12/25/2015

“Malandro com aparato oficial”: Chico Buarque e o episódio do Leblon



“Malandro com aparato oficial”: Chico Buarque e o episódio do Leblon

Num Evento literário realizado no ano passado em Paraty (Festa Literária Internacional de Paraty - Flip), o cartunista Jaguar relembrou alguns fatos relacionados a Millôr Fernandes, dentre os quais uma desavença entre este o cantor Chico Buarque. O fato deu-se num restaurante no Leblon, no Rio de Janeiro, nas proximidades do apartamento de escritor e cartunista.

O cantor e compositor Chico Buarque estava muito aborrecido com o célebre humorista do Pasquim, porque este teria escrito que “jamais daria o seu cãozinho para passear com o compositor de Construção”. O cantor então tentou agredi-lo ali com uma garrafa de bebida, em seguida cuspiu em seu rosto e o chamou de “velho”. Millôr revidou atirando alguns objetos em direção ao compositor, porém sem acertar o alvo.

A respeito do assunto, segundo o Jornal do Comércio, em edição de 10/02/1989, Chico Buarque telefonou em certa ocasião para o ator Daniel Filho (que também teria sido ofendido pela crítica mordaz de Millôr) e se solidarizou com este, dizendo: “Faça o mesmo que eu há alguns anos: dê uma boa cuspida nele. Mas não bata não, porque a gente não deve bater em pessoas de idade” (vide imagem abaixo).

Numa entrevista ao programa “Roda Viva” neste mesmo ano de 1989, quando indagado pelo jornalista Augusto Nunes acerca das razões dessa briga com o Chico, Millôr respondeu da seguinte forma: “Eu não briguei com o Chico Buarque, jamais briguei com Chico Buarque. O que acontece é o seguinte, eu não gosto de falar disso porque essas coisas se refletem em fofoca, você fala uma coisa aqui e essas coisas vão reverberando. Eu não briguei, os defeitos do Chico Buarque se chocaram comigo, defeitos que eu não tenho. Se você quiser uma frase minha e quem quiser que se sinta ferido com ele: ‘Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal’”.

Bom. Após muitas idas e vindas, eis que surge de supetão a velha e famigerada “ironia do destino”. Há dias atrás (21/12/2015), estava Chico Buarque saindo de um restaurante no mesmo bairro em que outrora se encontrava Millôr Fernandes. De repente, algumas pessoas aproximam-se dele e começam provocá-lo, referindo-se ao seu envolvimento com o Partido dos Trabalhadores (PT). A certa altura Chico chama um rapaz de “merda”, ao que este retruca com o mesmo palavrão. A discussão prossegue até a chegada do Táxi...

O episódio, que já se tornou rotina entre as duas principais vertentes políticas do Brasil (Esquerda e Direita) ganhou ares de importância e apareceu dias depois em todos os jornais e revistas do país, sendo inclusive um dos assuntos mais discutidos nas chamadas redes sociais.

Obviamente que a questão rendeu pela importância da pessoa de Chico Buarque na Cultura brasileira. Fosse lá ele um dentre a “gente humilde” de algum morro carioca ou um “Pedro Pedreiro” qualquer, o fato sequer mereceria uma “conversa de botequim”.

Chico Buarque, que ao longo da sua trajetória construiu em torno de si uma falsa imagem de “bom mocinho”, tornou-se “vítima” de sua persistente hipocrisia e do seu escancarado “idealismo lucrativo”, como diria Millôr. Quiçá uma de suas grandes frustrações foi não ter nascido pobre, para vivenciar na prática o seu “comunismo”. O socialismo do Chico é apenas devaneador e utopista. É o tipo de ideologia política vastamente encontrada entre boa parcela dos intelectuais e acadêmicos das muitas universidades públicas brasileiras, que vivem de um “socialismo livresco” e que adoram escrever sobre a “revolução proletária” dos bens alheios.

Muitos dos que se comoveram apaixonadamente com a “agressão” ao compositor de “Olhos nos olhos” pouco fizeram para denunciar, à época, o incitamento público sofrido pelo o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, para não esmiuçar o caso envolvendo o cantor Lobão, que inclusive foi ameaçado de morte por suas posições políticas. Chico Buarque, contudo, tem a seu favor a fama de “homem cortês e educado”, além da eterna reputação de “perseguido político”, o qual "resistira heroicamente" à Ditadura Militar.

Aliás, muitas das pessoas que o tomam como herói contra a Censura do governo autoritário de 1964, parecem desconhecer que desta mesma Censura foram vítimas os chamados "cantores das empregadas", tais como Odair José, Waldik Soriano, Luiz Ayrão, Benito di Paula, entre outros. Acerca disso, escreve Paulo César de Araújo, em seu recomendadíssimo livro "Eu não sou cachorro não”, publicado pela Editora Record (2002):

O trabalho do historiador Alberto Moby, publicado em 1994, comparando a censura à música popular em dois períodos explicitamente autoritários, Estado Novo e Regime Militar, não foge à tendência predominante.

Ao abordar os anos do AI-5, sua análise se prende tão-somente a nomes como Chico Buarque, Gonzaguinha e João Bosco, porque, segundo ele, estes artistas estavam comprometidos com a denúncia do autoritarismo enquanto que "os representantes das demais denominações em que foi dividida a música popular brasileira ou ignoravam tais preocupações ou nunca deixavam que interferissem no seu trabalho artístico".

Entretanto, o que será demonstrado aqui é que o aparato repressivo que se abateu sobre a música e o músico brasileiro durante os anos mais duros do governo militar não atingiu apenas os figurões da MPB, embora estes fossem, até por sua visível militância política, muito mais vigiados e censurados.

Mas os "cantores das empregadas" também foram vítimas da repressão, e em algumas vezes também tiveram que malandramente valer-se da linguagem da fresta para ludibriar o cerco do censor. E para melhor compreender este embate talvez seja útil recorrer ao que o sociólogo inglês Crane Brinton definiu como "reinado de terror e virtude".

 [...]

A partir do período do AI-5 - quando o ato de cantar e compor tornou-se efetivamente caso de polícia no Brasil -, foram produzidos diversos textos focalizando a ação da censura sobre a nossa música popular. E, invariavelmente, esses textos, tanto os produzidos pela mídia (através de reportagens em jornais e revistas) como os de origem acadêmica, procuram ressaltar de que maneira a obra de compositores como Chico Buarque, Gonzaguinha ou Milton Nascimento foi mutilada ou arquivada por força da censura federal.

Já a censura sofrida no mesmo período por artistas como Odair José, Waldik Soriano, Luiz Ayrão, Benito di Paula ou Dom & Ravel não é sequer mencionada. Em consequência disso, temos cristalizada, no campo da música popular, uma memória que associa o período da repressão política no Brasil apenas aos cantores/compositores da MPB.

O escritor ressalta ainda um “mito” que grupos esquerdistas criaram em torno das músicas de Chico Buarque,  que lhes atribuíam um caráter político quando ele apenas queria “falar do amor”.

Hoje o próprio Chico Buarque admite que naquele contexto as suas músicas assumiam um colorido político que muitas vezes não era intencional. Segundo ele, “a censura enxergava mensagens subliminares onde não existia e o pessoal de esquerda também queria ver essas mensagens. 'Ah, mas você quis dizer...' 'Não, eu não quis dizer nada, é uma canção de amor'.” (176)

Bem. Voltando ao episódio do Leblon, ao assumir publicamente uma postura ideológica e política, Chico Buarque (ou qualquer outra figura popular que exerce algum tipo de influência sobre a sociedade), precisa encarar a realidade da crítica pungente e até do escárnio público. Do contrário, que assuma uma postura de neutralidade e dedique-se exclusivamente à missão de encantar as massas com seu indiscutível talento... 

Que seja, enfim, um "malandro profissional"!!!


É isso!


[Por: Iba Mendes, Dezembro, 2015]


---
Consulta bibliográfica:
Paulo César de Araújo: "Eu não sou cachorro não: música popular cafona e Ditadura Militar". Editora Record, 2ª edição, 2002.


---
ANEXO:

Jornal do Comércio: Sexta-Feira, 10/02/1989

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...