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7/15/2019

Três dias em que toda gente muda de máscara (Crônica), de Sylvio Floreal



Três dias em que toda gente muda de máscara

Oh! O Carnaval!

Delírio, nevrose, cólera, febre, deboche, insolências, malcriações, imbecilidades, calinadas, cachorradas, absurdos, vaias, apupos, ironia soez, sarcasmo carroceiral! Toda a fina flor da cretinice, todas as maravilhas da ignorância, todas as belezas da falta de gosto e compostura, todos os ridículos saem à rua, entrelaçados, confundidos, aos pinchos, aos berros, aos pinotes, aos saracoteios e às galhofadas!

É a festa magistral da besta que acorda dentro de cada folião!

A loucura invade, alastra, domina, impera, sobre a floresta emaranhada da multidão que tumultua, com os nervos satanizados, na bacanal presidida por Momo!

Saltam para a rua, nos três dias de carnaval, milhares de indivíduos que o ano inteiro outra coisa não fizeram senão esconder atrás da máscara lugar-comum — a cara, sentimentos, vocações e miríades de canalhices dissimuladas. Trocam a máscara, e exibem-se tal qual como desejariam ser o ano inteiro.

A gentalha que nada faz no capítulo das indecências, nesses três dias, narcotizando um resto de vergonha que dormita no abismo das suas entranhas, passa descaradamente a fazer tudo. Todas as castas sociais resvalam na sua altura até ao atascadeiro, onde a populaça rebrama de bebedeira carnavalesca. Os homens pedem tudo, as mulheres não negam nada...

É a epopeia do exagero, a tragédia bufa dos instintos! Todos se conhecem, e todos, alapardados atrás de máscaras, perguntam idiotamente:

— Você não me conhece?

E esta exclamação é proferida por uma multidão inteira que está cansada de se conhecer e se detestar.

Tudo se gasta a rodo. A Miséria, fantasiada ricamente, esquece-se dos seus tugúrios e das suas longas privações.

A Usura, mascarada de perdulária, vem à praça pública gastar as suas economias de duvidosa procedência.

Esplêndido, maravilhoso o Carnaval!

O Triângulo transforma-se num verdadeiro desfiladeiro de doiradas aberrações. E como, nesta terra de fazendeiros, tudo se improvisa, nas três noites do delírio máximo passam apitando, cantando, gesticulando, a pé e de automóvel, moças que distribuem volúpias e velhas que destilam concupiscências. E pondo uma nota jocosa e hilariante passam, de roldão, mendigos fantasiados de fazendeiros e fazendeiros fantasiados de mendigos!

E a loucura triunfa, estrangulando 365 dias de tédios e aborrecimentos!


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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.