Mariana era uma infeliz viúva, tão
boa e tão pobre quanto Carlota, sua filha, era má, orgulhosa e altiva.
Muitos moços apresentaram-se,
pedindo-a em casamento. Nenhum deles, porém, convinha; e a todos ela se
mostrava desdenhosa, orgulhosa e altiva.
Uma noite, a mãe, tendo acordado, e
não podendo conciliar o sono, tomou o seu rosário, para rezar por sua filha,
cujo orgulho a inquietava.
Carlota estava dormindo perto dela,
e sorria no meio do sono.
No dia seguinte Mariana indagou:
— Que lindo sonho tiveste esta
noite, que te fazia sorrir?
— Sonhei que um rico fidalgo me
conduzia à igreja numa carruagem de cobre, dava-me um pequeno anel, cercado de
pedras preciosas, que brilhavam como estrelas. E quando eu entrava na igreja,
todo o mundo, só olhava para mim e para Nossa Senhora.
— Ah! que sonho orgulhoso! — Exclamou
a viúva, sacudindo a cabeça com ar de tristeza.
Nesse mesmo dia, um jovem camponês,
muito considerado no lugar, veio pedi-la em casamento.
Esse pretendente agradava
muitíssimo à viúva, mas a filha respondeu:
— Quando mesmo viesses buscar-me
numa carruagem de cobre e me desses um anel cercado de pedras, brilhantes como
estrelas, não te quereria.
Na noite seguinte de novo Mariana
acordou, e de novo viu sua filha que sorria.
— Que sonhaste ainda? — perguntou-lhe
pela manhã.
— Sonhei que um fidalgo veio
pedir-me em casamento, numa carruagem de prata e deu-me um colar de brilhantes.
Quando entrei na Igreja, todo o mundo olhava mais para mim do que para a Virgem
Maria.
— Oh! minha filha! Reza, pede a
Deus para ti livrar da tentação.
Carlota saiu, para não escutar as
admoestações maternais.
Nesse mesmo dia, um moço veio
pedi-la em casamento. A mãe recebeu o pedido com grande honra, mas Carlota
despediu esse novo pretendente, dizendo:
— Ainda mesmo que o senhor viesse
numa carruagem de prata, e trouxesse um colar de brilhantes, não o aceitaria.
— Desgraçada! — exclamou Mariana, —
renuncia ao teu orgulho. O orgulho conduz ao inferno!
A moça começou a rir.
Na terceira noite, sua mãe,
despertando novamente, viu-lhe no rosto uma estranha expressão de fisionomia, e
novamente rezou por ela.
Quando acordou, sua filha
contou-lhe:
— Sonhei que um príncipe veio
pedir-me numa carruagem de ouro, e deu-me um vestido de ouro. Quando entrei na
igreja, todo o mundo olhava para mim somente.
A velha chorou amargamente, e a
filha fugiu para não ver suas lágrimas.
Nesse dia pararam à porta três
carruagens — uma de cobre, outra de prata e a terceira de ouro. A primeira era
puxada por dois cavalos, a segunda por quatro e a terceira por oito.
Da primeira e da segunda desceram
pajens com calções vermelhos e bonés verdes; da terceira saltou um belo
fidalgo, cujas vestimentas eram de ouro.
Pediu Carlota em casamento, e ela
aceitou-o prontamente, preparando-se com os vestidos que lhe trouxera. A boa
Mariana sentia-se, entretanto, inquieta. Mas a jovem estava radiante.
Saiu de casa, sem nem sequer pedir
a bênção de sua mãe, e entrou na igreja com ar orgulhoso.
A velha ficou na soleira da porta,
chorando e rezando.
Depois da cerimônia, Carlota seguiu
com seu marido na carruagem de ouro, acompanhados pelos outros dois carros.
Caminharam longe, muito longe, e
chegaram a um rochedo, onde havia uma porta, como a de uma cidade. Entraram por
ela, que se fechou, com ruído terrível, e viram-se em meio de profunda
escuridão.
Carlota teve medo, mas seu marido lhe
disse:
— Sossega; daqui a pouco terás luz.
Efetivamente, logo depois apareceu
uma multidão de anõezinhos, vestidos de calções vermelhos e bonés verdes.
Traziam tochas acesas e caminhavam ao encontro do seu amo, o Rei do Ouro.
Enfileiraram-se em torno deles, e
escoltaram-nos, através de longos vales e extensas florestas subterrâneas. Mas —
coisa singular! todas as árvores eram de chumbo.
Depois o cortejo chegou a um
magnífico prado, no meio do qual se erguia um castelo de ouro, cheio de
diamantes.
— Eis aí os teus domínios.
Entretanto, estava fatigada e tinha
fome.
Os anõezinhos prepararam o jantar,
e seu marido conduziu-a a uma mesa de ouro.
Todas as comidas que lhe deram eram
de metal. Não podendo prová-las, ficou reduzida a pedir humildemente um pedaço
de pão. Os criados trouxeram um pão de cobre, depois um de prata, e por último
um de ouro. Não pode comer nenhum deles.
A moça começou a chorar, e o rei
disse:
— Tuas lágrimas não mudarão teu
destino. Esse destino foste tu mesma que o desejaste.
A desgraçada Carlota foi obrigada a
viver na sua morada subterrânea, sofrendo fome, em virtude da paixão que tivera
pelo ouro.
Só uma vez por ano é-lhe permitido
sair, por três dias, durante os quais vai, de aldeia em aldeia, de porta em
porta, implorando um pedaço de pão.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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