5/05/2025

Os três príncipes com estrelas de ouro na testa (Conto), de Figueiredo Pimentel


OS TRÊS PRÍNCIPES COM ESTRELAS DE OURO NA TESTA

O Sultão Rhuyvaz passeava disfarçado pelas ruas da capital, e, sentindo-se fatigado, sentou-se num dos bancos do jardim público. Do outro lado da alameda, separadas apenas por uma touceira de bambus tinham se sentado três irmãs, moças e bonitas, que conversavam intimamente, supondo que não eram escutadas. O príncipe prestou atenção, e ouviu o que elas falavam:

— Eu — disse a mais velha, — queria casar-me com o padeiro real, para comer esse delicado pão do sultão, além de outras iguarias que há em palácio.

— O meu desejo — falou a segunda, — era desposar o cozinheiro de Sua Majestade, porque comeria de todos os pratos da mesa real.

— Pois, eu — respondeu a terceira, — sonho mais do que vocês duas. Desejaria casar-me com o próprio soberano, que anda à procura de noiva. Se assim fosse, dar-lhe-ia três filhos formosíssimos, cada um com uma estrela de ouro na testa.

O sultão mandou chamá-las no dia seguinte, dizendo-lhes:

— Ouvi tudo quanto disseram ontem à noite, no jardim público, e os seus desejos vão ficar satisfeitos. Dalila e Nera casar-se-ão com o meu padeiro e com o meu cozinheiro. Khorida será minha esposa.

As duas irmãs mais velhas, quando ouviram aquela ordem, criaram um ódio mortal à outra, mas disfarçaram a sua raiva, fingindo-se muito contentes. Os casamentos efetuaram-se no mesmo dia.

Apesar da sua felicidade, as duas irmãs não se contentaram com aquela sorte inesperada, e votaram grande inveja à boa sultana, que tudo fazia em beneficio delas.

Passado um ano, Khorida, teve um filho, e as duas irmãs, tendo concebido um projeto diabólico puseram o recém-nascido num cesto, e atiraram-no no rio.

Apresentaram um gato ao sultão, dizendo que era aquele o filho da princesa.

Rhuyvaz ficou desesperado, quis mandar matar a esposa, mas perdoou-a, porque a amava muito.

Duas vezes mais, com um ano de intervalo, Khorida teve outros dois filhos, e novamente as duas invejosas irmãs, como da primeira vez, lançaram os sobrinhos ao rio, substituindo-os por um cachorro e um porco.

O sultão, que havia perdoado a esposa, por duas vezes, não atendeu a conselhos nem a pedidos de ninguém, condenando-a a ser enterrada até o meio do corpo, junto à porta da igreja, e ordenando que todos quantos passassem por ali cuspissem no rosto da infeliz moça e a esbofeteassem.

***

De cada vez que Khorida tinha filho, nascia um formoso menino, gordo, forte, rosado, esperto, com uma estrela de ouro na testa. As duas malvadas tias, impiedosamente atiravam-nos ao rio que margeava o palácio, mas o intendente dos jardins reais, que morava também à beira do canal, vendo aquelas cestinhas boiando, recolhia-as.

Homem honrado e de bom coração não tendo filhas, adotou aquelas criancinhas, dando-lhes excelente educação.

Os três foram crescendo, sem nunca saírem de casa, ignorando tudo quanto se passava na cidade.

Quando chegaram à maioridade, seu pai adotivo faleceu, e pouco depois sua esposa. Continuaram a viver na mesma casa. De vez em quando iam caçar e nisso consistia o seu melhor divertimento.

Um dia regressavam de uma caçada, quando encontraram no meio da floresta, caído no chão um vendedor ambulante de figuras de cera. Os moços conduziram-no para a casa e dele trataram desveladamente durante uma semana, ficando sempre um deles à cabeceira do enfermo, até que o velhinho ficou bom.

Nesse dia, o pobre mercador, agradecido, à boa hospitalidade que recebera, ao despedir-se, fez-lhes um presente. Era um boneco, perfeitamente fabricado, imitando um homem, que falava e respondia a todas as perguntas que lhe fizessem.

Passado algum tempo, o sultão, sabendo que o seu intendente havia falecido, quis ir visitar seus filhos adotivos, e mandou avisá-los. Os moços, que nunca tinham visto o soberano, mas sabendo que lhe deviam todo o respeito e consideração, e não tendo o expediente necessário para receber tão honrosa visita, lembraram-se de consultar a Figura de Cera, que lhes disse:

— Sua Majestade há de aceitar o convite que lhe fizeram. Mandem preparar um banquete e rechear um pepino com pérolas.

— Um pepino com pérolas! É coisa que nunca se viu — objetou um deles.

— Depois — disse o outro, — nós somos ricos, é verdade, mas não temos dinheiro suficiente para comprarmos pérolas que cheguem.

— Façam o que lhes digo — tornou a Figura de Cera. — Vão ao jardim, e no fim da terceira árvore, encontrarão um cofre cheio.

Os moços assim fizeram, e no dia seguinte, quando o sultão chegou, receberam admiravelmente o soberano, que percorreu toda a casa, encantado pelo bom gosto e simplicidade que nela reinavam.

À hora do jantar, Sua Majestade reparou na Figura de Cera, e perguntou para que servia. Disseram-lhe que tinha a faculdade de falar, e o rei pôs-se a conversar com ela. Nisso apresentaram-lhe o pepino, e, quando o sultão viu aquele recheio, exclamou:

— Que novidade é essa! Um recheio de pérolas! As pérolas não servem para comer!

Então a Figura de Cera retorquiu!

— Está Vossa Majestade muito admirado, e sem querer acreditar no que vê. Entretanto acreditou que sua esposa, em vez de filhos, tivesse tido um gato, um cachorro e um porco!

— É verdade! Mas acreditei porque as parteiras mo disseram.

O Homenzinho de Cera explicou-lhe, então, o que se havia passado, e terminou:

— Agora, olhe para estes três mancebos. Não têm cada um deles uma estrela de ouro na testa? Não se parecem com o príncipe Rhuyvaz quando tinha de dezoito a vinte anos? Não se parecem também com a princesa Khorida?  

O rei, em vista disso, não duvidou mais. Reconheceu os filhos, mandou desenterrar a princesa e castigou as duas jovens irmãs.

O Bonequinho de Cera, cuja missão estava finda, derreteu-se.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
 

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