Um poeta: Cassiano Ricardo — “Martim Cererê” (São Paulo — 1928)
Texto escrito por A. de A. M. e publicado em 1928. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
Martim Cererê não é livro inteiramente
novo. Há nele várias poesias do Vamos
caçar papagaios (com uma ou outra modificação ligeira) e outras cujos temas
já foram explorados pelo próprio poeta em seus livros anteriores. O mesmo
acontece com certas imagens e certos achados verbais.
Isso mostra
que Cassiano continua batendo na tecla Brasil. Permanece o poeta do
descobrimento e da colonização sobretudo. Poeta oratório (o que denuncia sua
brasilidade), e descritivo. Quando oratório ou quando descritivo sempre fortemente
eloquente.
O caso de
Cassiano Ricardo é um caso à parte na nossa literatura atual. Cassiano até 1925
foi inimigo violento da reação moderna. Depois (era fatal) se converteu. Houve
nisso um missionário irresistível: o Brasil. Se o movimento moderno entre nós
não tivesse assumido também uma feição nacionalista acredito que Cassiano
continuasse inimigo dele. No Marfim
Cererê a isente verifica isso facilmente: do espírito moderno que é
universal o poeta aceita pouca coisa. Mas o tema Brasil do modernismo o seduz.
Por causa
dele chegou a romper com o seu próprio passado literário. Na lista de suas
obras publicadas constante do livro de agora não figuram A flauta de Pan, Jardim das Hespérides e os outros dois volumes
anteriores a 1925. Esse repúdio aliás não tem razão de ser. E constitui uma
injustiça: A flauta de Pan
principalmente tem versos que são dos melhores do parnasianismo brasileiro.
Pelo que já
ficou dito lá no princípio é evidente a infusibilidade de criticar Martim Cererê sem repetir uma a uma as
críticas (elogios e reparos) que já mereceram abundantemente Borrões de verde e amarelo e Vamos caçar papagaios.
Eu que mesmo
nos novos sempre procuro o novo, o que é novo na novidade deles, me contento em
reproduzir aqui este ótimo poeminha chamado Lua cheia nº 1:
Boião d’leite
que a noite leva
com mãos de treva
pra não sei quem
beber.
Mas que embora
levado
muito devagarinho
vai derramando
pingos brancos
pelo caminho...
Gosto tanto
dessa gostosura que ouso pedir a Cassiano que não se esqueça de molhar seus
livros futuros nesse mesmo leite gorduroso e cheiroso. Puro lirismo sem água.
Marfim Cererê foi impresso com bastante
cuidado. Além disso tem bonitas ilustrações de Di Cavalcanti. Algumas mais que
bonitas até: a da capa; a da página 19 e outras.
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