5/28/2017

História da Semana de Arte Moderna



História da Semana de Arte Moderna
Texto escrito por Carminha de Almeida e publicado em 1939. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica  de Iba Mendes (2017)
"Nós somos os primitivos de uma nova era..."
(da crítica dos jornais).
Quando eu disse a Paulo Magalhães (o piracicabano) que eu ia contar a história da Semana de Arte Moderna de 22, ele arregalou mais os seus já arregalados olhos. "Você já era gente nesse tempo?" Não, era uma menina de meias curtas, no tempo em que as meias curtas eram um distintivo, mas ouvi tantos comentários a respeito, vi tanta crítica nos salões das melhores famílias e li tantas notícias nos jornais que resolvi saber o que era aquilo. Não foi preciso perguntar muito porque o meu professor de música no Curso Complementar deu-me as seguintes informações: "Estou horrorizado! Estive no Municipal, não imaginam os monstros que vi lá. E a música, meu Deus? Um horror! Um horror!" Lembro-me como se tivesse sido ontem, mesmo porque a indignação do professor, que eu julgava artista, açulou a minha curiosidade. A advertência agiu como estímulo. Com toda a minha ingenuidade e ignorância, subi a escadaria do teatro. Subi e desci. Porque, apesar de ter olhado todos os quadros e estátuas e ter ouvido um homem grande falar (acho que era o Mário), não entendi nada. Entretanto, declarei-me logo pelos revolucionários, virei futurista com toda a impropriedade da expressão (a impropriedade era da época). Tempos depois, conversa-vai-conversa-vem, fiquei a par de toda a história daquilo que tanto irritara o meu professor e tanto despertara a minha curiosidade.
É a seguinte:
Era uma vez um homem chamado Jacinto Silva que, em 1921, tinha uma livraria na rua 15 de Novembro, a casa editora "O livro". Todas as tardes reuniam-se ali um poeta, um romancista e um pintor. Guilherme de Almeida, Oswald de Andrade e Di Cavalcanti. Uma tarde o poeta leu, na sala que havia nos fundos da livraria, o seu livro daquele ano. Depois outros autores leram outros livros. Foi chegando mais gente. Pintores e escultores (descobriram Brecheret) fizeram exposições. Músicos tocaram. Foi quando nasceu a ideia de se fazer, nesse mesmo lugar, uma grande exposição de arte moderna, ilustrada com concertos de música moderna e recitativos de poesias modernas. Tudo moderno. Guilherme, Oswald e Di conversaram com Paulo Prado e Graça Aranha e estes, não só apoiaram como alargaram a ideia substituindo a sala da livraria pelo Teatro Municipal. René Thiollier foi ao palácio falar com o dr. Washington e quando contou no Automóvel Clube que ia arranjar dinheiro para a Semana todo mundo riu... Rubens Borba de Morais andou pra baixo e pra cima para arranjar o teatro, de graça. Parece que arranjou. Menotti Del Picchia deu o toque de reunir. E a coisa foi feita com grande, grandíssimo escândalo para o burguês. Era já fevereiro de 1922, tempo de chuva aqui em São Paulo, o que não impediu que acorressem multidões ao local do crime. Quadros, esculturas, desenhos, pelos saguões e corredores; conferências, declamações, concertos, danças na sala de espetáculos. Ivone Daumerie fazendo dança moderna vestida de borboleta... Guiomar Novaes, que pretendia tocar Chopin, foi obrigada a tocar Villa Lobos. E tocou. Tudo isso com assistência irritada, vaiando sem parar. Mário de Andrade, Graça Aranha, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Villa Lobos (que até então tocara apenas nos cinemas do Rio), Sérgio Milllet, John Graz, Zina Aita, Brecheret, todos retribuíam vaias com sorrisos, sorrisos de bem-aventurança. Todos não, pois contam que Ronald de Carvalho e Renato de Almeida sofreram com as vaias, protestaram enquanto alguém pedia mais "porque sem vaia não conseguia falar". As senhoras olhavam raivosas para o Homem Amarelo de Anita Malfatti. Os senhores atacavam os trabalhos expostos com impropérios e bengalas, um chegou a furar o olho do retrato de Segall. Com Zita Aita, uma senhora mesquinha e nada inteligente tentou fazer uma intriga sórdida, telefonando para a esposa de um dos organizadores para contar que a artista estava nos braços do mesmo. Por aí se vê que até infâmias houve. Não é preciso dizer que a imprensa, com exceção do "Correio Paulistano", atacou sis-te-ma-ti-ca-men-te. O "O Estado de São Paulo" publicou uma nota nestes termos: "As colunas da seção livre deste jornal estão à disposição de todos aqueles que, atacando a Semana de Arte Moderna, defendam o nosso patrimônio artístico".
Foi assim que me contaram a história da Semana de Arte Moderna, realizada em 1922. Resta o dogma, que eu deixo para Guilherme de Almeida.

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