Acabei de ler uma tradução para o português do livro "A expressão das
emoções no homem e nos animais", de Charles Darwin!
Se não fora à época em que estava inserido seu autor e
se não fora a incipiência das ciências biológicas naquele momento, diria que li
um trabalho de biologia de um aluno do Ensino Médio da escola pública
brasileira. Embora um pouco mais profundo que um pires, o livro destaca-se por
ser de leitura menos maçante entre os outros do naturalista, como o seu mais
famoso: "A Origem das Espécies". Em toda obra Darwin busca
"provar" que tanto as emoções do homem quanto os sentimentos dos
animais são óbvios resultados da evolução ao longo das gerações. Raiva, ódio,
bom humor, alegria, desdém, culpa, orgulho, medo, vergonha, timidez, amor etc.,
são características que se encontram entre todos os povos, e isso em si já é um
jiboico indício do conceito de ancestralidade comum universal. São abundantes
as analogias entre as emoções humanas com aquelas supostamente observadas entre
as muitas espécies de macacos. Obviamente a ideia é tentar realçar a "semelhança
evolutiva" entre o homem e o símio. O macaco, para Darwin, é o nosso
parente mais próximo, e as emoções que se veem nele atestam esta
"verdade". Todavia, segundo o autor, parece que as crianças
transparecem mais esta similaridade, especialmente as "crianças
selvagens":
"Vemos
assim que a protrusão dos lábios, especialmente em crianças pequenas, é uma
manifestação característica de amuo na maior parte do mundo. Esse movimento
parece resultar da permanência, principalmente durante a mocidade, de um hábito
primevo, ou de ocasional retorno a ele. Orangotangos e chimpanzés jovens
protraem os lábios num grau extraordinário, como descrevemos em capítulo
anterior, quando estão descontentes, um tanto irritados, ou amuados; também
quando estão surpresos, um pouco assustados e mesmo quando sentem certa
satisfação. Aparentemente, sua boca se protrai com a finalidade de produzir os
diversos sons correspondentes a cada um desses estados de espírito; e sua
forma, como pude observar no chimpanzé, difere um pouco no momento de emitir os
gritos de prazer ou de raiva. Tão logo esses animais ficam furiosos, a forma de
suas bocas se modifica inteiramente, e os dentes são expostos. Dizem que o
orangotango adulto, quando ferido, emite "um grito singular, que se inicia
com notas agudas que vão se transformando em ronco grave. Enquanto solta as
notas agudas, ele protrai os lábios em forma de funil, mas nas notas graves
deixa a boca bem aberta". No gorila, aparentemente o lábio inferior é
capaz de se alongar muito. Portanto, se nossos ancestrais semi-humanos
protraíam os lábios quando amuados ou um pouco irritados — da mesma maneira
como o fazem os atuais macacos antropoides —, não é um fato anômalo, ainda que
curioso, nossas crianças exibirem resquícios da mesma expressão quando no mesmo
estado de espírito, juntamente com certa tendência a produzir ruído. Pois não é
de forma alguma estranho os animais conservarem, mais ou menos perfeitamente,
na tenra infância, para mais adiante perderem, as características nativas de
seus ancestrais adultos, e que ainda são conservadas por espécies distintas,
seus parentes próximos.
Também não é
excepcional o fato de as crianças selvagens terem mais tendência a protrair os
lábios quando amuadas do que as crianças europeias civilizadas; pois a essência
da selvageria parece consistir na manutenção de uma característica primitiva, o
que também se aplica, ocasionalmente, a peculiaridades físicas".
As passagens sobre os "diferentes tipos de raças
humanas" florescem abundantemente em toda a obra: "Entretanto, se observarmos as diferentes
raças do homem, esses sinais não são tão universalmente empregados quanto eu
esperaria". / "A expressão
de tristeza, gerada pela contração dos músculos da tristeza, de forma alguma se
restringe aos europeus, mas parece ser comum a todas as raças humanas".
/ "Pelas respostas que recebi dos
questionários que enviei, homens de todas as raças franzem o semblante quando
estão por alguma razão perplexos". / "Entretanto, não é de forma alguma improvável que essa expressão
animalesca seja mais comum entre as raças selvagens do que entre as civilizadas".
E por aí vai...
É claro, em se tratando de Darwin, não poderia faltar
aquela pitoresca pérola, com a qual encerro essas minhas ligeiras impressões:
"O dr.
Maudsley, depois de fornecer uma série de detalhes sobre traços animalescos nos
idiotas, indaga se eles não se deveriam ao reaparecimento de instintos
primitivos — "um apagado eco de um passado distante, atestando um
parentesco que o homem já quase deixou para trás". Ele acrescenta que como
todo cérebro humano passa, ao longo de seu desenvolvimento, pelos mesmos
estágios dos vertebrados inferiores, e como o cérebro de um idiota é retardado,
podemos presumir que ele "manifestará suas funções mais primitivas e
nenhuma função superior". O dr. Maudsley acredita que essa mesma hipótese
pode ser estendida ao cérebro em estado de degeneração de alguns pacientes
loucos. E pergunta de onde vêm "o rosnado furioso, a disposição violenta,
a linguagem obscena, os uivos selvagens e os hábitos agressivos manifestados
por alguns dos loucos? Por que deveria um homem, privado de sua razão,
tornar-se de caráter tão brutal, como é o caso de alguns, a não ser que a
natureza brutal esteja nele próprio?"
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2013.
São Paulo, 2013.
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