A rainha Laurinda era a soberana
mais estimada do mundo, por sua bondade, virtude e bom coração. Para ser
completamente feliz, só uma coisa desejava — ter filhos.
Numa noite de inverno trabalhava no
bastidor de bordar, cuja madeira era de ébano. De tempos a tempos, olhava pela
janela aberta, vendo cair lá fora os flocos de neve.
Distraindo-se, espetou o dedo, em
cuja extremidade apareceu uma pequenina gota de sangue.
— Ah! — disse ela. — Como desejaria
ter uma filha, cujos lábios fossem vermelhos como este sangue, as faces brancas
como a neve, e os cabelos negros como o ébano!
Algum tempo depois seus desejos
foram satisfeitos. Nasceu-lhe uma linda criancinha, que tinha lábios rubros,
faces níveas e cabelos pretos.
Mas a feliz mãe não gozou durante
muito tempo da sua alegria. Morreu; e o rei logo depois casou-se com uma mulher
de rara beleza e de orgulho não menos extraordinário.
Essa mulher era tão orgulhosa, que
se julgava a pessoa mais formosa de todo o mundo. Algumas vezes encerrava-se no
seu quarto, e, pondo-se em frente a um espelho mágico, perguntava:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
E o espelho respondia:
Ninguém!
Ninguém!
Entretanto, Branca como a Neve
crescia, e ornava-se cada dia mais graciosa e encantadora.
Não tinha ainda sete anos e ninguém
podia vê-la sem ficar admirado.
Uma ocasião, a orgulhosa rainha,
sentando-se de novo diante do espelho, perguntou:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
O espelho respondeu desta vez:
— Sim,
agora existe alguém.
Pois Branca te sucedeu!
A altiva rainha sentiu uma dor
profunda no coração, como se lhe houvessem enterrado um punhal.
Concebeu ódio mortal à inocente
Branca, e no ardor desse ódio não podia encontrar repouso.
Um dia, não podendo mais, chamou um
dos seus criados:
— É preciso que Branca pereça.
Leve-a para a floresta e mata-a. Para prova de que minhas ordens foram
cumpridas pontualmente, quero que me tragas seu fígado e seus pulmões.
O criado levou Branca ao interior
da mata, e tirou a faca para executar o crime que lhe tinham ordenado. A boa
criança chorava e suplicava que tivesse piedade dela, que desejava viver!...
As suas súplicas, os seus olhares,
comoveram tanto o lacaio encarregado de ser o seu carrasco, que murmurou
consigo mesmo:
— Não, não posso derramar o sangue
desta inocente criatura. Abandoná-la-ei, aqui no mato. Se os animais selvagens
a devorarem, o crime será da rainha e não meu.
Assim o fez. Em seguida matou um
cabrito, tirou-lhe o fígado e os pulmões, e levou-os à rainha, que exclamou com
feroz orgulho:
— Enfim! Minha rival morreu, e
nenhuma outra mulher do mundo é mais bela do que eu!
A pobre Branca como a Neve,
abandonada na floresta, não tinha morrido, mas sentia-se inquieta.
Pela primeira vez na vida
caminhava, com os seus delicados pezinhos sobre duras pedras e espinhos, que
lhe despedaçavam os vestidos. Encontrou vários animais ferozes mas que lhe não
fizeram mal algum. À sua vista afastavam-se e ela caminhou durante todo o dia,
atravessando montanhas.
À noite avistou uma casinha, onde
tudo se achava em ordem, com asseio e cuidado. Aí encontrou uma mesa posta, e
sobre esta mesinha, coberta com uma toalha, viu sete pequeninos pratos, sete
pequeninos talheres, sete pequeninos copos e no outro aposento sete pequeninos
leitos.
Branca comeu um pouco de cada um
dos pratinhos, bebeu uma gota de cada copo, depois deitou-se numa das sete
caminhas, fez a sua oração e adormeceu, serena e profundamente.
Alguns momentos depois os donos da
casinha entraram. Eram sete pequeninos mineiros, os anõezinhos da montanha,
trazendo a sua lâmpada à cintura. Conheceram que alguém ali havia entrado.
Um deles falou:
— Quem comeu um pedaço do meu pão?
E os outros, sucessivamente:
— Quem pegou no meu garfo?
— Quem comeu os meus legumes?
— Quem bebeu o meu vinho?
E finalmente um deles:
— Olhem quem está deitada no meu
leito!
Reuniram-se todos, então, em torno
do leito onde Branca dormia.
À claridade das lâmpadas,
contemplaram com muda surpresa a boa e formosa criança. Em seguida afastaram-se
silenciosamente, sem fazer o menor ruído, a fim de lhe não perturbarem o sono.
No dia seguinte, pela manhã, ao
despertar, Branca como a Neve ficou um pouco amedrontada quando viu perto dela
os sete anõezinhos da montanha.
Eles, porém, disseram-lhe
suavemente que nada teria a recear, e perguntaram-lhe donde vinha e como se chamava.
A menina narrou a sua triste
história, e os anõezinhos propuseram-lhe:
— Queres ficar conosco, e tomar
conta da nossa casinha?
— Com muito prazer— respondeu
Branca, completamente calma e sossegada por tão bons olhares e palavras tão
amistosas.
Começou a fazer o serviço, e
continuou-o regularmente todos os dias. Limpava a mobília e preparava a comida.
Os anões iam trabalhar nas minas de ouro e de diamantes das montanhas, e de
regresso encontravam tudo em ordem.
***
Durante esse tempo, a malvada
rainha regozijava-se, lembrando-se que não tinha mais a recear rival alguma. Um
dia sentou-se em frente ao espelho, e interrogou-o:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
E o espelho disse:
— Sim,
ainda existe alguém,
Porque Branca não morreu!...
Ouvindo essa resposta, a orgulhosa
mulher sentiu o coração despedaçado, e novamente resolveu fazer perecer a
inocente Branca.
Não encontrava entretanto um meio.
Dia e noite pensava na execução do seu projeto.
Uma manhã partiu, disfarçada (a fim
de que ninguém a conhecesse), com cabelos postiços e uma máscara de cera, o que
lhe dava todas as aparências de uma velha, vestindo uma roupa grosseira e
levando como mercadoria ambulante, um cesto onde pusera vários objetos de
fantasia.
Transpôs as sete montanhas, e bateu
à porta da casinha, apregoando:
— Quem compra objetos bonitos?
Os anõezinhos haviam recomendado à
menina para desconfiar de qualquer pessoa estranha que ali aparecesse, pois
receavam os emissários da rainha, e a moça prometera ser prudente.
Quando viu as lindas coisas que a
mercadora trazia, esqueceu as suas promessas.
— Veja esta cadeia de ouro e este
bracelete — disse a pérfida mercadora. — Veja este formoso colar. Quer
experimentá-lo? Eu mesmo vou colocar-lho.
Branca consentiu, e a horrível
megera estrangulou-a.
— Eis aí — disse ela quando a viu
estendida no chão, — para castigar a tua beleza.
Depois foi-se embora.
Quando os anõezinhos chegaram,
viram a desgraçada Branca caída por terra, completamente inanimada.
Apressaram-se em quebrar o tal
colar, depois fizeram-na beber algumas gotas de um licor de ouro. Branca
começou a respirar, voltou pouco a pouco à vida, e contou aos seus generosos
protetores o que lhe havia sucedido.
— Fica certa que essa malvada
mulher — disseram eles, — não é outra senão a tua inimiga, a rainha, toma
cuidado, e não abras a porta a ninguém, durante a nossa ausência.
Tornando a entrar no palácio,
alegre pelo bom êxito da sua medonha expedição, a rainha sentou-se em frente ao
espelho, e perguntou:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
E o espelho disse:
— Sim,
ainda existe alguém,
Porque Branca não morreu!...
A rainha ficou outra vez
desesperada, e outra vez, resolveu fazer tentativas a fim de aniquilar Branca.
Disfarçou-se ainda, mas como uma
mercadora estrangeira, e levando uma cesta cheia de objetos de luxo. Transpôs
as sete montanhas, e bateu à porta da casinha:
— Quem compra joias riquíssimas?
— Retire-se. Não devo deixar entrar
aqui pessoa alguma.
— Tanto pior para a senhora — replicou
a malvada. — Veja este pente de ouro. Não há outro igual no mundo.
Branca não pode resistir à tentação
de possuir aquele objeto. Abriu a porta.
— Deixe, minha bela menina — disse
a mercadora, — penteá-la como deve ficar.
Enterrou o pente envenenado na
cabeleira da mocinha que subitamente caiu morta.
— Eis ai — disse ela, quando a viu
estendida no chão, — para castigar a tua beleza!
Depois foi-se embora.
À noite, entrando em casa, os
anõezinhos viram-na desmaiada e fria sobre o chão. Arrancaram-lhe o pente e
reanimaram-na com o seu elixir.
A cruel rainha, durante esse tempo,
voltou alegre para o palácio. Assim que chegou, sentou-se em frente ao espelho,
e interrogou:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
E o espelho disse:
— Sim, ainda
existe alguém.
Porque Branca não morreu!
— Ah! — exclamou a rainha, num
acesso de desespero e raiva. — É preciso que ela morra, ainda que eu tenha de
sacrificar a minha vida.
Vestiu-se como uma camponesa,
encheu um cabaz de frutas saborosas, entre as quais colocou uma linda maça,
meio envenenada, e partiu.
Foi bater à porta da casinha:
— Quem compra boas frutas?
— Retire-se — disse Branca,
chegando à janela. — Não posso deixar entrar aqui pessoa alguma e também nada
posso comprar.
— Pois sim — disse a falsa
camponesa. — Não me custará vender tão excelentes frutas. Mas, como a menina é
tão formosa, ofereço-lhe esta maçã.
— Muito obrigada, não posso aceitar.
— Pensa que ela está envenenada?!
Olhe, a prova está aqui.
E comeu um pedaço do lado bom.
Branca deixou-se tentar, e comeu o
outro pedaço. Caiu morta.
— Eis aí para castigar a beleza
mais extraordinária do mundo — disse a rainha.
Chegando ao palácio, dirigiu-se ao
seu espelho:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
E o espelho respondeu:
Ninguém!
Ninguém!
— Enfim — exclamou ela, com feroz
satisfação. — Eis-me sem rival no mundo.
Entretanto os anõezinhos estavam
desolados. Em vão haviam tentado reanimar Branca, fazendo-a beber o seu licor
de ouro, e outros, ainda mais poderosos. Branca conservava-se fria e inanimada.
Choraram em companhia dos
passarinhos da floresta, durante três dias e três noites.
Contudo não a julgaram morta,
porque, o rosto conservava a mesma frescura que tivera em vida.
Em vista disso, não quiseram
enterrá-la, e mandaram fazer um esquife de cristal onde a colocaram e no qual
fizeram inscrever as seguintes palavras:
Aqui repousa uma princesa real.
Puseram esse esquife em uma das
sete montanhas, devendo um deles vigiá-lo constantemente.
Branca permaneceu aí durante anos
sem que se notasse a menor alteração no seu rosto. Os seus longos e belos
cabelos eram sempre negros, as faces brancas, lábios vermelhos.
Um dia, o filho de um rei, tendo-se
perdido na caça, atravessou as sete montanhas, e viu o esquife.
Pediu aos anõezinhos, que lho
cedesse, por qualquer preço que fosse, mas eles disseram:
— Possuímos imensa quantidade de
metais, mas nem por todo o ouro do mundo seríamos capazes de nos separar desse
esquife, que é nosso tesouro.
— Pois bem — disse o príncipe. — Então,
peço-lhes que me deem. Eu, de hoje em diante, não poderei mais viver sem esta
fisionomia encantadora. Colocarei o esquife no mais luxuoso dos aposentos do
meu palácio, e venerá-lo-ei dia e noite. Cedam-no, por favor.
Os anõezinhos, comovidos por esse
pedido sincero, acederam.
Quatro homens da comitiva do
príncipe tiveram ordem de transportar o esquife para o palácio. Caminhando, um
deles tropeçou em uma raiz, dando tal impulso no esquife, que o pedaço da maça
envenenada, ainda na boca de Branca, caiu.
Imediatamente a mocinha abriu os
olhos. Estava salva! Ressuscitara!
O príncipe levou-a para o castelo,
e resolveu desposá-la.
As festas do casamento celebram-se
com grande pompa, luxo e solenidade, tendo sido convidados para elas os
soberanos de várias nações.
Nesse número estava a malvada
rainha.
Quando acabou de se vestir
esplendidamente, desejosa de maravilhar todo o mundo, dirigiu-se ao espelho:
— Oh! fiel
espelho meu.
Dizer-me depressa, vem:
Há mulher mais bela que eu?...
E o espelho falou:
— Sim,
ainda existe alguém,
Porque Branca não morreu!...
A rainha cruel estremeceu e descorou.
Os seus crimes deviam ser conhecidos. Recordando-se da ordem que havia dado ao
seu lacaio, e das tentativas que fizera nas sete montanhas, foi possuída de tal
pânico, que caiu fulminada.
Branca sobreviveu ainda durante
muito tempo amada e respeitada, e no seu rico palácio de rainha, não esqueceu
os anõezinhos, seus benfeitores.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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