Manuel era um pobre lenhador que
vivia com sua mulher Margarida, e dois filhos — um menino e uma menina — no
meio do mato, numa pequena choupana. O rapaz chamava-se João e a rapariga
Maria. Uma noite, Manuel disse à mulher:
— Que havemos de fazer para
sustentar nossos filhos? O inverno aproxima-se, e nada temos para nós, quanto
mais para eles!...
— Sim, tens razão — disse a mulher,
— e se me quiseres ouvir, deverás levá-los para o bosque. Aí, dando-lhes um
pedaço de pão, acende o fogo, e em seguida abandona-os, recomendando-os a Deus.
— Ah! Senhor Deus do Céu! — exclamou
o lenhador. — Podeis pensar em abandonar assim nossos filhinhos?
— Pois bem — retorquiu a mulher, — nesse
caso, vê-los-emos morrer de fome, e nós morreremos também. Podes desde já
mandar preparar os caixões e as covas.
Os meninos, que não podiam dormir,
devorados pela fome, embora desde muito recolhidos e deitados sobre a caminha
de palha, escutaram toda a conversa.
Maria começou a chorar, mas João
lhe disse:
— Não chores, irmãzinha. Eu acharei
um meio para nos salvarmos.
João, assim que viu os pais
dormindo, levantou-se sem fazer barulho, saiu da choupana, e foi ajuntar uma
porção de pedrinhas brancas, que trouxe para a cama.
Pela manhã, os pais estavam
firmemente resolvidos a executar o que haviam ideado. A mãe deu-lhes um pedaço
de pão, depois fechou a porta da cabana e pôs-se a caminho.
O lenhador acompanhava-a
tristemente levando o machado ao ombro.
Em seguida vinha Maria, e depois
João que, de distância em distância, deixava cair no chão umas pedrinhas.
Quando chegaram ao meio da floresta, as crianças ajuntaram galhos secos das
árvores, nos quais o lenhador ateou fogo.
Então Margarida lhes disse:
— Vocês devem estar cansados.
Durmam perto do fogo, que vamos buscar lenha. Assim que acabarmos, viremos
buscá-los.
Os pequenos dormiram até meio-dia.
Ao despertarem, o fogo estava apagado. Comeram o pedaço de pão que tinham
trazido, e em seguida adormeceram de novo, para só acordarem ao escurecer.
Os pais não haviam regressado, e
Maria começou a chorar.
— Não tenhas medo — falou João, — pois
daqui a pouco fará luar, e chegamos à casa.
Momentos depois a lua brilhava no
céu, iluminando o caminho.
João tomou a irmã pela mão, e ambos
principiaram a caminhar afoitamente.
Ao amanhecer, chegaram à choupana
dos velhos, e bateram à porta. A mãe admirou-se muito ao vê-los, mas o pai
ficou satisfeitíssimo.
***
Algum tempo depois, a miséria levou-os
a pôr em prática o seu primitivo projeto.
Novamente as criancinhas escutaram
a conversa. João quis ir ajuntar as pedrinhas. A porta da cabana, porém, estava
fechada. Entretanto, consolou a irmã, dizendo-lhe:
— Não chores, maninha. Deus conhece
todos os caminhos, e fará com que tomemos aquele por onde devemos seguir.
Na madrugada seguinte, muito cedo
ainda, os meninos receberam um pedacinho de pão, ainda mais pequeno do que da
primeira vez, e foram levados para um lugar espesso, no centro da floresta, muito
longe de casa.
O rapaz ia partindo o seu pãozinho
no bolso e espalhava as migalhas na terra, cuidando que elas o auxiliariam a
achar o caminho.
Como da primeira vez, ajuntaram
ramos secos para fazer fogo. Depois os pais afastaram-se, e eles dormiram até
meio-dia.
João não tinha mais nem um
farelozinho de pão, mas sua irmã dividiu com ele o que trazia.
Adormeceram.
Ao despertarem já era noite
fechada. Maria chorava.
O irmão disse:
— Não chores, eu te levarei para
casa.
Quando a lua se ergueu, segurou a
pobre menina pela mão, e caminhou com ela, contando encontrar a estrada, devido
às migalhas de pão que espalhara.
Os passarinhos haviam comido tudo.
Não se via mais nenhuma.
Os dois meninos vaguearam perdidos,
toda a noite, sem conseguirem jamais encontrar o atalho.
Exaustos de forças, fatigados a
mais não poder, deitaram-se sobre a relva, e não tardam em dormir.
Acordando, sentiram fome, mas
encontrando algumas frutas silvestres, conseguiram mitigá-la.
Depois puseram-se de novo em
marcha, sem saberem para onde se dirigir, quando lhes apareceu um pequeno
passarinho branco, que principiou a voar. As crianças acompanharam-no, pensando
que os conduziria pelo bom caminho.
De repente avistaram uma linda
casinha em cujo teto o passarinho foi pousar, tendo primeiro batido à porta com
o biquinho.
Os dois desgraçadinhos aproximaram-se e imaginem o seu contentamento quando viram de que fora edificada a casinha; as paredes eram feitas de fatias de pão, o teto de bolos e as janelas de açúcar-candie
Eles, que estavam morrendo de fome,
comeram um pedaço do teto e um pedaço da janela.
No mesmo instante uma pessoa
gritou:
— Quem é que está comendo a minha
casinha?
Ouvindo aquela voz áspera e dura,
tiveram grande medo, mas como continuavam famintos, tornaram a comer.
Então surgiu uma velha hedionda,
muito baixinha, com uma boca enorme, nariz de papagaio, toda preta e olhos
verdes.
Assim que a viram, João e Maria
quiseram fugir. A velha, entretanto, acalmou-os.
— Nada receiem. Venham comigo que
tenho ainda coisas mais gostosas para lhes dar.
Entraram com ela e ficaram
deslumbrados. Havia açúcar, biscoitos, leite, nozes, passas, figos e muitas
outras gulodices.
Enquanto olhavam maravilhados, para
aquela porção de doces, a velha preparava-lhes dois pequenos leitos brancos.
As duas criancinhas deitaram-se.
Essa velha era uma terrível
feiticeira que atraía as crianças oferecendo-lhes bolos para depois comê-las.
No dia seguinte de manhã,
dirigiu-se com feroz alegria para as duas caminhas onde elas estavam deitadas.
Segurou João com uma das mãos, e
pelo meio do corpo, enquanto com a outra lhe tapava a boca para não gritar.
Conduziu-o para o poleiro e voltou
em seguida para perto de Maria, gritando com voz terrível:
— Levanta-te, preguiçosa! Teu irmão
já está com as galinhas, e vou engordá-lo para assá-lo mais tarde.
A pobre Maria ergueu-se espantada,
e chorou desoladamente.
Nem as suas lágrimas, nem os seus
gemidos podiam comover a hedionda feiticeira, e a pobre menina foi obrigada a
fazer todos os serviços de uma criada.
De tempos a tempos a bruxa ia ao
poleiro e mandava o menino passar um dedo através das frestas da prisão, a fim
de ver se já estava mais gordinho.
João, que nada tinha de tolo,
mostrava um osso descarnado e seco.
— É singular — murmurava a velha — como
ele aproveita pouco do alimento que lhe dou!
Certa manhã, cansada de esperar
durante tanto tempo, exclamou:
— É preciso acabar com isso! Hoje
mesmo assá-lo-ei!
Acendeu um grande forno que tinha
em casa para cozer pão, com desejo de assar também a pequena Maria.
— Suba — disse ela, — nesta
cadeira, e arranje as brasas com a pá.
Maria dispunha-se a obedecer,
quando ouviu o passarinho branco cantar:
— Toma sentido!... Toma sentido!...
Compreendeu imediatamente o
perverso intento da cruel mulher, e retorquiu-lhe:
— Faça o favor de ensinar como é
que devo fazer.
A feiticeira subiu e inclinou-se
para a boca do forno.
Maria, aproveitando a distração da
velha, empurrou-a para dentro, e fechou em seguida a abertura com a porta de
ferro.
Depois foi soltar João. Ambos
abraçaram-se, e saíram alegres daquela maldita casa.
À porta o passarinho branco
esperava-os em companhia dos outros, que haviam comido as migalhas de João.
Cada um deles quis fazer um presente às duas gentis criancinhas.
Maria estendeu o seu avental, e os
passarinhos nele lançaram pérolas e pedras preciosas...
Em seguida o que havia ensinado o
caminho voejou em torno deles, para mostrar a direção que deviam tomar.
Atravessaram assim a floresta, e
chegaram à margem de uma grande lagoa, onde um cisne branco se banhava.
— Oh! lindo cisne! — disseram os
dois pequenos, — queres ajudar-nos a passar este lago?
A estas palavras, o cisne
aproximou-se, abaixando a cabeça e transportou-os a ambos, um depois outro, à
margem oposta.
Aí já se achava o passarinho
branco, que novamente se pôs a volitar em frente para guiar à cabana de seus
pais.
O lenhador e a mulher estavam
aflitíssimos, lastimando a perda dos filhinhos e dizendo:
— Ah! se eles pudessem tornar outra
vez, nunca, nunca, nunca mais havíamos de os abandonar na floresta.
A porta abriu-se e os dois
pequerruchos entraram.
Quanta alegria! Como se abraçaram
ternamente!
Com os presentes que os passarinhos
fizeram, estavam ricos, e não tinham mais a recear a miséria, a fome e o frio.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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