5/31/2017

O dilema das interpretações


O dilema das interpretações         

Muito se tem discutido acerca da temática do livro bíblico Cânticos dos Cânticos (ou Cantares de Salomão). Os cristãos, de um modo geral, acreditam tratar-se de uma alegoria, em que a noiva, a Sulamita, simboliza espiritualmente a Igreja, enquanto que o amado, talvez Salomão, é a figura mística do Noivo da Igreja, ou seja, Cristo. Os judeus, por sua vez, acreditam que a noiva é a figura de Israel, ao passo que o noivo reproduz a própria imagem de Deus. Já os que se inclinam às letras, ou seja, os literatos, estes apenas veem no livro bíblico um poema de amor entre um homem e uma mulher apaixonados, e nada além.
Não apenas em relação à Bíblia, mas na própria esfera da Literatura, a questão da “interpretação” tem sido e pode ser utilizada muitas vezes de maneira tendenciosa, para o fim a que se propõe àquele que a interpreta...
Em outro âmbito, os comunistas viam em Cristo apenas um líder reacionário, o qual se opôs ao sistema do seu tempo; outros, por sua vez, o conceberam como um homem iluminado ou apenas um profeta.
Um exemplo, na Literatura, diz respeito ao polêmico escritor austro-alemão Franz Kafka (1883-1924). Uns viam nele um pensador metafísico; outros, um profeta do absurdo; Camus e Sartre o imaginavam como a síntese da incongruência do existir; psicólogos acreditaram que sua obra era resultado de sua relação com um pai autoritário e na sua própria condição de celibatário; marxistas entendiam seus escritos como a suma do caos burguês; os surrealistas o colocaram na esfera do fantástico; há ainda os que vêm nele um lunático, vítima de sua neurose religiosa. Quem, pois, está com a razão?
No que tange aos textos literários, e com mais ênfase à Poesia, é comum prevalecer o subjetivismo de quem faz a análise ou os interpretam, de modo que é comum reduzir-se a existência alheia à própria existência. Assim, num mesmo texto pode-se encontrar uma gama variada de temas: amor, morte, felicidade, guerra, traição, os dissabores da vida etc. Em muitos casos, o instante emocional de quem lê um texto, também pode ser decisivo para uma conclusão sobre o conteúdo da obra como um todo. Esse fato é ainda mais frequente  em relação aos textos religiosos. Muitos, vivendo uma situação desfavorável na vida, quando atingidos pelas procelas do existir, usam e abusam das interpretações, e de tal forma que em inúmeros casos tais interpretações acabam por se transformar em doutrinas e até em dogmas. Não é á toa que há tanta divergência entre os que dizem seguir o mesmo livro considerado sagrado! A mesma Bíblia pode ser bálsamo ou espada, mas essa é uma outra questão...

É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2005.

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