5/01/2025

O Gato de Botas (Conto), de Figueiredo Pimentel

O GATO DE BOTAS

Estando às portas da morte, um moleiro, já adiantado em anos, chamou para junto de si os seus três únicos filhos, Augusto, Heitor e Felipe. Depois de lhes dar muitos conselhos, disse-lhes que só lhe podia deixar por herança o seu moinho, o seu burro e o seu gato Malhado. Em seguida abençoou-os e expirou.

Os rapazes, depois de chorarem a morte de seu bom pai, dividiram o pequeno legado. Augusto, o mais velho ficou com o moinho; Heitor teve o burro; e ao mais moço, Felipe, coube o gato.

O dono de Malhado não ficou muito satisfeito com o que lhe havia tocado, e saiu de casa para ir ganhar a vida. No meio do caminho sentou-se tristemente à sombra de uma árvore, refletindo em voz alta sobre a sua triste sorte:

— Meus irmãos, com o que têm, poderão ganhar a vida honradamente e sem grande canseira, ao passo que eu, quando tiver comido o meu gato, morrerei de fome.

Malhado, ouvindo aquilo, sossegou-o.

— Não se desespere, meu amo. Dê-me um saco, mande-me fazer um parte de botas de verniz, e verá que não há de ser tão infeliz como pensa.

Felipe não tinha grande confiança nos serviços do bichano. Entretanto, lembrando-se quanto era astucioso para caçar ratos, não desanimou de todo, e mandou fazer as botas.

Assim que o gato as obteve, calçou-as, colocou o saquinho ao pescoço pegou nos cordões com as patas dianteiras e dirigiu-se para um campo onde havia muitos coelhos.

Meteu comida dentro; e estendendo-se como se estivesse morto, esperou que alguns coelhinhos viessem comer.

Não haviam decorridos vinte minutos, quando um coelhinho entrou. Malhado, puxando pelos cordões do saco, agarrou-o.

Satisfeito com seu estratagema, saiu dali, marchou para o palácio do rei, e pediu audiência. O monarca recebeu-o nos seus aposentos particulares, onde ele entrou, fazendo cortesias, seguindo a mais rigorosa etiqueta.

— Permita-me Vossa Magestade oferecer-lhe este coelho, que meu amo, o muito ilustre senhor Marquês de Carabás, me encarregou de trazer.

O rei agradeceu muito, admirado de ver aquele bicho tão bonito calçado de botas de verniz.

Malhado, durante perto de três meses, continuou a caçar daquele modo, ora coelhos, ora lebres, perdizes etc. Levava-os para sustento de Felipe; e, de vez em quando, ia oferecê-los ao rei sempre em nome do Marquês de Carabás, cujo título ficou sendo conhecido na corte.

Um dia soube que o poderoso príncipe ia passear, devendo passar pelas margens do rio. Correu para o senhor e disse-lhe:

— Se quiser seguir o meu conselho, a sua fortuna está feita. Vá banhar-se ao rio, perto da ponte e deixe o resto por minha conta.

Felipe, isto é, o Marquês de Carabás, fez o que o animal lhe aconselhara embora não soubesse o fim a que queria chegar.

Pouco depois de entra n’água, o rei passou; e o gato, colocando-se em frente à carruagem bradou:

— Socorro! Socorro! Acudam ao Sr. Marquês de Carabás, que se está afogando!...

A esse apelo, o rei pôs a cabeça fora da carruagem; e reconhecendo o gato, ordenou aos soldados da sua guarda, que acudissem ao fidalgo.

Enquanto se retirava o marquês, Malhado contou, que, na ocasião em que seu amo estava tomando banho alguns ladrões lhe haviam roubado a roupa.

O monarca mandou buscar um dos seus mais belos e luxuosos trajes. Felipe, vestindo-se, ficou um verdadeiro fidalgo, era moço distinto e bonito. Foi agradecer a Sua Majestade e lançou ternos olhares para a jovem princesa, que correspondeu ao namoro.

Depois o rei convidou-o a subir para o carro.

O gato contente por ver que seus planos estavam sendo bem executados, saiu adiante, pelo caminho por onde o ilustre príncipe e sua comitiva tinham de passar.

— Se vocês não disserem ao rei que estes campos pertencem ao Sr. Marquês de Carabás, morrerão...

O rei, passando poucos minutos depois, perguntou efetivamente a quem pertenciam.

— São do Sr. Marquês de Carabás — responderam eles, receosos da ameaça do gato de botas.

Malhado, seguindo sempre na frente, fazia a mesma recomendação aos trabalhadores que via, quer fossem homens de lavoura, quer pastores.

O rei fazia a todos a mesma pergunta, e obtinha sempre a mesma resposta. Ficou admirado da riqueza do Marquês de Carabás, e felicitou-o.

Finalmente o inteligente e astucioso animal chegou ao majestoso castelo de um gigante, muito afamado naquele país. Pediu para lhe falar, e disse-lhe que não tinha querido passar por ali sem chegar para cumprimentar uma pessoa distinta.

— Ouvi também dizer — falou ele, — que vossa excelência tem a habilidade de se transformar naquilo que quiser, num animal... por exemplo... num leão. Será verdade?

— Ora, respondeu o gigante, — isso nada me custa. Em que queres que me transforme?

— Num leão, se for possível.

— Vai ver.

Imediatamente o gigante virou um leão, e Malhado teve tanto medo que pulou para cima do telhado, só voltando quando o mágico retornou sua forma natural.

— Ora, também não é muito de admirar — disse o gato, porque o leão é um animal grande, e Vossa Excelência é um gigante. Duvido, mas é que se transforme num bichinho pequeno...

— Como é que duvidas?!... — interrompeu o gigante com voz terrível. — Diz em que bichinho queres que me transforme!...

— Num camundongo...

Mal tinha acabado, quando o homenzarrão se mudou em ratinho.

Malhado, mais que depressa, abocanhou-o e comeu-o.

Meia hora depois, o rei passou em frente ao castelo e o gato, assim que ouviu o rodar do carro, correu para a porta principal, gritando:

— Seja bem-vindo, real senhor, à choupana do Sr. Marquês de Carabás!

— Como, Marquês?! — exclamou o rei, — pois esse palácio majestoso também é seu?

Entraram. Uma lauta refeição estava preparada para o gigante. O rei, a princesa e os fidalgos sentaram-se e comeram à farta.

Então, Sua Majestade, encantado com a opulência do marquês, ofereceu-lhe a filha em casamento, e Felipe desposou-a dias depois, no meio de grandes festas.

Malhado teve carta de nobreza, e nunca mais correu atrás dos ratos, senão de vez em quando, por desfastio.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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