OS TRÊS PRÍNCIPES COM ESTRELAS DE OURO NA TESTA
O Sultão Rhuyvaz passeava
disfarçado pelas ruas da capital, e, sentindo-se fatigado, sentou-se num dos
bancos do jardim público. Do outro lado da alameda, separadas apenas por uma
touceira de bambus tinham se sentado três irmãs, moças e bonitas, que
conversavam intimamente, supondo que não eram escutadas. O príncipe prestou
atenção, e ouviu o que elas falavam:
— Eu — disse a mais velha, — queria
casar-me com o padeiro real, para comer esse delicado pão do sultão, além de
outras iguarias que há em palácio.
— O meu desejo — falou a segunda, —
era desposar o cozinheiro de Sua Majestade, porque comeria de todos os pratos
da mesa real.
— Pois, eu — respondeu a terceira, —
sonho mais do que vocês duas. Desejaria casar-me com o próprio soberano, que
anda à procura de noiva. Se assim fosse, dar-lhe-ia três filhos formosíssimos,
cada um com uma estrela de ouro na testa.
O sultão mandou chamá-las no dia
seguinte, dizendo-lhes:
— Ouvi tudo quanto disseram ontem à
noite, no jardim público, e os seus desejos vão ficar satisfeitos. Dalila e
Nera casar-se-ão com o meu padeiro e com o meu cozinheiro. Khorida será minha
esposa.
As duas irmãs mais velhas, quando
ouviram aquela ordem, criaram um ódio mortal à outra, mas disfarçaram a sua
raiva, fingindo-se muito contentes. Os casamentos efetuaram-se no mesmo dia.
Apesar da sua felicidade, as duas
irmãs não se contentaram com aquela sorte inesperada, e votaram grande inveja à
boa sultana, que tudo fazia em beneficio delas.
Passado um ano, Khorida, teve um
filho, e as duas irmãs, tendo concebido um projeto diabólico puseram o
recém-nascido num cesto, e atiraram-no no rio.
Apresentaram um gato ao sultão,
dizendo que era aquele o filho da princesa.
Rhuyvaz ficou desesperado, quis
mandar matar a esposa, mas perdoou-a, porque a amava muito.
Duas vezes mais, com um ano de
intervalo, Khorida teve outros dois filhos, e novamente as duas invejosas
irmãs, como da primeira vez, lançaram os sobrinhos ao rio, substituindo-os por
um cachorro e um porco.
O sultão, que havia perdoado a
esposa, por duas vezes, não atendeu a conselhos nem a pedidos de ninguém,
condenando-a a ser enterrada até o meio do corpo, junto à porta da igreja, e
ordenando que todos quantos passassem por ali cuspissem no rosto da infeliz
moça e a esbofeteassem.
***
De cada vez que Khorida tinha
filho, nascia um formoso menino, gordo, forte, rosado, esperto, com uma estrela
de ouro na testa. As duas malvadas tias, impiedosamente atiravam-nos ao rio que
margeava o palácio, mas o intendente dos jardins reais, que morava também à
beira do canal, vendo aquelas cestinhas boiando, recolhia-as.
Homem honrado e de bom coração não
tendo filhas, adotou aquelas criancinhas, dando-lhes excelente educação.
Os três foram crescendo, sem nunca
saírem de casa, ignorando tudo quanto se passava na cidade.
Quando chegaram à maioridade, seu
pai adotivo faleceu, e pouco depois sua esposa. Continuaram a viver na mesma
casa. De vez em quando iam caçar e nisso consistia o seu melhor divertimento.
Um dia regressavam de uma caçada,
quando encontraram no meio da floresta, caído no chão um vendedor ambulante de
figuras de cera. Os moços conduziram-no para a casa e dele trataram
desveladamente durante uma semana, ficando sempre um deles à cabeceira do enfermo,
até que o velhinho ficou bom.
Nesse dia, o pobre mercador,
agradecido, à boa hospitalidade que recebera, ao despedir-se, fez-lhes um
presente. Era um boneco, perfeitamente fabricado, imitando um homem, que falava
e respondia a todas as perguntas que lhe fizessem.
Passado algum tempo, o sultão,
sabendo que o seu intendente havia falecido, quis ir visitar seus filhos adotivos,
e mandou avisá-los. Os moços, que nunca tinham visto o soberano, mas sabendo
que lhe deviam todo o respeito e consideração, e não tendo o expediente necessário
para receber tão honrosa visita, lembraram-se de consultar a Figura de Cera,
que lhes disse:
— Sua Majestade há de aceitar o
convite que lhe fizeram. Mandem preparar um banquete e rechear um pepino com
pérolas.
— Um pepino com pérolas! É coisa
que nunca se viu — objetou um deles.
— Depois — disse o outro, — nós
somos ricos, é verdade, mas não temos dinheiro suficiente para comprarmos
pérolas que cheguem.
— Façam o que lhes digo — tornou a
Figura de Cera. — Vão ao jardim, e no fim da terceira árvore, encontrarão um
cofre cheio.
Os moços assim fizeram, e no dia
seguinte, quando o sultão chegou, receberam admiravelmente o soberano, que
percorreu toda a casa, encantado pelo bom gosto e simplicidade que nela
reinavam.
À hora do jantar, Sua Majestade
reparou na Figura de Cera, e perguntou para que servia. Disseram-lhe que tinha
a faculdade de falar, e o rei pôs-se a conversar com ela. Nisso
apresentaram-lhe o pepino, e, quando o sultão viu aquele recheio, exclamou:
— Que novidade é essa! Um recheio
de pérolas! As pérolas não servem para comer!
Então a Figura de Cera retorquiu!
— Está Vossa Majestade muito admirado,
e sem querer acreditar no que vê. Entretanto acreditou que sua esposa, em vez
de filhos, tivesse tido um gato, um cachorro e um porco!
— É verdade! Mas acreditei porque
as parteiras mo disseram.
O Homenzinho de Cera explicou-lhe,
então, o que se havia passado, e terminou:
— Agora, olhe para estes três
mancebos. Não têm cada um deles uma estrela de ouro na testa? Não se parecem
com o príncipe Rhuyvaz quando tinha de dezoito a vinte anos? Não se parecem
também com a princesa Khorida?
O rei, em vista disso, não duvidou
mais. Reconheceu os filhos, mandou desenterrar a princesa e castigou as duas
jovens irmãs.
O Bonequinho de Cera, cuja missão
estava finda, derreteu-se.
--
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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