Amós Oz: “Meu Michel”
“Pergunto-me porque o sofrimento de outras pessoas nos parecem enredo de operetas. Será que é só porque são outras pessoas?”
“Pergunto-me porque o sofrimento de outras pessoas nos parecem enredo de operetas. Será que é só porque são outras pessoas?”
Desenvolvido na década de sessenta, o romance “Meu
Michel”, trata do processo de desgaste psicológico de Hana Gonen. A narrativa
dá-se na década de cinquenta, nos anos de consolidação da independência, quando
Israel expande suas fronteiras para além dos limites estabelecidos em 1948. Os
fatos desenvolvem-se na Jerusalém de Amós Oz. Uma cidade de montanhas sombrias,
muralhas antigas, bairros estranhamente divididos, ruas de traçados tortuosos e
ruelas de formatos extravagantes. Na verdade, a cidade de Jerusalém liga-se,
metaforicamente, ao universo intimista da personagem Hana. Tal qual a personagem,
Jerusalém, como ela mesma afirma: “É uma
cidade recolhida dentro de si mesma”.
Por sua vez, Hana é uma metáfora do próprio Estado do
Israel que acabara de nascer. Os sonhos de Hana Gonen são os sonhos dos novos
imigrantes judeus; a ambição dela é a mesma dos novos israelenses; seus ideais,
que envolve a fantasia, são semelhantes aos dos nacionalistas intolerantes e
dominadores. Como é sabido, os imigrantes dessa nova Aliot, eram pessoas
utopicamente sonhadoras, idealistas, ambiciosas, que almejavam um Estado forte;
alguns deles, muito mais que isso, desejavam um espaço geográfico extenso como
nos antigos tempos bíblicos. O próprio título do livro, o emprego proposital do
possessivo, já carrega em si a ideia de domínio e de posse. No romance, a personagem
Hana é assim dominadora. Mesmo nos momentos de quase total esquizofrenia, ela
exerce poder sobre os outros. Ela seduz. Algumas vezes é rainha, outras,
princesa, imperatriz, comandante, juíza etc. Esse domínio não se dá apenas no
plano dos sonhos, em suas alucinações... Na vida prática, embora não
exerça diretamente um domínio sobre o próprio esposo, ela o manipula
psicologicamente através do sentimento de culpa. Ela está sempre revelando a
força avassaladora de seus desejos reprimidos. De forma perversa, ela tenta
seduzir o jovem Yoram, o qual sempre teve uma educação dentro dos mais severos
preceitos religiosos. No plano da memória, esse domínio manifesta-se, entre
outros casos, na subjugação dos gêmeos árabes. Não seria isso uma metáfora da
realidade Israelense em nossos dias? Até os fatos já consumados ela procura
subvertê-los. Citando a personagem bíblica Tamar, que foi violentada e
humilhada pelo próprio irmão Amnom, ela faz uso do domínio ao mesmo tempo que
se embebe do devaneio: “Se eu fosse
Tamar, faria Amnom ajoelhar-se à minha frente por sete noites. Depois que ele
confessasse, em linguagem bíblica, os tormentos do seu amor, eu lhe ordenaria
que me transportasse num barco a vela para as ilhas do arquipélago, para a
vastidão onde os peles-vermelhas transformam-se em seres marinhos...”.
Esta associação da personagem Hana Gonen com a nação
emergente de Israel, parece se realçar com a insistente menção da cor azul; cor
esta que faz parte da bandeira nacional: “Michel
observou timidamente que eu parecia mais feminina pela manhã, com o vestido
azul, aos seus olhos, é claro”. / “Pus
o vestido de lã azul e amarrei um lenço de seda”. / “Eu gostava de pôr o avental azul”. / “Ela fez para Michel e para mim um pulôver azul cinzento, da cor dos olhos
tranquilos”. / “Quando eu era aluna
da Universidade, costumava vestir, durante todo o inverno, um vestido de lã
azul”. / “Pintamos o quarto de Yair
de azul”. / “Uma menina bonita e
inteligente num casaco azul”. O azul aparece também em suas alucinações, de
maneira até hiperbólica: “Remendos azuis
navegavam para o oriente”. / “Entre
um sono e outro, o bebê abaria as pálpebras e mostrava duas ilhas de um azul
translúcido. Parecia que esta era sua cor interior e que através das frestas
dos olhos apareciam só os fragmentos de um azulradiante... / “Mas quando viro a cabeça, vejo a aldeia
árabe de Schaafat do outro lado da fronteira, inundada de luz azul”. / “Um dia de um azul transparente repleto de
sons e visões”. / “Uma veia azul,
incha a atravessa a fonte de Halil”. / “...meu olhas se dirige para o retângulo inundado de azul que é a janela da
cozinha”. / “De repente, percebi
através das ondas de luz azulada que meu filho será um homem robusto e bonito”.
Em alguns casos, outras cores se transformam no azul: “...nos edifícios de pedras cinzenta, que às vezes se tornam azuladas...”
Nomes de coisas ou objetos são também azuis: “Num sábado azul, uma primavera repentina...” / “Um vapor azul sobe do deserto da Judéia”
/ “Bandos de pássaros migrantes
percorriam espaços azuis”. Esta asserção, embora especulativa, parece verossímil
se levarmos em conta a essência da obra, uma vez que os sonhos e as fantasias
estão diretamente ligados à cor azul.
Ao contrário, quando se refere ao marido, Hana sempre
faz menção de “cores mortas”: “Seus olhos
eram cinzentos”. / “Enviei as duas
mãos nos bolsos das calças de veludo marrom”. / “A amiga de Michel era uma mulher magra, alta e amarga. Com seus cabelos
cinzentos...” / “Os olhos do Michel
são cinzentos”. / “Michel e o pai
vestiam ternos pretos”. / “Durante a
maior parte do dia Michel ficava sentado numa poltrona, calçando chinelos de
cinza claro e escuro”. O próprio gato, que se chamava Branquinho, era na
verdade cinza: “Branquinho não era um
gato branco, mas acinzentado”.
A figura paternalista da personagem Michel, parece
associar-se ao judeu pacífico e tradicionalista, que vivia ordeiramente com os
irmãos árabes, antes da fundação de Israel. O fato de estudar geologia, faz
transparecer o apego à terra em si, ao amor à terra de Israel.
Sintetizando: a oposição Hana/Michel, parece ser uma
metáfora ou uma espécie de simbologia entre o judeu europeu cheio de sonhos e o
judeu patriarcal do Oriente. Como sabemos, o autor, Amós Os, é um grande
pacifista, que luta pela tolerância entre os povos da região. Embora
aparentemente não haja no romance um sentido político, na realidade, parece que
o autor criou propositadamente duas personagens de gênios opostas, que são
obrigados a conviver pacificamente dentro dos limites da tolerância mútua. A tolerância
parece ser a grande questão do livro.
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2003.
São Paulo, 2003.
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