3/18/2018

Castro Alves visto por Machado de Assis (Ensaio), de Augusto de Almeida Filho


Castro Alves visto por Machado de Assis



Artigo publicado no jornal "O Carioca", em edição de 1947. Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Castro Alves, cujo centenário de nascimento estamos comemorando, agora, é uma das glórias mais puras da poesia nacional. Em seus versos, a que o ímpeto de uma adolescência cheia de exuberância e idealismo, emprestava um cunho marcante, encontramos a força criadora, a forma nova, tentando quebrar o ritmo convencional. Na poesia do vate quase criança, beleza é força extuante e espontânea, ânsia de liberdade, cujos horizontes não querem conhecer limites. Foi, sem dúvida, este sentimento de liberdade, que o levou a ser paladino na defesa da justiça e de tudo aquilo que podia constituir a dignidade humana.

No Brasil, alguns pioneiros lutavam por estes direitos. Com eles estava Castro Alves. Quer viessem de longe, como os inconfidentes, quer fossem seus contemporâneos, como os que desejavam a morte da escravidão, todos encontravam, no moço, um amigo, e, no poeta, um cantor. Gonzaga é a história da Inconfidência transplantada para o teatro: Vozes d'África, Navio Negreiro e outros poemas são os gritos de milhares de vozes cativas, urros de criaturas transformadas em animais, que bradavam pelo direito de voltarem a ser homens.

A vida fecunda e efêmera desse Ariel baiano tem sido estudada pelo que há de melhor na inteligência brasileira. Escritores de todos os matizes e das mais diversas tendências, são unânimes em reconhecer-lhe o gênio criador, a centelha divinatória que iluminou seu caminho, o poder de seu estro, a audácia de suas imagens, a sinceridade de suas convicções.

A obra de Castro Alves está hoje definitivamente integrada no patrimônio cultural de nosso povo, seus versos já conseguiram a suprema consagração de serem difundidos não só literariamente, mas ainda pela tradição oral da gente simples de nosso sertão.

No seu tempo muitos foram os seus admiradores. Machado de Assis, tão sóbrio ao externar suas opiniões, teve para o poeta de Espumas Flutuantes palavras cheias de entusiasmo e de sincero louvor. Elas constituem um valioso depoimento, pouco conhecido, talvez, do grande público. No Brasil os nomes de Castro Alves e Rui Barbosa, glórias incontestes de nosso povo, já tiveram quase postos à margem pelo index da reação. Qualquer referência a esses nomes gloriosos, era considerado ato suspeito, conspirativo, quase rebelião armada... A censura tentava, em vão, destruir pelo silêncio o que é indestrutível, porque, eterno.

Machado de Assis em carta a José de Alencar, datada de 29 de fevereiro de 1886, assim se referiu a Castro Alves, o jovem de 18 anos que o impressionara tanto, pela coragem e pela inteligência:

"É boa e grande fortuna conhecer um poeta; melhor e maior fortuna é recebê-lo das mãos de vossa excelência, com uma carta que vale um diploma com uma recomendação que é uma sagração. A musa do Sr. Castro Alves não podia ter mais feliz introito na vida literária. Abre os olhos em pleno Capitólio. Os seus primeiros cantos obtêm o aplauso de um mestre".

Esta carta destinada a ser lida pelo público, conterá as impressões que recebi com a leitura dos escritos do poeta.

Não podiam ser melhores as impressões. Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro. Achei um poeta original. O mal de nossa poesia contemporânea é ser copista — no dizer, nas ideias e nas imagens. Copiá-las, é nular-se. A musa do Sr. Castro Alves tem feição própria. Se se adivinha que a sua escola é a de Vitor Hugo, não é porque o copie servilmente, mas porque uma índole irmã levou-o a preferir o poeta das Orientais ao poeta das Meditações. Não lhe aprazem certamente as tintas brandas e desmaiadas da alegria; que antes as cores vivas e os traços vigorosos da Ode.

Como o poeta que tomou por mestre, o Sr. Castro Alves canta simultaneamente o que é grandioso e o que é delicado, mas com igual inspiração e método idêntico: a pompa das figuras, a sonoridade do vocábulo, uma forma esculpida com arte, sentindo-se por baixo desses lavores o estro, a espontaneidade, o ímpeto. Não é raro andar separadas estas duas qualidades da poesia: a forma e o estro. Os verdadeiros poetas são os que as têm ambas. Vê-se que o Sr. Castro Alves as possui; veste as suas ideias com roupas finas e trabalhadas".

Eis Castro Alves, visto por Machado de Assis.

AUGUSTO DE ALMEIDA FILHO
O Carioca, março de 1947.

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