A Questão Coimbrã
A Questão Coimbrã foi a primeira manifestação de repúdio ao provincianismo melancólico que norteava a literatura portuguesa da época. Foi liderada por um grupo de estudantes da Universidade de Coimbra, que mantinham fortes laços culturais com a Europa, especialmente Paris. A controvérsia tinha como foco central a velha e a nova geração. Era nítida a oposição entre a chamada musa constitucional (os velhos padrões) e os novos valores, que teve nas Odes (de Antero de Quental) o suporte necessário para sua concretização. A síntese desse movimento era basicamente a proscrição do falso, do piegas, do oco, do lacrimoso, enfim, do convencional, em que estava arraigada a sociedade portuguesa. Como afirmou Eça: “A arte moderna é toda de análise, de experiência, de comparação. A antiga inspiração que em quinze noites de febre criava um romance é hoje um meio de trabalho obsoleto e falso. Infelizmente já não há musas que insuflem num beijo o segredo da natureza! A nova musa é a ciência experimental dos fenômenos - e a antiga, que tinha uma estrela na testa e vestes alvas, devemos dizê-lo com lágrimas, lá está armazenada a um canto, sob o pó dos anos, entre as couraças dos cavaleiros andantes ”.
As novas ideias literárias
não eram apenas um processo de forma. Muito mais que isso, tinha um alicerce
filosófico que se expandia para várias direções. Era a arte do presente, e de
alguma forma, também a arte do futuro. Nas palavras de Eça de Queiroz: “é a
crítica do homem, é a arte que nos pinta a nossos próprios olhos para nos conhecermos,
a ver se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que a sociedade tem de
mau. O seu processo é a análise, o seu fito a verdade absoluta”.
O conceito do ideal, em
Antero, por exemplo, via de regra era estimulado por sonhos e visões. De acordo
com Massaud Moisés: “tudo nele se configurava como a ânsia de perfeições
utópicas ou sobrenaturais. Do idealismo decorre seu desejo de evasão e de
sonho..., que lhe sugeria uma postura mística, feita da busca de Deus ou de
algo que lhe equivalesse... Já
que sentia que a quimera não se realizava jamais, e que a indagação acerca de
Deus ficava sem resposta, ecoando no vazio cósmico, o poeta terminava
mergulhando num angustiante pessimismo à Schopenhauer”. Essas
características, realçadas por Massaud, são sobremodo evidenciadas no poema Ideal, do próprio Antero.
Segundo Vianna Mogg, em Eça
esse conceito apresentava as seguintes características: “primeiro devia
tomar o assunto na vida contemporânea, para ser perfeitamente do seu tempo;
depois, proceder pela experiência, pela fisiologia, pela ciência dos
temperamentos e dos caracteres; e, enfim, ter o ideal moderno que rege as
sociedades, isto é, justiça e verdade... A arte deve corrigir e ensinar e não
ser só destinada a causar impressões passageiras, a dar-se unicamente ao prazer
dos sentidos. Deve visar um fim moral. Se a arte tem moral, perde a sociedade.
Deve-se tentar a regeneração dos costumes pela arte. Quando a ciência nos
disser: a ideia é verdadeira; a consciência nos segredar: a ideia é justiça; e
a arte nos bradar: a ideia é bela - teremos tudo”.
Em suma, o idealismo dentro
do realismo era algo até óbvio, todavia, não era um ideal clássico, baseado em
tradições ou naquilo que se tinha como modelo ou mesmo como ideal para o
momento; não era também um idealismo romântico em que o subjetivismo, a
exacerbação de sentimos alcançava o nível do irreal, do não palpável, e por
assim afirmar, da inocência. O ideal realista calca-se em conceitos
(pleonasticamente) do cotidiano real, ou seja, o que interessa são as circunstâncias
nas quais está inserida a sociedade, especificamente, a sociedade portuguesa
daquele momento. Como afirmou Joel Serrão: “...Que choca com as experiências
mais fundas e mais duradouras, que conduz o poeta a um conflito íntimo, à
insatisfação e ao tédio, à anotação minuciosa desse real voluntário e às fugas,
- inconscientes, muitas vezes -, para as suas preferências espontâneas.
Conflito que, opondo as suas solicitações naturais aos objetivos
conscientemente concebidos e queridos, suscita uma tomada de consciência que
lhe abre os olhos para uma realidade cotidiana que só ele, por força de tais
circunstâncias, se tornou apto a exprimir”.
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...