Berta era interessante mocinha,
filha de camponeses pouco abastados.
Quando cresceu, o pai falou à
mulher:
— Precisamos casá-la.
— Sim — respondeu a mãe, — contanto
que encontremos um rapaz digno dela.
Um moço chamado Bruno
apresentou-se. Era excelente partido. Desejava Berta, mas antes de tudo quis
saber se ela era previdente.
— Fique certo de que é muito
ajuizada.
— Muito bem! — retorquiu Bruno, — lembrem-se,
porém, que se não for previdente, não me casarei com ela.
À hora do jantar, disseram-lhe que
descesse à adega e trouxesse vinho.
Berta apanhou uma caneca, desceu as
escadas, colocou uma cadeira em frente ao tonel, sentou-se, para se não
abaixar, porque, abaixando-se, pensava, podia ficar doente.
Em seguida pôs a vasilha debaixo da
torneira, e esperou que enchesse.
Enquanto esperava, começou a olhar
para um e outro lado, e viu um machado, esquecido no teto da adega.
— Ah! — exclamou, — se eu me casar
com Bruno, e tivermos um filho, e se um dia mandarmos o pobrezinho buscar
vinho, aquele machado poderá cair-lhe sobre a cabeça e matá-lo!
Fazendo essas dolorosas
considerações, começou a chorar.
Entretanto, os pais, vendo que ela
não voltava mandaram a criada ver o que tinha sucedido.
A criada achou-a sentada, a chorar
amargamente, e perguntou-lhe o que tinha:
— Ah! — disse Berta. — Se me casar
com Bruno, e tivermos um filho, e se um dia mandarmos o pobrezinho buscar
vinho, esse machado poderá cair-lhe sobre a cabeça e matá-lo!
— Muita razão têm para lhe chamarem
Berta, a esperta.
E com a ideia da desgraça prevista
por sua ama, começou também a chorar.
— Mas eu estou com sede! — disse o
pai, — e não me trazem vinho!
Mandou o criado ver o que se
passava na adega.
O criado desceu, e viu a mocinha
chorando, com a criada.
Berta disse-lhe a causa da sua dor.
— Muita razão têm para lhe chamarem
Berta, a esperta!
E pôs-se a chorar com elas.
— Mas — dizia o pai, — é estranho
que ninguém volte da adega! Vai tu, mulher, e faze com que venha enfim o vinho!
Berta contou a sua mãe a ideia que
lhe despertara o machado esquecido.
— Ah! — exclamou a mãe. — Como
temos razão para te chamar Berta, a esperta!
E começou a chorar.
O pai, impaciente, desceu em pessoa
à adega, soube da causa das lágrimas da filha, e sentou-se a seu lado a
soluçar.
O genro, que esperava na sala de
jantar, decidiu-se a descer também. Viu seus futuros sogros, sua noiva e os
seus criados chorando e indagou o que motivara um tal pesar.
— Olha para este machado, Bruno. Se
nós nos casarmos, e tivermos um filho, e se o mandarmos à adega, o machado
poderá cair-lhe sobre a cabeça, e matá-lo.
— Muito bem! tu és previdente, que
não posso desejar mais. És na verdade, Berta, a espera, Casar-me-ei contigo.
Tomou-a pela mão, conduziu-a à sala
de jantar, e as bodas foram preparadas.
Meses depois de casados, Bruno
disse uma manhã à sua mulher:
— Tenho de tratar de alguns
negócios, um pouco longe daqui. Demorar-me-ei fora. Durante esse tempo,
dirige-te ao campo, vai colher, trigo, para fazer pão.
— Com muito prazer — retorquiu ela.
Como era muito previdente, preparou
um farnel de comida, e quando chegou ao campo, interrogou-se a si mesma:
— Que devo fazer em primeiro lugar?
Comer ou trabalhar?... Primeiro, comer: é um alvitre.
Depois de ter merendado, como era
previdente, pensou também que seria uma boa precaução descansar. Deitou-se
entre os trigos, e adormeceu.
Voltando à casa, Bruno, não
encontrando a mulher, disse:
— Oh! como é trabalhadeira a minha
querida Berta! Nem teve tempo de vir a casa jantar!
À noite, não tendo aparecido ainda,
o marido decidiu-se a ir buscá-la no campo.
Ali chegando, viu que nada
absolutamente havia feito, e que dormia sossegada no meio do trigo.
Correu à casa, trouxe um boné cheio
de guizos e colocou-o sobre a cabeça da mocinha. Voltando, fechou a porta, e
pôs-se à espera.
Quando despertou, Berta fez soar
todos os guizos do boné. Amedrontada com aquele ruído, extraordinário,
ignorando se ela era a própria Berta, ou uma outra.
Não podendo por si mesma resolver
essa questão, dirigiu-se para casa; e, batendo à porta, indagou com voz
inquieta:
— Bruno! Bruno! Berta está aí?
— Está — respondeu ele.
— Ai — exclamou a pobre rapariga. —
Então não sou mais Berta!
Quis fazer a mesma pergunta em
outras casas, mas, assim que se aproximava, todos fugiam espavoridos.
Saiu da aldeia, e nunca mais se
ouviu falar dela.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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