5/31/2017

A. B. Yehoshua: “Sr. Máni”


A. B. Yehoshua: “Sr. Máni”

O monólogo conflituoso estabelecido nesta primeira conversa entre Agar Shiló e a mãe, Yael Shiló, é marcado - basicamente - pelo predomínio de um “eu” (a filha) que se encontra dentro de um outro “eu” (a mãe), e cujo assunto é um outro misterioso “eu” (o Sr. Máni).

Ao que parece, a escolha pelo diálogo, em detrimento da narrativa de ficção, deu-se pelo fato de que nele o “eu” pode ser deliberadamente externado, sendo a intimidade desse mesmo eu-narrador apresentada de forma profunda e intensa. E no caso do Sr. Mani, este aspecto é mais visivelmente ressaltado, visto que autor faz calar a voz do mais experiente, sobressaindo a influência desse eu-narrador. Ou seja, o “eu”, que viveu a experiência, lança para a incerteza a fala do outro, gerando desse modo um diálogo conflitivo. A identidade de um se faz conhecer pela indiferença do outro. E assim, aquilo que se ignora já é considerado como sabido ou conhecido: “É verdade, você ainda não disse nada, mas o que é que eu vou fazer se eu sempre sei o que você vai dizer...”.

A conversa entre Agar e Yael, centralizada na pessoa do juiz Gavriel Máni, é assinalada, como a própria narradora diz, no mistério:“Suponhamos, está bem, talvez também um pouco de mistério... talvez você, de repente, tenha razão e esta até seja a palavra: mistério... Assim, mamãe, porque você não acreditará no meu mistério; no fim, eu sei, você vai anular tudo e dizer que foi só imaginação.” As circunstâncias e tudo que diz respeito ao encontro de Agar com o Sr. Máni estão cercados por este mistério pleonasticamente misterioso, o qual é destacado por palavras e situações específicas: escuridão, chuva, neblina, inverno, Vale dos Espíritos, Mar Morto, Muro das Lamentações, religiosos solitários, leprosário, ruas escuras, morte, cemitério, suicídio, luto etc. A cor preta é usada propositadamente para realçar este aspecto enigmático da história, realçando também alguns traços específicos da cultura sefaradita. Por exemplo: “terno preto, gravata preta, barba preta”, “judeus ultra-religiosos de preto, com seus guarda-chuvas também pretos”, “estrado preto, no tribunal”, “homens de capa preta”, “céu preto”, “pão preto”, “velhinhas vestidas de preto, como corvos solitários”, “torre com partes pretas”, “câmera preta”, “rebanho de cabras pretas”.

E o mais relevante em todo esse mistério é a linguagem metalinguística empregada pela própria narradora, que crê fazer parte de um filme ou de um livro. A todo instante sente-se filmada por câmeras invisíveis ou espionada por um escritor onipresente que passa a escrever sobre ela alguma coisa, algo como: “um dia de inverno, à tarde, uma estudante órfã, saiu da casa da avó na cidade grande para a capital, numa missão para o namorado, para averiguar o que acontecera com o pai dele...” O “cenário” são as ruas de Jerusalém, mais propriamente o apartamento do Sr, Máni: “Havia ali tamanho silêncio sob os altos tetos, junto aos grandes arcos das grandes janelas de pedra, que senti que não só eu estava voltando para esta história, ou livro ou filme, que me acompanha desde que cheguei...” Para salientar esse caráter aventuroso do “filme” ou do “livro”, o autor faz aparecer “a silhueta do Teatro Jerusalém”, que, na parte final do diálogo, surge todo iluminado.

Essa sensação de fazer parte de um filme ou de ser uma personagem de um romance ou conto norteia todo o diálogo: “Sim, exatamente, todo o tempo alguém do lado me escrevendo ou me filmando...”/ “...era como se eu sentisse que eles estivessem ali, o escritor, ou o diretor ou cinegrafista, ou sabe lá o diabo quem.” Dessa forma o diálogo é transformado numa espécie de produção cinematográfica ou num romance de aventuras baseados em fatos reais, sendo que nem a própria personagem, nem o “misterioso diretor”, nem o “onisciente escritor” e mais ainda, nem o simples leitor ou “espectador” sabem exatamente como será o fim.

E como se pode esperar de um bom filme ou de um excelente conto, a trama não termina com aquele corriqueiro ou famigerado “final feliz”. O que se percebe é que ela dá margem a uma nova aventura não menos misteriosa: “ele olha junto comigo na escuridão, como um espírito; não é imaginação e talvez dentro de mim agora, não sei se ele oscila entre vida e morte.”

É isso!

Iba Mendes
São Paulo, 2001.

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