6/21/2018

Temas Poéticos: AMOR I


LUÍS DELFINO
“Imortalidades” (1941)

O AMOR

O amor!... Um sonho, um nome, uma quimera,
Uma sombra, um perfume, uma cintila,
Que pendura universos na pupila,
E eterniza numa alma a primavera;

Que faz o ninho, e dá meiguice à fera,
E humaniza o rochedo, e o bronze, e a argila,
Sem o afago do qual Deus se aniquila
Dentro da própria luminosa esfera.

A música dos sóis, o ardor do verme,
O beijo louco da semente inerme,
Vulcão, que o vento arrasta em tênues pós:

Curvas suaves, deslumbrantes seios
De vida e formas variegadas cheios,
É o amor em nós, e o amor fora de nós.

  ★★

O AMOR E A ETERNIDADE

Helena, o amor não é um sol bendito,
Não é o idílio dentro de uma gruta;
É o abismo sem fundo, é a treva abrupta,
Que se abre em longo e doloroso grito;

É andar neste exício em que me agito;
É conhecer a dúvida na luta;
Fala o universo, e temeroso o escuta
O amor, o pobre escravo do infinito.

Não ela dor, a dor de idade em idade;
Quem não ama, e interrompe o pensamento
De um Deus, emenda-o, e nele enfim se evade.

Não é mais folha solta entregue ao vento:
é com amor a vida a eternidade,
É sem amor a vida um só momento...

  ★★ 

AMOR EXTINTO

É preciso tratar bem a ventura:
Se eu te arrancasse o meu amor, querida,
Deixaria em teu flanco uma ferida,
Por onde, com teu sangue de mistura,

Saíra morta a tua formosura,
E entrara a dor, verme agarrado à vida:
A chaga cerra; a cicatriz perdura:
Nem tu, nem mais ninguém o caso olvida.

Está sempre o estigma ali, sempre ali fala,
Cipo de um templo em pé, de heras coberto,
Junto à tristeza insólita, que exala

Outra maior talvez, de haver por perto
Um esqueleto grande em larga vala,
Um império enterrado num deserto!...

 ★★

AMOR E MOCIDADE

Tem, Helena, no amor o seu poema
À mocidade: é o seu idílio eterno,
Que faz chorar, que faz que a voz nos trema,
Que faz que se tirite em frio inverno

Na quadra do prazer, ante o galerno
Quente e cheiroso da estação suprema
Dos risos, em que o azul é suave e terno
E o sol no meio é coruscante gema.

Então as folhas límpidas da vida,
Uma a uma ela a juventude esfolha:
E uma aqui, outra ali lá jaz caída

Por vergéis e caminhos, que após molha
Com prantos, quando volve atrás e olha,
Sem ver mais uma só visão querida...

 ★★

AMOR SEM FIM

Amor nos leva ao céu da vez primeira;
Amor é o mesmo em todas as idades:
Momentos cheios de imortalidades
Amor nos dá de insólita maneira.

Orfeu nos montes, Pã na selva inteira
Cantando o amor, e as suas variedades,
Deram-lhe uma áurea e triunfal carreira,
Templos lhe erguendo brenhas e cidades.

Nasceu, Helena, o nosso amor eterno:
Foi primavera; não terá inverno:
Como nasceu, há de viver assim.

O nosso amor divinamente humano
De instante, e hora, e dia, e mês, e ano
Há de ir, sem ter jamais parada ou fim.

  ★★

AMOR ETERNO

Testemunhas sois vós, astros supernos!
Enquanto eu tiver sede, e tu quiseres,
Eu tenho em ti milhares de mulheres,
Helena, ricos mananciais eternos,

Sempre novos. Não pode haver invernos,
Enquanto meus prazeres tu fizeres;
Enquanto tu me dês quanto tiveres,
E me prometem teus olhares ternos.

É tua toda minha vida; é tua
Mesmo já quando o sol não doire a esfera,
Quando a noite não veja a luz da lua,

Pois fundir-nos em Deus amor espera,
E aí seremos sempre era após era,
Quando Ele, enchendo o espaço e só, flutua.


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