Texto escrito em 1929. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica é de Iba Mendes (2017)
O aparecimento agora das traduções francesas de Ulissess de James Joyce, e de Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf, chamaram a atenção para o romance moderno inglês. Depois de Kipling, Wells e Galworthy, o espírito britânico, excitado pelas correntes fortes do pensamento e da sensibilidade atual — Bergson, Freud, cubismo, futurismo, cinema etc. — reagiu para exprimir o ritmo da vida contemporânea, surgindo várias expressões novas, dentre os quais o imagismo, na poesia, que o americano T. S. Eliot (residente em Londres) orientou.
Como Shaw e
Yeats, James Joyce veio da "ilha verde" e foi o grande dominador. Dedalus e depois Ulisses, este sobretudo, marcaram a literatura inglesa. Ulisses é
um romance que secciona a vida, no tempo e no espaço. Um dia numa cidade, 16 de
junho de 1904 em Dublin. Uma síntese, na análise profunda. Um homem que sai de
casa, pela manhã e volta depois da meia noite. Não faz nada de extraordinário,
vive apenas. Um banho, uma discussão, um enterro, um namoro, outros episódios
triviais dominam o dia do herói, sem nenhum lance heroico, do judeu mr. Leopold
Bloom. O romance, cuja descrição não faremos aqui, além de vários processos
curiosos, como o diálogo interior, que Joyce leva às mais extremas
consequências, obrigando o leitor a permanecer com o subconsciente alerta, ao
menor toque de alarme; além de várias maneiras originais de construção, como o
paralelismo entre os episódios do dia de mr. Bloom e o périplo de Ulisses, há
de notar, por ser uma ideia dominadora do romance moderno inglês, o
encurtamento do tempo.
Poucas
horas, uma tarde, uma noite, um dia no máximo, chegam para o desenvolvimento da
ação. Desde logo se sente a consequência inteligente do processo, intensidade
do romance, realismo e introspecção. A vida, assim contada, pode ser fixada com
maior minúcia e tirado dos seus fatos mais íntimos e imperceptíveis todas as
possíveis e impossíveis consequências psicológicas. Influência de Freud,
pesquisa no inconsciente. Processo de laboratório, não à maneira dos realistas,
mas pelo panpsiquismo, desdobramento da realidade além do real, real oculto,
verdade inconsciente. Já chamaram partida em "prise" direta sobre a
realidade até aqui desdenhada. Tempo-mínimo, ou melhor tempo-schema, que chega
para o desenvolvimento de toda à ação, livre e independente da vida. A mocidade
inteira de Márion Tweedy, a cantora casada com mr. Bloom, do Ulisses, se passa
no seu monólogo interior, quando deitada ao lado do marido. Aliás, o processo
do tempo mental abreviando o tempo material foi largamente usado por Proust. Traz
um inconveniente ao romance, monotonia. A ação, na cabeça do personagem, se
move mais lentamente e quebra a sequência viva do desenvolvimento da ficção. A
análise interior retarda a vida. Além de Ulisses,
de Joyce, citaremos, no processo, Legenda
de Clemence Dare, Noturno de Frank Swinnerton, Mrs. Dalloway de Virgínia
Woolf e Bty Martal de Bernard
Gilbert.
A época
presente da literatura inglesa, que, por um lado, reclama a abstração como
"fonte todo poderosa", e, por outro, o classicismo, a maneira de uma
"concentração da inteligência bastante forte para transcender a emoção
pessoal a atingir, na realidade, ao objeto da visão," René Lalou
caracterizou como de experiências e teorias, à espera de um grande artista que
a defina. A preocupação de fugir da realidade, embora através da própria
realidade, é dominante. Mrs. Dalloway,
de Virgínia Woolf, A mulher transformada
em raposa, de David Garnett, Henry
Brocken, de Walter de Ia Maré caracterizam bem essa evasão do real,
penetrando nesse "no man’s land, num país irresoluto", como chamou
Pierre d'Exideuil. A influência dominante de Freud, que marca toda a tendência,
mais se caracteriza em D. H. Lawrence (The
Fox, Sons and Lowers) e Rebeca West, em The
Judge, que gira em torno do complexo de Édipo. Em tudo, a nota psicológica
prevalecendo sobre os vários caracteres convencionais do romance. O pitoresco,
que sempre interessou o espírito inglês, volve-se agora para a pesquisa
psicológica, era busca de emoções novas, de descobertas irreais. A composição
se torna uma reconstrução.
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