5/04/2025

Berta, a esperta (Conto), de Figueiredo Pimentel


BERTA, A ESPERTA

Berta era interessante mocinha, filha de camponeses pouco abastados.

Quando cresceu, o pai falou à mulher:

— Precisamos casá-la.

— Sim — respondeu a mãe, — contanto que encontremos um rapaz digno dela.

Um moço chamado Bruno apresentou-se. Era excelente partido. Desejava Berta, mas antes de tudo quis saber se ela era previdente.

— Fique certo de que é muito ajuizada.

— Muito bem! — retorquiu Bruno, — lembrem-se, porém, que se não for previdente, não me casarei com ela.

À hora do jantar, disseram-lhe que descesse à adega e trouxesse vinho.

Berta apanhou uma caneca, desceu as escadas, colocou uma cadeira em frente ao tonel, sentou-se, para se não abaixar, porque, abaixando-se, pensava, podia ficar doente.

Em seguida pôs a vasilha debaixo da torneira, e esperou que enchesse.

Enquanto esperava, começou a olhar para um e outro lado, e viu um machado, esquecido no teto da adega.

— Ah! — exclamou, — se eu me casar com Bruno, e tivermos um filho, e se um dia mandarmos o pobrezinho buscar vinho, aquele machado poderá cair-lhe sobre a cabeça e matá-lo!

Fazendo essas dolorosas considerações, começou a chorar.

Entretanto, os pais, vendo que ela não voltava mandaram a criada ver o que tinha sucedido.

A criada achou-a sentada, a chorar amargamente, e perguntou-lhe o que tinha:

— Ah! — disse Berta. — Se me casar com Bruno, e tivermos um filho, e se um dia mandarmos o pobrezinho buscar vinho, esse machado poderá cair-lhe sobre a cabeça e matá-lo!

— Muita razão têm para lhe chamarem Berta, a esperta.

E com a ideia da desgraça prevista por sua ama, começou também a chorar.

— Mas eu estou com sede! — disse o pai, — e não me trazem vinho!

Mandou o criado ver o que se passava na adega.

O criado desceu, e viu a mocinha chorando, com a criada.

Berta disse-lhe a causa da sua dor.

— Muita razão têm para lhe chamarem Berta, a esperta!

E pôs-se a chorar com elas.

— Mas — dizia o pai, — é estranho que ninguém volte da adega! Vai tu, mulher, e faze com que venha enfim o vinho!

Berta contou a sua mãe a ideia que lhe despertara o machado esquecido.

— Ah! — exclamou a mãe. — Como temos razão para te chamar Berta, a esperta!

E começou a chorar.

O pai, impaciente, desceu em pessoa à adega, soube da causa das lágrimas da filha, e sentou-se a seu lado a soluçar.

O genro, que esperava na sala de jantar, decidiu-se a descer também. Viu seus futuros sogros, sua noiva e os seus criados chorando e indagou o que motivara um tal pesar.

— Olha para este machado, Bruno. Se nós nos casarmos, e tivermos um filho, e se o mandarmos à adega, o machado poderá cair-lhe sobre a cabeça, e matá-lo.

— Muito bem! tu és previdente, que não posso desejar mais. És na verdade, Berta, a espera, Casar-me-ei contigo.

Tomou-a pela mão, conduziu-a à sala de jantar, e as bodas foram preparadas.

Meses depois de casados, Bruno disse uma manhã à sua mulher:

— Tenho de tratar de alguns negócios, um pouco longe daqui. Demorar-me-ei fora. Durante esse tempo, dirige-te ao campo, vai colher, trigo, para fazer pão.

— Com muito prazer — retorquiu ela.

Como era muito previdente, preparou um farnel de comida, e quando chegou ao campo, interrogou-se a si mesma:

— Que devo fazer em primeiro lugar? Comer ou trabalhar?... Primeiro, comer: é um alvitre.

Depois de ter merendado, como era previdente, pensou também que seria uma boa precaução descansar. Deitou-se entre os trigos, e adormeceu.

Voltando à casa, Bruno, não encontrando a mulher, disse:

— Oh! como é trabalhadeira a minha querida Berta! Nem teve tempo de vir a casa jantar!

À noite, não tendo aparecido ainda, o marido decidiu-se a ir buscá-la no campo.

Ali chegando, viu que nada absolutamente havia feito, e que dormia sossegada no meio do trigo.

Correu à casa, trouxe um boné cheio de guizos e colocou-o sobre a cabeça da mocinha. Voltando, fechou a porta, e pôs-se à espera.

Quando despertou, Berta fez soar todos os guizos do boné. Amedrontada com aquele ruído, extraordinário, ignorando se ela era a própria Berta, ou uma outra.

Não podendo por si mesma resolver essa questão, dirigiu-se para casa; e, batendo à porta, indagou com voz inquieta:

— Bruno! Bruno! Berta está aí?  

— Está — respondeu ele.

— Ai — exclamou a pobre rapariga. — Então não sou mais Berta!

Quis fazer a mesma pergunta em outras casas, mas, assim que se aproximava, todos fugiam espavoridos.

Saiu da aldeia, e nunca mais se ouviu falar dela.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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