5/01/2025

João e Maria (Conto), de Figueiredo Pimentel

JOÃO E MARIA

Manuel era um pobre lenhador que vivia com sua mulher Margarida, e dois filhos — um menino e uma menina — no meio do mato, numa pequena choupana. O rapaz chamava-se João e a rapariga Maria. Uma noite, Manuel disse à mulher:

— Que havemos de fazer para sustentar nossos filhos? O inverno aproxima-se, e nada temos para nós, quanto mais para eles!...

— Sim, tens razão — disse a mulher, — e se me quiseres ouvir, deverás levá-los para o bosque. Aí, dando-lhes um pedaço de pão, acende o fogo, e em seguida abandona-os, recomendando-os a Deus.

— Ah! Senhor Deus do Céu! — exclamou o lenhador. — Podeis pensar em abandonar assim nossos filhinhos?

— Pois bem — retorquiu a mulher, — nesse caso, vê-los-emos morrer de fome, e nós morreremos também. Podes desde já mandar preparar os caixões e as covas.

Os meninos, que não podiam dormir, devorados pela fome, embora desde muito recolhidos e deitados sobre a caminha de palha, escutaram toda a conversa.

Maria começou a chorar, mas João lhe disse:

— Não chores, irmãzinha. Eu acharei um meio para nos salvarmos.

João, assim que viu os pais dormindo, levantou-se sem fazer barulho, saiu da choupana, e foi ajuntar uma porção de pedrinhas brancas, que trouxe para a cama.

Pela manhã, os pais estavam firmemente resolvidos a executar o que haviam ideado. A mãe deu-lhes um pedaço de pão, depois fechou a porta da cabana e pôs-se a caminho.

O lenhador acompanhava-a tristemente levando o machado ao ombro.

Em seguida vinha Maria, e depois João que, de distância em distância, deixava cair no chão umas pedrinhas. Quando chegaram ao meio da floresta, as crianças ajuntaram galhos secos das árvores, nos quais o lenhador ateou fogo.

Então Margarida lhes disse:

— Vocês devem estar cansados. Durmam perto do fogo, que vamos buscar lenha. Assim que acabarmos, viremos buscá-los.

Os pequenos dormiram até meio-dia. Ao despertarem, o fogo estava apagado. Comeram o pedaço de pão que tinham trazido, e em seguida adormeceram de novo, para só acordarem ao escurecer.

Os pais não haviam regressado, e Maria começou a chorar.

— Não tenhas medo — falou João, — pois daqui a pouco fará luar, e chegamos à casa.

Momentos depois a lua brilhava no céu, iluminando o caminho.

João tomou a irmã pela mão, e ambos principiaram a caminhar afoitamente.

Ao amanhecer, chegaram à choupana dos velhos, e bateram à porta. A mãe admirou-se muito ao vê-los, mas o pai ficou satisfeitíssimo.

***

Algum tempo depois, a miséria levou-os a pôr em prática o seu primitivo projeto.

Novamente as criancinhas escutaram a conversa. João quis ir ajuntar as pedrinhas. A porta da cabana, porém, estava fechada. Entretanto, consolou a irmã, dizendo-lhe:

— Não chores, maninha. Deus conhece todos os caminhos, e fará com que tomemos aquele por onde devemos seguir.

Na madrugada seguinte, muito cedo ainda, os meninos receberam um pedacinho de pão, ainda mais pequeno do que da primeira vez, e foram levados para um lugar espesso, no centro da floresta, muito longe de casa.

O rapaz ia partindo o seu pãozinho no bolso e espalhava as migalhas na terra, cuidando que elas o auxiliariam a achar o caminho.

Como da primeira vez, ajuntaram ramos secos para fazer fogo. Depois os pais afastaram-se, e eles dormiram até meio-dia.

João não tinha mais nem um farelozinho de pão, mas sua irmã dividiu com ele o que trazia.

Adormeceram.

Ao despertarem já era noite fechada. Maria chorava.

O irmão disse:

— Não chores, eu te levarei para casa.

Quando a lua se ergueu, segurou a pobre menina pela mão, e caminhou com ela, contando encontrar a estrada, devido às migalhas de pão que espalhara.

Os passarinhos haviam comido tudo. Não se via mais nenhuma.

Os dois meninos vaguearam perdidos, toda a noite, sem conseguirem jamais encontrar o atalho.

Exaustos de forças, fatigados a mais não poder, deitaram-se sobre a relva, e não tardam em dormir.

Acordando, sentiram fome, mas encontrando algumas frutas silvestres, conseguiram mitigá-la.

Depois puseram-se de novo em marcha, sem saberem para onde se dirigir, quando lhes apareceu um pequeno passarinho branco, que principiou a voar. As crianças acompanharam-no, pensando que os conduziria pelo bom caminho.

De repente avistaram uma linda casinha em cujo teto o passarinho foi pousar, tendo primeiro batido à porta com o biquinho.

Os dois desgraçadinhos aproximaram-se e imaginem o seu contentamento quando viram de que fora edificada a casinha; as paredes eram feitas de fatias de pão, o teto de bolos e as janelas de açúcar-candie

Eles, que estavam morrendo de fome, comeram um pedaço do teto e um pedaço da janela.

No mesmo instante uma pessoa gritou:

— Quem é que está comendo a minha casinha?

Ouvindo aquela voz áspera e dura, tiveram grande medo, mas como continuavam famintos, tornaram a comer.

Então surgiu uma velha hedionda, muito baixinha, com uma boca enorme, nariz de papagaio, toda preta e olhos verdes.

Assim que a viram, João e Maria quiseram fugir. A velha, entretanto, acalmou-os.

— Nada receiem. Venham comigo que tenho ainda coisas mais gostosas para lhes dar.

Entraram com ela e ficaram deslumbrados. Havia açúcar, biscoitos, leite, nozes, passas, figos e muitas outras gulodices.

Enquanto olhavam maravilhados, para aquela porção de doces, a velha preparava-lhes dois pequenos leitos brancos.

As duas criancinhas deitaram-se.

Essa velha era uma terrível feiticeira que atraía as crianças oferecendo-lhes bolos para depois comê-las.

No dia seguinte de manhã, dirigiu-se com feroz alegria para as duas caminhas onde elas estavam deitadas.

Segurou João com uma das mãos, e pelo meio do corpo, enquanto com a outra lhe tapava a boca para não gritar.

Conduziu-o para o poleiro e voltou em seguida para perto de Maria, gritando com voz terrível:

— Levanta-te, preguiçosa! Teu irmão já está com as galinhas, e vou engordá-lo para assá-lo mais tarde.

A pobre Maria ergueu-se espantada, e chorou desoladamente.

Nem as suas lágrimas, nem os seus gemidos podiam comover a hedionda feiticeira, e a pobre menina foi obrigada a fazer todos os serviços de uma criada.

De tempos a tempos a bruxa ia ao poleiro e mandava o menino passar um dedo através das frestas da prisão, a fim de ver se já estava mais gordinho.

João, que nada tinha de tolo, mostrava um osso descarnado e seco.

— É singular — murmurava a velha — como ele aproveita pouco do alimento que lhe dou!

Certa manhã, cansada de esperar durante tanto tempo, exclamou:

— É preciso acabar com isso! Hoje mesmo assá-lo-ei!

Acendeu um grande forno que tinha em casa para cozer pão, com desejo de assar também a pequena Maria.

— Suba — disse ela, — nesta cadeira, e arranje as brasas com a pá.

Maria dispunha-se a obedecer, quando ouviu o passarinho branco cantar:

— Toma sentido!... Toma sentido!...

Compreendeu imediatamente o perverso intento da cruel mulher, e retorquiu-lhe:

— Faça o favor de ensinar como é que devo fazer.

A feiticeira subiu e inclinou-se para a boca do forno.

Maria, aproveitando a distração da velha, empurrou-a para dentro, e fechou em seguida a abertura com a porta de ferro.

Depois foi soltar João. Ambos abraçaram-se, e saíram alegres daquela maldita casa.

À porta o passarinho branco esperava-os em companhia dos outros, que haviam comido as migalhas de João. Cada um deles quis fazer um presente às duas gentis criancinhas.

Maria estendeu o seu avental, e os passarinhos nele lançaram pérolas e pedras preciosas...

Em seguida o que havia ensinado o caminho voejou em torno deles, para mostrar a direção que deviam tomar.

Atravessaram assim a floresta, e chegaram à margem de uma grande lagoa, onde um cisne branco se banhava.

— Oh! lindo cisne! — disseram os dois pequenos, — queres ajudar-nos a passar este lago?

A estas palavras, o cisne aproximou-se, abaixando a cabeça e transportou-os a ambos, um depois outro, à margem oposta.

Aí já se achava o passarinho branco, que novamente se pôs a volitar em frente para guiar à cabana de seus pais.

O lenhador e a mulher estavam aflitíssimos, lastimando a perda dos filhinhos e dizendo:

— Ah! se eles pudessem tornar outra vez, nunca, nunca, nunca mais havíamos de os abandonar na floresta.

A porta abriu-se e os dois pequerruchos entraram.

Quanta alegria! Como se abraçaram ternamente!

Com os presentes que os passarinhos fizeram, estavam ricos, e não tinham mais a recear a miséria, a fome e o frio.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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