Um Rei, sentindo-se às portas da
morte despediu-se de todos os cortesãos que lhe rodeavam o leito, e
trancando-se com um dos seus mais fiéis vassalos, lhe disse:
— João! Tu me serviste sempre, com
todo o zelo. Vou morrer... Mas, antes de fechar os olhos quero que me prometas
continuar a servir o príncipe Elmano, meu filho, e sucessor, com a mesma
fidelidade e dedicação.
Tendo João prometido, o moribundo
prosseguiu:
— Assim que eu fechar os olhos,
quando Elmano for proclamado rei, tu lhe mostrarás todo o palácio, as riquezas
que contém, menos o gabinete do fundo da galeria. Existe aí o retrato de
Juraci, a Princesa do Ouro, mulher tão formosa e fascinante que desejará
imediatamente desposá-la, o que o tornará infeliz.
João obedeceu. Passados os sete
dias de luto, dirigiu-se ao novo soberano, contou-lhe o juramento feito ao velho
rei, e começou a mostrar todas as fabulosas riquezas que o régio paço
encerrava. Chegando ao quarto existente na extremidade da galeria, o fiel
servidor passou adiante, não querendo abri-lo.
Elmano insistiu, e finalmente,
ordenou terminantemente, apesar das objeções do amigo de seu pai. Aberta a
porta, assim que o jovem monarca viu o retrato da Princesa do Ouro, caiu
desmaiado. Recobrando os sentidos, declarou-se apaixonado, e disse que, se a
não desposasse, morreria de desgosto.
***
Em vista disso, partiram
embaixadores, a pedi-la em casamento. A princesa, aceitando, embarcou em uma
fragata, para o reino do seu futuro esposo.
***
Navegava o navio a toda força,
quando, num dia calmoso, João, deitado no tombadilho, viu três gaivotas
aproximarem-se, pousarem nos mastros, e conversarem:
— Com que então o rei Elmano vai se
casar com a Princesa do Ouro?! Qual! É porque vocês não sabem que, quando ela
desembarcar, lhe darão um cavalo alazão. Assim que montar, o animal tomará o
freio nos dentes, dando com ela em terra, e matando-a. Seria preciso que
houvesse uma pessoa que segurasse nas rédeas, e matasse o animal com um tiro.
Mas a pessoa que isso fizesse ficaria com as pernas de mármore.
— Não é só isso — retorquiu a
segunda, — se escapasse, na noite do casamento dar-lhe-iam uma camisa tecida de
ouro, mas que a queimaria. Seria preciso que uma pessoa arrancasse a camisa e a
atirasse ao fogo. Mas a pessoa que isso fizesse, seria transformada em mármore,
até perto do coração.
— Nem assim o príncipe Elmano
casaria com a princesa. Se escapasse do cavalo e da camisa, quando se fosse
deitar, espetaria o braço com um alfinete. Seria preciso que uma pessoa
chupasse o sangue, senão ela morreria. Mas a pessoa que tal fizesse, ficaria
transformada em estátua de mármore.
Elmano e a noiva desembarcaram
finalmente por entre aclamações do povo em festa.
Destinaram para a princesa um
formoso cavalo alazão, que havia sido comprado na véspera, como um animal raro,
a um mercador desconhecido na cidade.
Assim que a rainha cavalgou, o
animal bruscamente empinou, lançando no chão o escudeiro-mor, que segurava as
rédeas, e sairia numa disparada louca, terrível, que ninguém poderia conter, se
o fiel João, não lhe desfechasse à queima-roupa um tiro na cabeça. O animal
caiu morto, e ele recebeu a moça nos braços.
Assim que o fogoso animal morreu, o
fiel servidor sentiu as suas pernas muitíssimo frias, transformadas em mármore.
Efetuado o casamento, os noivos
retiraram-se para os seus aposentos, acompanhados pela corte, como era de
etiqueta. Mostraram à rainha a sua camisa de dormir, que tinha sido fiada por
dois tecelões estrangeiros.
A moça ia vesti-la, mas João,
segurando-a com umas tenazes, lançou-a ao fogo. Ao mesmo tempo sentiu-se outra
vez transformado em mármore, até o coração.
Quando a moça foi tirar o manto
real de veludo, soltou um pequeno grito, tendo-se ferido com um alfinete. Uma gota
de sangue mostrou-se na alvura do braço, e a moça desfaleceu, quase desmaiando.
João precipitou-se para ela,
chupou-lhe o sangue, mas ficou mudado em estátua de mármore.
Então o rei e a rainha
compreenderam que o procedimento do seu bom servo, naquelas três vezes,
encerrava um mistério, e penalizados com o encantamento do mordomo
transportaram a figura para a sua própria câmara.
Passaram dois anos.
A princesa tivera dois filhos duas interessantes crianças que já corriam e
papagueavam, enchendo de alegria o palácio.
Uma vez achava-se Elmano no quarto,
com os seus dois filhinhos, e, voltando-se para o homem de mármore, exclamou:
— Ah! João! que não faria eu para
restituir-te a vida?!...
— Está nas mãos de Vossa Majestade
quebrar o meu encanto. É preciso que Vossa Majestade mate seus dois filhinhos,
e derrame sobre mim o sangue deles!
O rei ficou triste, quando ouviu
aquilo, mas lembrando-se do quanto seu pai, sua esposa e ele deviam a João,
pegou nas crianças, cortou-lhes as cabecinhas, derramando o sangue sobre a
figura marmórea.
Assim que o sangue caiu, João
voltou à vida, ficando homem como dantes era.
— Já que Vossa Majestade sacrificou
seus filhos por mim, vou restituí-los à vida.
Pegou nas duas crianças, uniu-lhe a
cabeça aos ombros, e os principezinhos continuaram a brincar naturalmente, como
se nada houvesse sucedido.
Elmano escondeu João e os dois
filhinhos dentro de um armário, e chamou a mulher, dizendo-lhe:
— Sabes, minha querida esposa.
Estava aqui no quarto quando me apareceu uma fada, e disse-me que, se
matássemos os nossos filhinhos, e derramássemos o seu sangue sobre a estátua de
mármore, João voltaria à vida. Concordas?
A rainha pôs-se a chorar, mas
disse:
— Ah! que horror, matarmos os
nossos filhos! Em todo o caso, sacrifiquemo-los, porque devemos tudo a João.
Então João e os príncipes
apareceram, e desde esse dia viveram felizes por muito tempo.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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