, também ricamente montados.

Caminhou para o palácio, sendo recebido afetuosamente pelo alto monarca.

Depois de combinarem o casamento, Aladim pediu-lhe uma praça, que havia em frente ao palácio real, para mandar construir sua casa.

Foi-lhe concedido. No dia imediato, apareceu um majestoso castelo, tão rico, tão luxuoso, que uma só de suas salas valia mais que todos os paços do sultão.

Efetuou-se o casamento com pompa e brilhantismo jamais visto em todos os tempos.

***

O mágico africano, deixando Aladim sem querer entregar a lâmpada, viu frustrados todos os seus planos e perdidos os estudos a que se dedicara durante tantos anos.

Voltou para o Egito, e continuou outros estudos de magia, esperando colher melhores resultados.

Não contava que Aladim conseguisse sair do subterrâneo, porque não lhe havia ensinado os segredos dos dois objetos.

Um dia lembrou-se de consultar o Destino, e ficou pasmado sabendo que o filho do alfaiate era genro do sultão, tendo usado várias vezes do poder maravilhoso que lhe davam o anel e a lâmpada. Resolveu tomar uma desforra.

Saiu de Mênfis; e, após longa jornada, chegou à capital da Turquia, bem disfarçado, de modo a não ser reconhecido.

O seu primeiro cuidado foi indagar jeitosamente dos hábitos e costumes de Aladim. Sabendo que nesse mesmo dia tinha partido para uma grande caçada, havendo deixado a princesa, imaginou um plano de vingança.

Chegou a uma loja comprou vinte lâmpadas novas e, vestindo-se de pequeno mercador ambulante, saiu pelas ruas, apregoando:

— Quem quer trocar lâmpadas velhas por novas?

O povo, ouvindo aquela proposta absurda, começou a rir e a zombar, enquanto a criançada o acompanhava, em grande berreiro, até à praça do palácio.

A princesa, escutando o barulho, indagou do motivo. Disseram-lhe, e ela, como todo o mundo, achou extravagante o pregão.

Estava a comentar o caso, em companhia de suas aias, quando uma delas lembrou:

— Se Vossa Alteza quisesse, podia fazer uma experiência, para ver se o mercador está ou não zombando. Na sala azul do palácio, próximo aos aposentos do príncipe Aladim existe uma velha lâmpada, naturalmente esquecida ao acaso. Vossa Alteza. consentindo, irei trocá-la.

A sultana deu ordem, e a camareira saiu, voltando pouco tempo depois, satisfeita por ter efetuado a troca, muitíssimo vantajosa.

O mágico reconheceu a lâmpada maravilhosa, e logo que a teve em seu poder, tratou de ir para fora da cidade.

Apenas se viu sozinho, esfregou o extraordinário talismã. Aparecendo-lhe o gênio, ordenou que o transportasse para a África, bem como o palácio de Aladim, tal qual se achava.

Efetuou-se a mudança, e ele apresentando-se à princesa, confessou-lhe amor veemente, jurando que a mataria se o não correspondesse.

A sultana ficou desesperada, vendo-se longe da Turquia, longe de seu pai e do esposo. Compreendeu que estava perdida.

Entretanto, Aladim, regressando da caça em companhia de seu sogro, ficou amargurado.

O sultão da Turquia lastimava tanto a perda da sua única filha, que protestou mandar decapitar o genro, se dentro de um mês a não encontrasse.

O moço compreendeu o que se havia passado, e chorou sem esperança.

Lembrando-se, porém, do condão que possuía esfregou o anel; e, tendo aparecido outro gênio, ordenou-lhe que trouxesse imediatamente o palácio. O gênio objetou-lhe que nada podia fazer, porque os escravos da lâmpada eram mais poderosos. A única coisa que podia fazer era transportá-lo ao Egito.

Aladim aceitou, e conseguiu, transformado em escravo favorito, ver sua esposa. Ensinou-lhe como devia apoderar-se da lâmpada, envenenando o seu algoz.

A princesa, durante a ceia, mostrando-se amável com o mágico, lançou-lhe na taça uns pós que o fulminaram.

De posse da lâmpada, o jovem Aladim mudou o palácio para o seu primitivo lugar, e viveu muito tempo em absoluta calma e felicidade.

***

Ora, o mágico africano tinha um irmão, também exímio nas ciências ocultas, que jurou vingá-lo.

Tomando a forma de uma santa, que existia na capital do império turco, respeitadíssima e venerada por todos, entrou no palácio chamando pela princesa, num dia que Aladim não estava.

O moço nunca mais abandonara a lâmpada a fim de não ser roubada, e trazia-a constantemente consigo.

Em vista disso, o irmão do mágico não podia apoderar-se dela.

Fingindo, porém, de Fátima—  a santa mulher — conversou com a princesa, e elogiando o soberano palácio, declarou-lhe que, para estar completo, devia possuir, pendente do teto, do salão principal, um enorme ovo do maravilhoso pássaro chamado Roca, que existia no centro da Índia. Despediu-se e saiu.

Aladim, regressando, encontrou sua esposa triste; e, inquirindo o motivo, disse-lhe ela queria ter na sala um ovo do pássaro denominado Roca.

Ele não sabia o que era, mas prometeu. E chamando o gênio, escravo da lâmpada, ordenou-lhe que satisfizesse o pedido da princesa.

Mal tinha formulado o seu desejo, o gênio soltou espantoso berro, que estremeceu toda a casa e bradou-lhe:

— Oh! miserável ingrato, que assim pagas os muitos benefícios recebidos de mim e de meus companheiros!... Como te atreves a pedir o meu senhor o pássaro Roca?!...

O príncipe, receoso, desculpou-se humildemente. O gênio, vendo o seu arrependimento, contou-lhe quem era a falsa Fátima, e matou o irmão do mágico africano.

Desde esse dia, Aladim, sem cuidados de espécie alguma, viveu feliz, com sua esposa, vindo a reinar pela morte do sultão seu sogro.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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