A.
B. Yehoshua: “Sr. Máni”
O monólogo conflituoso estabelecido nesta primeira conversa entre Agar Shiló e a mãe, Yael Shiló, é marcado - basicamente - pelo predomínio de um “eu” (a filha) que se encontra dentro de um outro “eu” (a mãe), e cujo assunto é um outro misterioso “eu” (o Sr. Máni).
O monólogo conflituoso estabelecido nesta primeira conversa entre Agar Shiló e a mãe, Yael Shiló, é marcado - basicamente - pelo predomínio de um “eu” (a filha) que se encontra dentro de um outro “eu” (a mãe), e cujo assunto é um outro misterioso “eu” (o Sr. Máni).
Ao
que parece, a escolha pelo diálogo, em detrimento da narrativa de ficção,
deu-se pelo fato de que nele o “eu” pode ser deliberadamente externado, sendo a
intimidade desse mesmo eu-narrador apresentada de forma profunda e intensa. E
no caso do Sr. Mani, este aspecto é mais visivelmente ressaltado, visto que
autor faz calar a voz do mais experiente, sobressaindo a influência desse
eu-narrador. Ou seja, o “eu”, que viveu a experiência, lança para a incerteza a
fala do outro, gerando desse modo um diálogo conflitivo. A identidade de um se
faz conhecer pela indiferença do outro. E assim, aquilo que se ignora já é
considerado como sabido ou conhecido: “É verdade, você ainda não disse nada,
mas o que é que eu vou fazer se eu sempre sei o que você vai dizer...”.
A
conversa entre Agar e Yael, centralizada na pessoa do juiz Gavriel Máni, é
assinalada, como a própria narradora diz, no mistério:“Suponhamos, está bem,
talvez também um pouco de mistério... talvez você, de repente, tenha razão e
esta até seja a palavra: mistério... Assim, mamãe, porque você não
acreditará no meu mistério; no fim, eu sei, você vai anular tudo e dizer que
foi só imaginação.” As circunstâncias e tudo que diz respeito ao encontro
de Agar com o Sr. Máni estão cercados por este mistério pleonasticamente
misterioso, o qual é destacado por palavras e situações específicas: escuridão,
chuva, neblina, inverno, Vale dos Espíritos, Mar Morto, Muro das Lamentações,
religiosos solitários, leprosário, ruas escuras, morte, cemitério, suicídio,
luto etc. A cor preta é usada propositadamente para realçar este aspecto
enigmático da história, realçando também alguns traços específicos da cultura
sefaradita. Por exemplo: “terno preto, gravata preta, barba preta”, “judeus
ultra-religiosos de preto, com seus guarda-chuvas também pretos”, “estrado
preto, no tribunal”, “homens de capa preta”, “céu preto”, “pão preto”,
“velhinhas vestidas de preto, como corvos solitários”, “torre com partes
pretas”, “câmera preta”, “rebanho de cabras pretas”.
E
o mais relevante em todo esse mistério é a linguagem metalinguística empregada
pela própria narradora, que crê fazer parte de um filme ou de um livro. A todo
instante sente-se filmada por câmeras invisíveis ou espionada por um escritor
onipresente que passa a escrever sobre ela alguma coisa, algo como: “um dia
de inverno, à tarde, uma estudante órfã, saiu da casa da avó na cidade grande
para a capital, numa missão para o namorado, para averiguar o que acontecera
com o pai dele...” O “cenário” são as ruas de Jerusalém, mais propriamente
o apartamento do Sr, Máni: “Havia ali tamanho silêncio sob os altos tetos,
junto aos grandes arcos das grandes janelas de pedra, que senti que não só eu
estava voltando para esta história, ou livro ou filme, que me acompanha desde
que cheguei...” Para salientar esse caráter aventuroso do “filme” ou do
“livro”, o autor faz aparecer “a silhueta do Teatro Jerusalém”, que, na parte
final do diálogo, surge todo iluminado.
Essa
sensação de fazer parte de um filme ou de ser uma personagem de um romance ou conto
norteia todo o diálogo: “Sim, exatamente, todo o tempo alguém do lado me
escrevendo ou me filmando...”/ “...era como se eu sentisse que eles
estivessem ali, o escritor, ou o diretor ou cinegrafista, ou sabe lá o diabo
quem.” Dessa forma o diálogo é transformado numa espécie de produção
cinematográfica ou num romance de aventuras baseados em fatos reais, sendo que
nem a própria personagem, nem o “misterioso diretor”, nem o “onisciente
escritor” e mais ainda, nem o simples leitor ou “espectador” sabem exatamente
como será o fim.
E
como se pode esperar de um bom filme ou de um excelente conto, a trama não
termina com aquele corriqueiro ou famigerado “final feliz”. O que se percebe é
que ela dá margem a uma nova aventura não menos misteriosa: “ele olha junto
comigo na escuridão, como um espírito; não é imaginação e talvez dentro de mim
agora, não sei se ele oscila entre vida e morte.”
É isso!
Iba
Mendes
São Paulo, 2001.
São Paulo, 2001.
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