3/15/2018

História do Brasil: De novo um só Governo-Geral (Ensaio), de Rocha Pombo


De novo um só Governo-Geral

Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)

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1 - Unificada de novo a administração, a grande causa que se institui para a colônia é a da conquista do Norte.

O Sul já estava livre de intrusos, e ocupada definitivamente pelos portugueses toda a região da costa desde Pernambuco até os confins, ainda imprecisos, com a jurisdição de Espanha.

Os perigos, removidos desta porção do litoral, passavam-se para a zona até agora em abandono, por onde, de conluio com os índios, andavam os franceses fazendo o seu tráfico em maiores proporções do que tinham feito no Sul.

Não podia, pois, este fato senão preocupar seriamente tanto o espírito da corte, como o dos próprios colonos que estavam por lá mais sujeitos a encontros com os traficantes.

Como vimos atrás, Luís de Brito nada fez, como a corte esperava, em relação a este urgente serviço: antes agravou os males que era preciso eliminar, visto como insuflou ainda, contra os portugueses, maiores queixas do gentio.

Lourenço da Veiga, que se lhe sucede como governador-geral (1 de janeiro de 1578), não teve tempo de ao menos adiantar por si mesmo alguma coisa no caminho da Paraíba.

É, no entanto, em seu tempo, e parece que por ele patrocinado, que se propõe um rico proprietário de Pernambuco, Frutuoso Barbosa, tomar o cometimento como empresa sua.

Era Frutuoso homem de fortuna e de prestígio, e muito prático das costas da Paraíba, por onde traficara muito com os índios.

Foi primeiro à corte, no intuito de assegurar prémios e vantagens pelo serviço que ia prestar.

Viu-se logo em Lisboa que realmente seria este o processo mais fácil e mais cômodo de levar semelhante tarefa, em vez de realizá-la de conta direta da Coroa.

Contratou, pois. Frutuoso com o governo a conquista e colonização da Paraíba à própria custa, mediante as vantagens e proveitos da capitania da terra desbravada por dez anos, com todos os privilégios inerentes a essa investidura.

Organizou lá mesmo a sua expedição, regularmente provida de tudo (quatro navios, tropa de desembarque, missionários, e grande número de colonos) e partiu para cá. Temporais o forçaram a ir dar outra vez a Lisboa, onde recompôs a sua flotilha, e veio ter a Pernambuco por 1582.

2 - Em Pernambuco reforça ainda a expedição, e segue por mar para o Norte, enquanto Simão Cardoso vai por terra com uma legião de voluntários.

Na foz do Paraíba tomou Frutuoso cinco de umas sete ou oito naus francesas que ali carregavam pau-brasil.

Parecia, pois, encetar-se com fortuna o empreendimento.

Mas enquanto se esperava ali pelas forças de terra, uma cilada do gentio vem escarmentar de tal modo aquela gente que Frutuoso não quis saber de mais nada, e por mais que o exortasse a prosseguir Simão Cardoso, de tudo desistiu abalando para Pernambuco.

E assim, ficou tudo pior ainda do que estava, índios e franceses "mais soberbos do que dantes".

Havia já Lourenço da Veiga falecido (1581); e, ao cabo de uma interinidade que pusera a Bahia em desordem, empossara-se do governo geral (maio de 1582) Manuel Teles Barreto, que fora o primeiro governador nomeado por Filipe II.

Era urgente atender à situação do Norte. Por fortuna dos colonos, entrara por aqueles tempos na Bahia uma parte da poderosa expedição de Diogo Flores Valdez à busca de provisões; e disso se aproveitou o Governador para formar uma forte expedição destinada à Paraíba.

Em Pernambuco juntou-se ainda a estas forças D. Filipe de Moura que governava a capitania como locotenente de Jorge de Albuquerque).

Seguiu por mar Diogo Valdez, com as forças navais, e foi encontrar, mesmo na foz do Paraíba, os franceses de novo muito seguros. Escarmentados, incendeiam os navios, e fogem rio acima em batéis.

Construiu-se então no porto, defronte ao Cabedelo (onde logo depois se levantou também uma fortaleza), o forte de São Filipe, onde se pôs uma guarnição de uns cem homens, com três navios, tudo sob o comando de um Castejon, ou Castrejon.

Com a retirada do grosso das tropas, foi o forte de São Filipe tornando-se alvo de insistentes agressões dos selvagens, açulados pelos franceses. O ouvidor-geral Martim Leitão, que foi incansável naquele intento de defender a terra, conseguiu mandar algum socorro àquela guarnição em apertos.

3 - Quando se soube, porém, que o grande chefe Piragibe, no seu profundo ressentimento contra os portugueses (pelo que sofrera no tempo de Luís de Brito) resolvera aliar-se aos potiguares,   houve alarma geral em Pernambuco, e pregou-se em aflições a jornada da Paraíba, a cuja frente se pôs o próprio Martim Leitão,

Em princípio de março (1585) marchou para o Norte aquele "exército — diz Fr. Vicente — que foi a mais formosa coisa que nunca Pernambuco viu, nem sei se verá"...

Só a presença destas forças bastou para afugentar o gentio e os traficantes.

Tendo varrido de inimigos toda a várzea do Paraíba e redondeza, voltou Martim Leitão para Pernambuco, deixando no forte de São Filipe, fortemente provido de tudo, o mesmo Castrejon e Pedro Lobo.

Em Pernambuco e Itamaracá o sucesso da jornada reanimou as populações, e muitos colonos pensaram logo em ir aventurar pelas terras novamente conquistadas.

Mal se persuadiam, no entanto, de haver ampliado horizontes para o norte, quando se recebe notícia de que o comandante espanhol estava em discórdia com a gente do forte e da povoação. E não demorou que chegassem a Itamaracá muitos debandados de São Filipe, e logo atrás destes o próprio Castrejon, declarando que havia destruído o forte, e desamparado aquele posto, porque se via sem recursos e sem inimigos...

Em tal conjuntura é ainda o infatigável Ouvidor-Geral quem levanta os ânimos, e organiza às pressas uma nova jornada.

Dá-se neste momento uma circunstância imprevista que vem concorrer muito para facilitar a obra dos colonos no rumo em que vão agora. Estava para partir a nova expedição, quando chegam a Pernambuco dois índios, procurando o Ouvidor-Geral da parte do chefe Piragibe.

Havia sido este tratado afrontosamente pelos potiguares; e em grande despeito contra estes, propunha paz, e pedia contra aquelas hordas tremendas o socorro dos pernambucanos.

Apressou-se Martim Leitão em mandar o capitão João Tavares ao encontro do chefe tabajara. Numa caravela com vinte homens de guerra saiu Tavares; e no dia seguinte (3 de agosto de 1585) encontrava-se com Piragibe exatamente no ponto em que se ia situar a povoação que é hoje a capital do Estado da Paraíba.

4 - Como este acordo era da maior importância para a colônia, a instâncias da população, partiu solícito para o Norte o Ouvidor-Geral, a fazer efetiva e solene aquela paz.

Lançou Martim Leitão os fundamentos da cidade, fazendo construir ali um novo forte, em cujo comando investiu a João Tavares. Foi em seguida até à baía da Traição, expelindo daquelas paragens o gentio hostil e seus aliados.

É assim que este homem completava as suas funções de juiz com as de "general da conquista", como o intitula Fr. Vicente.

Mas estava longe ainda de normalizar-se a ocupação da Paraíba.

Em 1586 viera da metrópole, para comandar o forte recentemente fundado, um Francisco de Morales. Repetiu este, ali, os desastramentos de Castrejon, expulsando do forte a João Tavares, e pondo-se em conflito com os pernambucanos e os índios aliados.

Os potiguares e os franceses, que só espreitavam aqueles momentos de discórdia para recuperar o terreno perdido, começaram logo a reaparecer pela costa, afoitando-se até às vizinhanças do forte.

Sentindo os perigos, abandona Morales inesperadamente o posto; e ainda uma vez teve Martim Leitão de acudir à Paraíba. Ali bateu de escarmentos o bárbaro e seus sócios, levando-os de vencida até para além da baía da Traição.

De volta, para mais segurança dos colonos, fez Martim Leitão levantar um outro forte (São Sebastião) duas léguas rio acima; e para serventia comum dos moradores, construiu nas imediações um engenho de açúcar.

Agora, se não estava ainda feita integralmente a conquista da Paraíba, ao menos já se pode dizer que os portugueses tinham a sua guarda avançada naquele posto; até ali estavam únicos senhores do litoral e de boa parte do sertão.

Como se tem visto, é o esforço do próprio colono (e ainda aguentando com os entraves devidos à perda da soberania portuguesa) que alcança tais sucessos. E nesta investida sobre os potiguares e seus cúmplices, o grande vulto que se destaca, representando o espírito da terra, é o heroico Martim Leitão.

5 - É assim, pois, que se vai, aos poucos, penosamente, conquistando-a trecho a trecho, entrando naquela porção do país.

As jornadas iam levando por diante o selvagem infenso e o traficante.

Mal se assentavam tendas numa paragem desbravada, e já era preciso, sem descanso, investir o acampamento desmontado, que se instalara para além.

Entre os colonos, os mais intrépidos, andam como que instintivamente, naquele afano de legião, e marcham sempre na vanguarda, vivendo uma vida de guerra contínua, como em praça militar que se desloca dia e dia para a fronteira que recua, e abrindo, para a nova ordem que se organiza, a terra cada vez mais ampla.

Avança-se pelo mar e pelo sertão. Enquanto se leva o selvagem de montanha a montanha, tem-se de ir expelindo das enseadas concorrentes mais temerosos, e de ir fortificando e guarnecendo a costa, por onde vêm sempre os maiores perigos.

Só ali, na Paraíba, duraram as lutas mais de dez anos.

Agora, daquele posto estão os olhos voltados para as estâncias do Norte; pois da baía da Traição haviam os franceses passado à do Potengi e vizinhanças.

Mas o grande mal das discórdias, que sobrevinha a cada vitória, vai retardar a avançada naquela direção.

Além disso, o governo do país ressentira-se, durante uns quatro anos, dos inconvenientes de uma nova interinidade, em consequência do falecimento de Manuel Teles Barreto, em 1587.

A administração deste homem fora profícua, principalmente porque corrigira os desmandos de Cosme Rangel, pusera em ordem a terra, e cuidara da sua defesa.

Mas, para alongar a interinidade que se abrira, aconteceu que o governador nomeado para suceder a Teles Barreto, Francisco Giraldes, em viagem para cá, estando já à vista da costa, fora impelido para o norte por tormentas, e teve de voltar para o reino, lá falecendo.

Só por meados de 1591 chegou à Bahia o novo Governador-Geral, D. Francisco de Sousa, a cujos esforços vai dever o Brasil os melhores serviços, principalmente no aumento da conquista e na exploração do interior.

6. Na capitania da Paraíba já se haviam estabelecido muitos colonos, entre os quais alguns que tinham feito fortuna no Brasil, e que não cessavam de clamar contra as contingências em que os punham os franceses do Rio Grande.

Nesse sentido trouxera ordens positivas o novo Governador, e recomendações insistentes o capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem.

Incumbiu-se logo este de organizar e dirigir uma grande expedição, composta de forças de mar e de terra. Marchou Mascarenhas com quatro companhias, sob o comando de Jerônimo de Albuquerque, e foi na Paraíba encontrar-se com as forças de mar.

Na Paraíba reuniu-se à gente de Jerônimo um poderoso reforço de Feliciano Coelho (portugueses, mamelucos e índios de Piragibe) e dali seguiu para o Norte o exército de terra, enquanto Mascarenhas foi com a esquadrilha encontrar-se com Jerônimo já na barra do Rio Grande.

Ali desembarcou toda a força, e deu-se logo princípio à construção de um forte.

Não tardou, porém, que se apresentassem os potiguares, dirigidos por franceses, a hostilizar, com desusada veemência, os ocupantes. Chegaram os apertos a tal extremo que os do forte em construção só não se arriscaram a uma retirada desastrosa porque foram socorridos a tempo.

Mesmo agora, reforçados, tinham de combater todos os dias e a todas as horas, revezando-se as turmas na defensiva e nas obras de fortificação. Até que se foram amainando aquelas refregas.

Concluído o forte, ali ficou Jerônimo de Albuquerque com a sua gente, enquanto Coelho e Mascarenhas voltavam para as respectivas capitanias.

7 - Já experimentado nas guerras passadas, e nos processos mais eficazes contra o gentio, valeu-se então, Jerônimo de Albuquerque, do concurso dos missionários.

Com muita felicidade, conseguiu chamar a si vários chefes potiguares daquelas regiões, entre os quais o velho Poti, patriarca de uma família de heróis, que vieram a celebrizar-se nas lutas dos colonos contra estrangeiros.

Quis D. Francisco de Sousa que fossem aquelas pazes comemoradas como um grande acontecimento; e assim se fez, indo especialmente ao Rio Grande, para assistir ao ato oficial da aliança, o capitão-mor de Pernambuco, Mascarenhas Homem, e Alexandre de Moura, o ouvidor-geral Brás de Almeida, Feliciano Coelho e muitos outros capitães.

Lançou então, Jerônimo de Albuquerque, as bases de uma povoação a que deu o nome de Natal, em honra do dia em que se inaugurava ali a igreja que se havia edificado (1599).

Não se limitou o governador D. Francisco de Sousa a adiantar a conquista até o Rio Grande do Norte; renovou ainda algumas, e construiu outras fortificações na costa; e com solicitude especial, deu impulso a descobertas de minas no interior.

Para isto, enquanto se avançava da Paraíba para o Rio Grande (em 1598), visitava o Governador as capitanias do Sul até São Vicente, onde providenciou sobre explorações em várias partes do sertão. Em 1608 foi ainda D. Francisco de Sousa nomeado Governador da Repartição do Sul. Mas agora, em vez de administrar, parece que só se preocupa com o problema das minas.

Em 1602 sucedeu a D. Francisco de Sousa no governo geral, Diogo Botelho.

Este, no intuito de apressar a conquista do Norte, vem direito a Pernambuco. Vem com ele nesta ocasião, como sargento-mor do Estado, Diogo de Campos Moreno, o qual se tomou em seguida uma das grandes figuras da nossa história, particularmente na conquista do Maranhão.

No tempo deste governador, propõe-se Pero Coelho de Sousa realizar o que Frutuoso Barbosa não havia conseguido; isto é, a conquista do Ceará por empresa sua.

Foi este mais feliz que o outro; mas a própria gente lhe criou entraves, e teve por fim de desistir de tudo.

Deixamos aqui, portanto, a solução que se procura: a ânsia do colono, mais que a ação oficial, espera no Rio Grande a oportunidade de avançar para além.

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