Num
Evento literário realizado no ano passado em Paraty (Festa Literária
Internacional de Paraty - Flip), o cartunista Jaguar relembrou alguns fatos
relacionados a Millôr Fernandes, dentre os quais uma desavença entre este o
cantor Chico Buarque. O fato deu-se num restaurante no Leblon, no Rio de
Janeiro, nas proximidades do apartamento de escritor e cartunista.
O
cantor e compositor Chico Buarque estava muito aborrecido com o célebre humorista
do Pasquim, porque este teria escrito que “jamais daria o seu cãozinho para
passear com o compositor de Construção”. O cantor então tentou agredi-lo ali
com uma garrafa de bebida, em seguida cuspiu em seu rosto e o chamou de
“velho”. Millôr revidou atirando alguns objetos em direção ao compositor, porém
sem acertar o alvo.
A
respeito do assunto, segundo o Jornal do Comércio, em edição de 10/02/1989,
Chico Buarque telefonou em certa ocasião para o ator Daniel Filho (que também
teria sido ofendido pela crítica mordaz de Millôr) e se solidarizou com este,
dizendo: “Faça o mesmo que eu há alguns
anos: dê uma boa cuspida nele. Mas não bata não, porque a gente não deve bater
em pessoas de idade” (vide imagem abaixo).
Numa
entrevista ao programa “Roda Viva” neste mesmo ano de 1989, quando indagado
pelo jornalista Augusto Nunes acerca das razões dessa briga com o Chico, Millôr
respondeu da seguinte forma: “Eu não
briguei com o Chico Buarque, jamais briguei com Chico Buarque. O que acontece é
o seguinte, eu não gosto de falar disso porque essas coisas se refletem em
fofoca, você fala uma coisa aqui e essas coisas vão reverberando. Eu não
briguei, os defeitos do Chico Buarque se chocaram comigo, defeitos que eu não
tenho. Se você quiser uma frase minha e quem quiser que se sinta ferido com
ele: ‘Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal’”.
Bom.
Após muitas idas e vindas, eis que surge de supetão a velha e famigerada
“ironia do destino”. Há dias atrás (21/12/2015), estava Chico Buarque saindo de
um restaurante no mesmo bairro em que outrora se encontrava Millôr Fernandes.
De repente, algumas pessoas aproximam-se dele e começam provocá-lo,
referindo-se ao seu envolvimento com o Partido dos Trabalhadores (PT). A certa
altura Chico chama um rapaz de “merda”, ao que este retruca com o mesmo
palavrão. A discussão prossegue até a chegada do Táxi...
O episódio, que já se tornou rotina entre as duas principais vertentes
políticas do Brasil (Esquerda e Direita) ganhou ares de importância e apareceu
dias depois em todos os jornais e revistas do país, sendo inclusive um dos
assuntos mais discutidos nas chamadas redes sociais.
Obviamente
que a questão rendeu pela importância da pessoa de Chico Buarque na Cultura
brasileira. Fosse lá ele um dentre a “gente humilde” de algum morro carioca ou
um “Pedro Pedreiro” qualquer, o fato sequer mereceria uma “conversa de
botequim”.
Chico
Buarque, que ao longo da sua trajetória construiu em torno de si uma falsa
imagem de “bom mocinho”, tornou-se “vítima” de sua persistente hipocrisia e do
seu escancarado “idealismo lucrativo”, como diria Millôr. Quiçá uma de suas
grandes frustrações foi não ter nascido pobre, para vivenciar na prática o seu
“comunismo”. O socialismo do Chico é apenas devaneador e utopista. É o tipo de
ideologia política vastamente encontrada entre boa parcela dos intelectuais e
acadêmicos das muitas universidades públicas brasileiras, que vivem de um
“socialismo livresco” e que adoram escrever sobre a “revolução proletária” dos
bens alheios.
Muitos
dos que se comoveram apaixonadamente com a “agressão” ao compositor de “Olhos
nos olhos” pouco fizeram para denunciar, à época, o incitamento público sofrido
pelo o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, para não esmiuçar o caso envolvendo
o cantor Lobão, que inclusive foi ameaçado de morte por suas posições
políticas. Chico Buarque, contudo, tem a seu favor a fama de “homem cortês e
educado”, além da eterna reputação de “perseguido político”, o qual "resistira heroicamente" à Ditadura Militar.
Aliás,
muitas das pessoas que o tomam como herói contra a Censura do governo
autoritário de 1964, parecem desconhecer que desta mesma Censura foram vítimas
os chamados "cantores das empregadas", tais como Odair José, Waldik Soriano,
Luiz Ayrão, Benito di Paula, entre outros. Acerca disso, escreve Paulo César de
Araújo, em seu recomendadíssimo livro "Eu não sou cachorro não”, publicado
pela Editora Record (2002):
O trabalho do historiador Alberto Moby,
publicado em 1994, comparando a censura à música popular em dois períodos
explicitamente autoritários, Estado Novo e Regime Militar, não foge à tendência
predominante.
Ao abordar os anos do AI-5, sua análise se
prende tão-somente a nomes como Chico Buarque, Gonzaguinha e João Bosco,
porque, segundo ele, estes artistas estavam comprometidos com a denúncia do
autoritarismo enquanto que "os representantes das demais denominações em
que foi dividida a música popular brasileira ou ignoravam tais preocupações ou
nunca deixavam que interferissem no seu trabalho artístico".
Entretanto, o que será demonstrado aqui é
que o aparato repressivo que se abateu sobre a música e o músico brasileiro
durante os anos mais duros do governo militar não atingiu apenas os figurões da
MPB, embora estes fossem, até por sua visível militância política, muito mais
vigiados e censurados.
Mas os "cantores das empregadas"
também foram vítimas da repressão, e em algumas vezes também tiveram que
malandramente valer-se da linguagem da fresta para ludibriar o cerco do censor.
E para melhor compreender este embate talvez seja útil recorrer ao que o
sociólogo inglês Crane Brinton definiu como "reinado de terror e
virtude".
[...]
A partir do período do AI-5 - quando o ato
de cantar e compor tornou-se efetivamente caso de polícia no Brasil -, foram
produzidos diversos textos focalizando a ação da censura sobre a nossa música
popular. E, invariavelmente, esses textos, tanto os produzidos pela mídia
(através de reportagens em jornais e revistas) como os de origem acadêmica,
procuram ressaltar de que maneira a obra de compositores como Chico Buarque,
Gonzaguinha ou Milton Nascimento foi mutilada ou arquivada por força da censura
federal.
Já a censura sofrida no mesmo período por
artistas como Odair José, Waldik Soriano, Luiz Ayrão, Benito di Paula ou Dom
& Ravel não é sequer mencionada. Em consequência disso, temos cristalizada,
no campo da música popular, uma memória que associa o período da repressão
política no Brasil apenas aos cantores/compositores da MPB.
O
escritor ressalta ainda um “mito” que grupos esquerdistas criaram em torno das
músicas de Chico Buarque, que lhes
atribuíam um caráter político quando ele apenas queria “falar do amor”.
Hoje o próprio Chico Buarque admite que
naquele contexto as suas músicas assumiam um colorido político que muitas vezes
não era intencional. Segundo ele, “a
censura enxergava mensagens subliminares onde não existia e o pessoal de
esquerda também queria ver essas mensagens. 'Ah, mas você quis dizer...' 'Não,
eu não quis dizer nada, é uma canção de amor'.” (176)
Bem. Voltando
ao episódio do Leblon, ao assumir publicamente uma postura ideológica e
política, Chico Buarque (ou qualquer outra figura popular que exerce algum tipo
de influência sobre a sociedade), precisa encarar a realidade da crítica
pungente e até do escárnio público. Do contrário, que assuma uma postura de
neutralidade e dedique-se exclusivamente à missão de encantar as massas com seu
indiscutível talento...
Que seja, enfim, um "malandro profissional"!!!
Que seja, enfim, um "malandro profissional"!!!
É
isso!
[Por: Iba Mendes, Dezembro, 2015]
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Consulta bibliográfica:
Paulo César de Araújo: "Eu
não sou cachorro não: música popular cafona e Ditadura Militar". Editora
Record, 2ª edição, 2002.
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ANEXO:
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ANEXO:
Jornal do Comércio: Sexta-Feira, 10/02/1989
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