5/05/2025

O homem de mármore (Conto), de Figueiredo Pimentel


O HOMEM DE MÁRMORE

Um Rei, sentindo-se às portas da morte despediu-se de todos os cortesãos que lhe rodeavam o leito, e trancando-se com um dos seus mais fiéis vassalos, lhe disse:

— João! Tu me serviste sempre, com todo o zelo. Vou morrer... Mas, antes de fechar os olhos quero que me prometas continuar a servir o príncipe Elmano, meu filho, e sucessor, com a mesma fidelidade e dedicação.

Tendo João prometido, o moribundo prosseguiu:

— Assim que eu fechar os olhos, quando Elmano for proclamado rei, tu lhe mostrarás todo o palácio, as riquezas que contém, menos o gabinete do fundo da galeria. Existe aí o retrato de Juraci, a Princesa do Ouro, mulher tão formosa e fascinante que desejará imediatamente desposá-la, o que o tornará infeliz.

João obedeceu. Passados os sete dias de luto, dirigiu-se ao novo soberano, contou-lhe o juramento feito ao velho rei, e começou a mostrar todas as fabulosas riquezas que o régio paço encerrava. Chegando ao quarto existente na extremidade da galeria, o fiel servidor passou adiante, não querendo abri-lo.

Elmano insistiu, e finalmente, ordenou terminantemente, apesar das objeções do amigo de seu pai. Aberta a porta, assim que o jovem monarca viu o retrato da Princesa do Ouro, caiu desmaiado. Recobrando os sentidos, declarou-se apaixonado, e disse que, se a não desposasse, morreria de desgosto.

***

Em vista disso, partiram embaixadores, a pedi-la em casamento. A princesa, aceitando, embarcou em uma fragata, para o reino do seu futuro esposo.

***

Navegava o navio a toda força, quando, num dia calmoso, João, deitado no tombadilho, viu três gaivotas aproximarem-se, pousarem nos mastros, e conversarem:

— Com que então o rei Elmano vai se casar com a Princesa do Ouro?! Qual! É porque vocês não sabem que, quando ela desembarcar, lhe darão um cavalo alazão. Assim que montar, o animal tomará o freio nos dentes, dando com ela em terra, e matando-a. Seria preciso que houvesse uma pessoa que segurasse nas rédeas, e matasse o animal com um tiro. Mas a pessoa que isso fizesse ficaria com as pernas de mármore.

— Não é só isso — retorquiu a segunda, — se escapasse, na noite do casamento dar-lhe-iam uma camisa tecida de ouro, mas que a queimaria. Seria preciso que uma pessoa arrancasse a camisa e a atirasse ao fogo. Mas a pessoa que isso fizesse, seria transformada em mármore, até perto do coração.

— Nem assim o príncipe Elmano casaria com a princesa. Se escapasse do cavalo e da camisa, quando se fosse deitar, espetaria o braço com um alfinete. Seria preciso que uma pessoa chupasse o sangue, senão ela morreria. Mas a pessoa que tal fizesse, ficaria transformada em estátua de mármore.

Elmano e a noiva desembarcaram finalmente por entre aclamações do povo em festa.

Destinaram para a princesa um formoso cavalo alazão, que havia sido comprado na véspera, como um animal raro, a um mercador desconhecido na cidade.

Assim que a rainha cavalgou, o animal bruscamente empinou, lançando no chão o escudeiro-mor, que segurava as rédeas, e sairia numa disparada louca, terrível, que ninguém poderia conter, se o fiel João, não lhe desfechasse à queima-roupa um tiro na cabeça. O animal caiu morto, e ele recebeu a moça nos braços.

Assim que o fogoso animal morreu, o fiel servidor sentiu as suas pernas muitíssimo frias, transformadas em mármore.

Efetuado o casamento, os noivos retiraram-se para os seus aposentos, acompanhados pela corte, como era de etiqueta. Mostraram à rainha a sua camisa de dormir, que tinha sido fiada por dois tecelões estrangeiros.

A moça ia vesti-la, mas João, segurando-a com umas tenazes, lançou-a ao fogo. Ao mesmo tempo sentiu-se outra vez transformado em mármore, até o coração.

Quando a moça foi tirar o manto real de veludo, soltou um pequeno grito, tendo-se ferido com um alfinete. Uma gota de sangue mostrou-se na alvura do braço, e a moça desfaleceu, quase desmaiando.

João precipitou-se para ela, chupou-lhe o sangue, mas ficou mudado em estátua de mármore.

Então o rei e a rainha compreenderam que o procedimento do seu bom servo, naquelas três vezes, encerrava um mistério, e penalizados com o encantamento do mordomo transportaram a figura para a sua própria câmara.

Passaram dois anos.

A princesa tivera dois filhos  duas interessantes crianças que já corriam e papagueavam, enchendo de alegria o palácio.

Uma vez achava-se Elmano no quarto, com os seus dois filhinhos, e, voltando-se para o homem de mármore, exclamou:

— Ah! João! que não faria eu para restituir-te a vida?!...

— Está nas mãos de Vossa Majestade quebrar o meu encanto. É preciso que Vossa Majestade mate seus dois filhinhos, e derrame sobre mim o sangue deles!

O rei ficou triste, quando ouviu aquilo, mas lembrando-se do quanto seu pai, sua esposa e ele deviam a João, pegou nas crianças, cortou-lhes as cabecinhas, derramando o sangue sobre a figura marmórea.

Assim que o sangue caiu, João voltou à vida, ficando homem como dantes era.

— Já que Vossa Majestade sacrificou seus filhos por mim, vou restituí-los à vida.

Pegou nas duas crianças, uniu-lhe a cabeça aos ombros, e os principezinhos continuaram a brincar naturalmente, como se nada houvesse sucedido.

Elmano escondeu João e os dois filhinhos dentro de um armário, e chamou a mulher, dizendo-lhe:

— Sabes, minha querida esposa. Estava aqui no quarto quando me apareceu uma fada, e disse-me que, se matássemos os nossos filhinhos, e derramássemos o seu sangue sobre a estátua de mármore, João voltaria à vida. Concordas?  

A rainha pôs-se a chorar, mas disse:

— Ah! que horror, matarmos os nossos filhos! Em todo o caso, sacrifiquemo-los, porque devemos tudo a João.

Então João e os príncipes apareceram, e desde esse dia viveram felizes por muito tempo.

 

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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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