Um rato fazedor de grande ideia
de si mesmo, vivia esperando ocasião de realizar coisas que mostrassem a sua
importância. Certa noite acordou de sobressalto. A casa estava queimando. O
rato ficou aflitíssimo, sem saber como escapar.
As labaredas, porém, cresciam
e ele teve de resolver-se; ou ficava ali, e morria assado, ou escapava. Fechou
os olhos e lançou-se ao fogo.
Mas; sem saber como, não se
queimou. Achou-se lá fora, sem o menor tostadinho no pelo. Isto o encheu de
enorme orgulho.
— Qual! Sou mesmo diferente
dos outros. Nem as chamas têm coragem de me queimar...
Passeou por ali uns instantes
e voltou a ver o estado do incêndio. Só então percebeu que não tinha havido
incêndio nenhum. Os raios do sol, que se iam erguendo, é que lhe deram a
impressão de fogo.
O rato suspirou. A sua
importância não era o que ele havia suposto. Mas que fazer para provar tal
importância?
A pouca distância havia um
morro altíssimo.
— Eis uma boa façanha para um
rato como eu: dar um pulo e cair lá em cima do morro!
Preparou cuidadosamente o pulo
e pulou. Novo desastre. Em vez de alcançar o alto do morro, caiu em cima dum
montinho de areia, a seis palmos de distância.
O rato entristeceu. Estava
custando a provar ao mundo a sua importância.
Olhou. Viu um lago que lhe
pareceu enorme. Foi para lá. Mediu a distância.
— Se consigo atravessar a nado
este aguão, todos os animais têm que reconhecer em mim um verdadeiro herói.
Lançou-se à água, nadou, e por
fim chegou ao meio do lago. Sentia na cauda o peso de milhares de peixes
agarrados a ela. Estava já cansadíssimo, de modo que teve de empregar todas as
forças para chegar à margem oposta. Chegou, afinal. Uf!
— Canseira assim jamais senti.
Mas não é para menos. Acabo de atravessar um dos maiores lagos do mundo.
Prestando melhor atenção,
porém, viu que não havia atravessado lago nenhum, e sim uma pocinha lamacenta.
Os tais peixes que se agarraram à sua cauda não passavam de vermes da lama.
O rato ficou aborrecidíssimo,
mas mesmo assim não abandonou o plano de fazer grandes coisas.
Longe dali havia um pau, que
lhe deu a ideia de estar espetado no céu. "Oh; lá está uma grande coisa a
fazer. Visivelmente aquele pau está sustentando o céu. Se eu o derrubar, o céu
cai. O mundo inteiro ficará esmagado, mas eu provarei a minha
importância."
Foi. Examinou bem o pau e
depois abriu um buraquinho para esconder-se quando o céu viesse caindo. Feito
isso, pôs-se a roer a madeira. Roeu, roeu, roeu, e quando viu que o pau estava
cai não cai, correu a esconder-se no buraco.
— Pobre mundo! Vai ficar
inteirinho achatado pelo céu!...
Esperou uma porção de tempo.
Não ouviu barulho nenhum.
— Que será que houve?
Talvez o céu ficasse
enganchado na lua — e com mil cautelas botou a cabeça fora do buraco, para
espiar.
Que desapontamento! O céu azul
lá estava no lugar de sempre, com um grande sol no meio. O ratinho olhou para o
pau caído: era uma simples vara.
O ambicioso sentiu grande
tristeza, mas não desanimou. "Hei de fazer uma coisa grande, custe o que
custar. Hei de transportar este monte daqui para o oceano." Disse e pôs-se
ao trabalho. Foi furando o monte e carregando a terra aos bocadinhos até o mar.
Passou nisso anos e anos, até que um dia olhou e não viu mais o monte. Ele
realmente o havia transportado para o mar.
— Hum! Agora compreendo como
se fazem as grandes coisas. É à força de muito trabalho e muita paciência.
E morreu feliz por haver
realizado um sonho de grandeza.
***
— Bravos aos esquimós! —
gritou Emília. A historinha deles está mais suculenta que todas as contadas até
agora.
— Na verdade, este conto
encerra uma preciosa lição — disse dona Benta. — Não há obstáculos que a
paciência não domine. E até houve um grande pensador que disse: "O gênio é
uma longa paciência."
— Mas, vovó, então tais
esquimós são bem adiantadinhos. Para inventar histórias com lições como essa, é
preciso que tenham boa cabeça.
— Pudera não! — gritou
Pedrinho. — Eles só comem peixe. Peixe contém fósforo. Fósforo é sinônimo de
inteligência.
— Mas se é assim — disse
Narizinho — por que não progridem?
— Ah, minha filha, os esquimós
já fazem o maior dos milagres vivendo naquela terra de gelos infinitos. Não há
por lá vegetação nenhuma, a não ser, em certos pontos, a tundra, que é um
tapete rasteiro de musgos e líquens. Isso dum povo desenvolver-se exige coisas:
terras boas para culturas, clima agradável, cem fatores favoráveis. Para mim
não há heroísmo maior do que o das tribos que passam a vida nos gelos. Brrr!...
— Bom. Conte outra dum país
frio — da Rússia, por exemplo. E dona Benta contou a história dos "Peixes
na floresta".
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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