5/03/2025

O rei dos metais (Conto), de Figueiredo Pimentel


O REI DOS METAIS

Mariana era uma infeliz viúva, tão boa e tão pobre quanto Carlota, sua filha, era má, orgulhosa e altiva.

Muitos moços apresentaram-se, pedindo-a em casamento. Nenhum deles, porém, convinha; e a todos ela se mostrava desdenhosa, orgulhosa e altiva.

Uma noite, a mãe, tendo acordado, e não podendo conciliar o sono, tomou o seu rosário, para rezar por sua filha, cujo orgulho a inquietava.

Carlota estava dormindo perto dela, e sorria no meio do sono.

No dia seguinte Mariana indagou:

— Que lindo sonho tiveste esta noite, que te fazia sorrir?  

— Sonhei que um rico fidalgo me conduzia à igreja numa carruagem de cobre, dava-me um pequeno anel, cercado de pedras preciosas, que brilhavam como estrelas. E quando eu entrava na igreja, todo o mundo, só olhava para mim e para Nossa Senhora.

— Ah! que sonho orgulhoso! — Exclamou a viúva, sacudindo a cabeça com ar de tristeza.

Nesse mesmo dia, um jovem camponês, muito considerado no lugar, veio pedi-la em casamento.

Esse pretendente agradava muitíssimo à viúva, mas a filha respondeu:

— Quando mesmo viesses buscar-me numa carruagem de cobre e me desses um anel cercado de pedras, brilhantes como estrelas, não te quereria.

Na noite seguinte de novo Mariana acordou, e de novo viu sua filha que sorria.

— Que sonhaste ainda? — perguntou-lhe pela manhã.

— Sonhei que um fidalgo veio pedir-me em casamento, numa carruagem de prata e deu-me um colar de brilhantes. Quando entrei na Igreja, todo o mundo olhava mais para mim do que para a Virgem Maria.

— Oh! minha filha! Reza, pede a Deus para ti livrar da tentação.

Carlota saiu, para não escutar as admoestações maternais.

Nesse mesmo dia, um moço veio pedi-la em casamento. A mãe recebeu o pedido com grande honra, mas Carlota despediu esse novo pretendente, dizendo:

— Ainda mesmo que o senhor viesse numa carruagem de prata, e trouxesse um colar de brilhantes, não o aceitaria.

— Desgraçada! — exclamou Mariana, — renuncia ao teu orgulho. O orgulho conduz ao inferno!

A moça começou a rir.

Na terceira noite, sua mãe, despertando novamente, viu-lhe no rosto uma estranha expressão de fisionomia, e novamente rezou por ela.

Quando acordou, sua filha contou-lhe:

— Sonhei que um príncipe veio pedir-me numa carruagem de ouro, e deu-me um vestido de ouro. Quando entrei na igreja, todo o mundo olhava para mim somente.

A velha chorou amargamente, e a filha fugiu para não ver suas lágrimas.

Nesse dia pararam à porta três carruagens — uma de cobre, outra de prata e a terceira de ouro. A primeira era puxada por dois cavalos, a segunda por quatro e a terceira por oito.

Da primeira e da segunda desceram pajens com calções vermelhos e bonés verdes; da terceira saltou um belo fidalgo, cujas vestimentas eram de ouro.

Pediu Carlota em casamento, e ela aceitou-o prontamente, preparando-se com os vestidos que lhe trouxera. A boa Mariana sentia-se, entretanto, inquieta. Mas a jovem estava radiante.

Saiu de casa, sem nem sequer pedir a bênção de sua mãe, e entrou na igreja com ar orgulhoso.

A velha ficou na soleira da porta, chorando e rezando.

Depois da cerimônia, Carlota seguiu com seu marido na carruagem de ouro, acompanhados pelos outros dois carros.

Caminharam longe, muito longe, e chegaram a um rochedo, onde havia uma porta, como a de uma cidade. Entraram por ela, que se fechou, com ruído terrível, e viram-se em meio de profunda escuridão.

Carlota teve medo, mas seu marido lhe disse:

— Sossega; daqui a pouco terás luz.

Efetivamente, logo depois apareceu uma multidão de anõezinhos, vestidos de calções vermelhos e bonés verdes. Traziam tochas acesas e caminhavam ao encontro do seu amo, o Rei do Ouro.

Enfileiraram-se em torno deles, e escoltaram-nos, através de longos vales e extensas florestas subterrâneas. Mas — coisa singular! todas as árvores eram de chumbo.

Depois o cortejo chegou a um magnífico prado, no meio do qual se erguia um castelo de ouro, cheio de diamantes.

— Eis aí os teus domínios.

Entretanto, estava fatigada e tinha fome.

Os anõezinhos prepararam o jantar, e seu marido conduziu-a a uma mesa de ouro.

Todas as comidas que lhe deram eram de metal. Não podendo prová-las, ficou reduzida a pedir humildemente um pedaço de pão. Os criados trouxeram um pão de cobre, depois um de prata, e por último um de ouro. Não pode comer nenhum deles.

A moça começou a chorar, e o rei disse:

— Tuas lágrimas não mudarão teu destino. Esse destino foste tu mesma que o desejaste.

A desgraçada Carlota foi obrigada a viver na sua morada subterrânea, sofrendo fome, em virtude da paixão que tivera pelo ouro.

Só uma vez por ano é-lhe permitido sair, por três dias, durante os quais vai, de aldeia em aldeia, de porta em porta, implorando um pedaço de pão.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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