ALADIM OU A LÂMPADA MARAVILHOSA
A antiga capital da Turquia, entre
seus negociantes, contava outrora um alfaiate chamado Moamede, casado e com um
filho de nome Aladim.
O desgraçado, honesto e virtuoso,
bem como sua esposa, era infeliz, porque Aladim, longe de seguir a trilha de
sua existência honrada, desde a mais tenra infância se tornara incorrigível
malandro e vagabundo. Não havia pancadas, castigos, conselhos, e admoestações
que o endireitassem. Fazia o desespero de seus velhos pais.
Quando Moamede faleceu, então não
houve mais quem o contivesse. A mãe era obrigada a trabalhar dia e noite para
sustentá-lo, enquanto ele frequentava más companhias, jogando e bebendo.
Uma tarde achava-se no botequim
público, quando viu chegar um homem, que, depois de o cumprimentar, lhe
perguntou se não era filho do falecido alfaiate Moamede.
Respondendo o moço afirmativamente,
o estrangeiro abraçou-o com amizade, dizendo ser irmão de Moamede e que havia
deixado a cidade trinta anos antes. Contou uma história tão bem inventada, que
o rapaz não duvidou em o reconhecer como tio. O desconhecido prometeu ir à
noite à casa da viúva, entregando ao sobrinho algum dinheiro, com recomendação
de lhe prepararem uma ceia.
Aladim, chegando à casa contou o
encontro. A velha pôs em dúvida o parentesco, embora soubesse vagamente que de
fato o marido tinha um irmão desaparecido desde longos anos sem que ninguém lhe
conhecesse o paradeiro.
À noite o irmão de Moamede foi à
residência da cunhada. Conversou de tal modo, fez tantas ofertas, e à despedida
deixou tanto dinheiro que a boa mulher se convenceu.
No dia seguinte o homem voltou, e
convidou Aladim para passear. Dirigiram-se ambos às lojas mais importantes da
cidade, onde o tio comprou para o sobrinho roupas de alto preço, iguais em
quantidade e riqueza às que usavam pessoas de fortuna e alta posição.
O mocinho, regressando, narrou o
que o tio havia feito, e disse-lhe que prometera estabelecê-lo, como os mais
importantes e conceituados negociantes. Em vista disto, a viúva confiou
cegamente no cunhado.
Aladim abandonou as más companhias,
começou a frequentar os lojistas endinheirados e a boa sociedade, sempre com
seu parente, a quem consagrava amizade e consideração.
Uma tarde, saíram a um passeio, e
dirigiram-se longe, muito longe, fora da cidade. Aladim já estava morto de
fadiga, mas o tio insistia para que continuasse a andar, entretendo-o com
interessantes narrativas, e prometendo-lhe mostrar lugares esplêndidos e coisas
maravilhosas, como jamais tinha visto. Chegaram finalmente a uma planície
extensíssima, ao cabo de muitas horas de jornada.
Aí o estrangeiro apanhou lenha e fez
uma fogueira. Depois lançou nas chamas uns pós amarelos, que trazia numa
preciosa caixinha de ouro, pronunciando palavras cabalísticas, em língua
misteriosa, que o moço não entendeu. Imediatamente elevou-se uma grande fumaça,
ao mesmo tempo que a terra se abria, deixando aparecer a entrada de um
subterrâneo, tapada por uma pedra, com uma argola de ferro.
O tio mandou-lhe que a levantasse,
pronunciando, rapidamente, com respeito, o nome de Moamede, seu pai, e o de
Ben-Ali, seu avô. O rapaz obedeceu. Erguida a lápide, viu-se uma porta.
O desconhecido ordenou-lhe que
descesse por aí. e caminhasse sempre em frente, por uma extensa galeria
abandonada, no fim da qual encontraria um grande palácio deslumbrante; que
subisse as escadas de mármore, atravessasse as vinte salas que havia, até
encontrar um nicho, e nesse nicho uma lâmpada acesa.
— Vai direito — disse-lhe o mágico.
— Podes examinar tudo, ver tudo, menos encostar-te ou roçar as roupas na
galeria, sob pena de morreres imediatamente. Hás de atravessar um jardim cheio
de árvores, cujos frutos poderás colher. Quando chegares ao nicho, apaga a
lâmpada, despeja o azeite, e carrega-a. Mas não te esqueças que, se encostares
o corpo na galeria, cairás fulminado!
Aladim desceu a custo pela entrada
do subterrâneo, indo para uma espécie de gruta. Depois enveredou pela galeria
perigosa e chegou ao jardim. Nunca imaginara na sua vida coisa mais
deslumbrante, nem mais rica. As árvores estavam carregadas de frutas
lindíssimas, de todas as cores, como se fossem de vidro.
Em frente erguia-se um palácio,
verdadeiro prodígio de arquitetura, maravilhosamente belo. Parou deslumbrado.
Quis colher as frutas, mas vendo que não eram de comer, contentou-se em trazer,
como curiosidade, uma de cada cor e qualidade. Atravessando as vinte salas, o
seu pasmo não teve limites: cada qual era mais rica e formosa.
Quando passou a última, encontrou o
nicho e em frente a ele a lâmpada acesa. Apagou-a, derramou o azeite e trouxe-a
consigo, metendo-a no bolso das calças. Em seguida desandou o mesmo caminho
percorrido.
É preciso saber-se que o
estrangeiro não era irmão de Moamede, e sim um mágico africano, que se dedicava
às ciências ocultas, tornando-se de habilidade e poder extraordinários.
Achava-se no Egito, quando, por meio de sortilégios, soube que existia no
centro da Turquia uma lâmpada maravilhosa que tornaria o seu possuidor o homem
mais rico e poderoso da terra.
Para obter essa lâmpada era preciso
que fosse o filho de Moamede o encarregado de buscá-la, porque seu avô merecera
a proteção dos gênios escravos da lâmpada.
O mágico africano partiu para a
Turquia, intitulou-se tio de Aladim e levou-o ao lugar onde a terra devia
abrir-se. Antes de Aladim entrar, enfiou-lhe no dedo um anel que devia
preservá-lo do perigo a que ia achar-se exposto.
Aladim, apoderando-se da lâmpada,
voltou à gruta. Não podendo subir, pediu ao tio que o auxiliasse, visto a
abertura ser muito apertada.
— Dá-me primeiro a lâmpada, que eu
te ajudarei a subir.
O moço, vendo aquele interesse,
desconfiou de alguma cilada, e respondeu resolutamente que não a entregaria,
senão quando estivesse do lado de fora.
O mágico africano insistiu, e vendo
que o rapaz se obstinava em lha não entregar, desesperou-se; e, dando um grito,
pronunciou outra vez palavras cabalísticas. A terra fechou-se, sepultando o
desgraçado moço.
***
Aladim, vendo-se perdido, chorou,
arrependido da sua imprudência. Não podia sair, receando voltar ao palácio, por
causa da galeria que com certeza o fulminaria. Estava destinado a morrer vivo.
Ao cabo do segundo dia,
superexcitado pela febre e pela fome, começou a passear nervosamente, de um
para outro lado da gruta, esfregando as mãos. Numa dessas ocasiões, sem querer,
roçou com força o anel que o tio lhe havia dado, e do qual já se não recordava
mais.
Surgiu em sua frente um gênio, de
figura enorme, e aspecto espantoso, que lhe disse:
— Que me queres? Eis-me pronto,
como teu escravo e escravo do anel, a obedecer-te em tudo e para tudo.
Aladim ficou um pouco espantado,
mas recobrando ânimo, falou:
— Já que é assim, ordeno-te que me
transportes imediatamente para casa.
Rápido como um raio, viu-se, sem
saber de que modo, à porta de sua miserável residência.
Contou à velha tudo quanto lhe
havia acontecido, e continuou a viver pobremente.
Achavam-se, porém, na miséria,
visto já se haver esgotado o dinheiro que lhe dera o mágico africano.
Então a viúva lembrou-se de vender
a lâmpada, cujo produto podia chegar para passarem três ou quatro dias. Mas
como estava muito suja, foi para o quintal areá-la, indo Aladim assistir à
limpeza.
A pobre senhora começou a
esfregá-la com força; subitamente apareceu um gênio, mais ou menos igual ao da
gruta. A velha desmaiou, enquanto o gênio falava:
— Que me queres? Eis-me pronto,
como teu escravo e escravo da lâmpada, a obedecer-te em tudo e para tudo.
Aladim, que já tinha assistido a
idêntica aparição, não se perturbou e ordenou-lhe que trouxesse jantar. Minutos
depois via a sua mesa servida de tudo quanto havia de mais saboroso e delicado.
Passado algum tempo, Aladim
achando-se a passear, teve ensejo de ver a filha do sultão.
Ficou perdidamente enamorado, e
induziu sua mãe a ir pedi-la em casamento.
Quando o sultão viu aquela misera
velhinha prostrar-se-lhe aos pés, e fazer tal súplica, longe de se encolerizar,
como era de esperar, achou graça, e pôs-se a rir. Indagou quem era Aladim, quem
fora Moamede, e sabendo a sua condição mais que humilde, começou a pilheriar, e
quis divertir-se, achando-se de bom humor. Então disse-lhe:
— Estou pronto a conceder a mão de
minha filha, mas é justo que não a deixe casar sem saber quais são as posses de
meu futuro genro. Se ele puder enviar-me de presente quarenta vasos de ouro maciços,
cheios de brilhantes, cada um do tamanho de um ovo de pombo, devendo esses
vasos serem trazidos por igual número de escravos brancos e outros tantos
pretos, todos eles bem vestidos, e esbeltos conceder-lhe-ei a princesa em
casamento.
A viúva Moamede partiu para casa,
desesperada, lembrando-se do grande desgosto que ia causar a seu filho,
dando-lhe aquela resposta.
Aladim, porém, longe de se
contrariar, exultou com a notícia. Esfregou o anel e apareceu o gênio a quem ele
ordenou que lhe trouxesse o presente encomendado pelo sultão, e mais um traje
de rainha para sua mãe, e um séquito de vinte escravos para acompanhá-lo.
Duas horas depois saía da modesta
casinha aquele deslumbrante cortejo, como jamais soberano algum teve igual. O
povo afluiu em massa, e acompanhava-o, como em procissão.
O sultão, em vista daquele
esplendor a que não estava acostumado, apesar do seu fausto, não teve remédio
senão aceitar Aladim como genro, e pediu à velha que fosse buscá-lo.
Recebendo o recado, o moço invocou
outra vez o escravo do anel, e pediu-lhe as mais lindas roupas do mundo, um
cavalo, de raça, de formosura extraordinária, e mais uma guarda de cem
cavaleiros, também ricamente montados.
Caminhou para o palácio, sendo
recebido afetuosamente pelo alto monarca.
Depois de combinarem o casamento,
Aladim pediu-lhe uma praça, que havia em frente ao palácio real, para mandar
construir sua casa.
Foi-lhe concedido. No dia imediato,
apareceu um majestoso castelo, tão rico, tão luxuoso, que uma só de suas salas
valia mais que todos os paços do sultão.
Efetuou-se o casamento com pompa e
brilhantismo jamais visto em todos os tempos.
***
O mágico africano, deixando Aladim
sem querer entregar a lâmpada, viu frustrados todos os seus planos e perdidos
os estudos a que se dedicara durante tantos anos.
Voltou para o Egito, e continuou outros
estudos de magia, esperando colher melhores resultados.
Não contava que Aladim conseguisse
sair do subterrâneo, porque não lhe havia ensinado os segredos dos dois
objetos.
Um dia lembrou-se de consultar o
Destino, e ficou pasmado sabendo que o filho do alfaiate era genro do sultão,
tendo usado várias vezes do poder maravilhoso que lhe davam o anel e a lâmpada.
Resolveu tomar uma desforra.
Saiu de Mênfis; e, após longa
jornada, chegou à capital da Turquia, bem disfarçado, de modo a não ser
reconhecido.
O seu primeiro cuidado foi indagar
jeitosamente dos hábitos e costumes de Aladim. Sabendo que nesse mesmo dia
tinha partido para uma grande caçada, havendo deixado a princesa, imaginou um
plano de vingança.
Chegou a uma loja comprou vinte
lâmpadas novas e, vestindo-se de pequeno mercador ambulante, saiu pelas ruas,
apregoando:
— Quem quer trocar lâmpadas velhas
por novas?
O povo, ouvindo aquela proposta
absurda, começou a rir e a zombar, enquanto a criançada o acompanhava, em
grande berreiro, até à praça do palácio.
A princesa, escutando o barulho,
indagou do motivo. Disseram-lhe, e ela, como todo o mundo, achou extravagante o
pregão.
Estava a comentar o caso, em
companhia de suas aias, quando uma delas lembrou:
— Se Vossa Alteza quisesse, podia
fazer uma experiência, para ver se o mercador está ou não zombando. Na sala
azul do palácio, próximo aos aposentos do príncipe Aladim existe uma velha
lâmpada, naturalmente esquecida ao acaso. Vossa Alteza. consentindo, irei
trocá-la.
A sultana deu ordem, e a camareira
saiu, voltando pouco tempo depois, satisfeita por ter efetuado a troca,
muitíssimo vantajosa.
O mágico reconheceu a lâmpada
maravilhosa, e logo que a teve em seu poder, tratou de ir para fora da cidade.
Apenas se viu sozinho, esfregou o
extraordinário talismã. Aparecendo-lhe o gênio, ordenou que o transportasse
para a África, bem como o palácio de Aladim, tal qual se achava.
Efetuou-se a mudança, e ele
apresentando-se à princesa, confessou-lhe amor veemente, jurando que a mataria
se o não correspondesse.
A sultana ficou desesperada,
vendo-se longe da Turquia, longe de seu pai e do esposo. Compreendeu que estava
perdida.
Entretanto, Aladim, regressando da
caça em companhia de seu sogro, ficou amargurado.
O sultão da Turquia lastimava tanto
a perda da sua única filha, que protestou mandar decapitar o genro, se dentro
de um mês a não encontrasse.
O moço compreendeu o que se havia
passado, e chorou sem esperança.
Lembrando-se, porém, do condão que
possuía esfregou o anel; e, tendo aparecido outro gênio, ordenou-lhe que
trouxesse imediatamente o palácio. O gênio objetou-lhe que nada podia fazer,
porque os escravos da lâmpada eram mais poderosos. A única coisa que podia
fazer era transportá-lo ao Egito.
Aladim aceitou, e conseguiu,
transformado em escravo favorito, ver sua esposa. Ensinou-lhe como devia
apoderar-se da lâmpada, envenenando o seu algoz.
A princesa, durante a ceia,
mostrando-se amável com o mágico, lançou-lhe na taça uns pós que o fulminaram.
De posse da lâmpada, o jovem Aladim
mudou o palácio para o seu primitivo lugar, e viveu muito tempo em absoluta
calma e felicidade.
***
Ora, o mágico africano tinha um
irmão, também exímio nas ciências ocultas, que jurou vingá-lo.
Tomando a forma de uma santa, que
existia na capital do império turco, respeitadíssima e venerada por todos,
entrou no palácio chamando pela princesa, num dia que Aladim não estava.
O moço nunca mais abandonara a
lâmpada a fim de não ser roubada, e trazia-a constantemente consigo.
Em vista disso, o irmão do mágico
não podia apoderar-se dela.
Fingindo, porém, de Fátima— a santa mulher — conversou com a princesa, e
elogiando o soberano palácio, declarou-lhe que, para estar completo, devia
possuir, pendente do teto, do salão principal, um enorme ovo do maravilhoso
pássaro chamado Roca, que existia no centro da Índia. Despediu-se e saiu.
Aladim, regressando, encontrou sua
esposa triste; e, inquirindo o motivo, disse-lhe ela queria ter na sala um ovo
do pássaro denominado Roca.
Ele não sabia o que era, mas
prometeu. E chamando o gênio, escravo da lâmpada, ordenou-lhe que satisfizesse
o pedido da princesa.
Mal tinha formulado o seu desejo, o
gênio soltou espantoso berro, que estremeceu toda a casa e bradou-lhe:
— Oh! miserável ingrato, que assim
pagas os muitos benefícios recebidos de mim e de meus companheiros!... Como te
atreves a pedir o meu senhor o pássaro Roca?!...
O príncipe, receoso, desculpou-se humildemente.
O gênio, vendo o seu arrependimento, contou-lhe quem era a falsa Fátima, e
matou o irmão do mágico africano.
Desde esse dia, Aladim, sem
cuidados de espécie alguma, viveu feliz, com sua esposa, vindo a reinar pela
morte do sultão seu sogro.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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