Era um camponês que tinha uma
esposa muito faladeira. Um dia em que ele achou um tesouro enterrado na
floresta, trouxe-o para casa e disse à mulher:
— Acabo de descobrir uma
grande fortuna, mas temos de escondê-la. Onde será?
A mulher achou melhor
enterrarem o tesouro debaixo do assoalho da isbá em que moravam. O camponês
concordou. Mas assim que a mulher foi ao poço buscar água, tirou o tesouro dali
e escondeu-o em outro lugar.
— Mulher, mulher — disse o
camponês — é preciso que ninguém saiba que temos este tesouro aqui debaixo do
assoa lho. Muito cuidado com a língua, ouviu?
Mas como não tinha a menor
confiança nela, armou um plano.
— Olhe, amanhã iremos à
floresta apanhar peixes. Dizem que estão aparecendo em quantidade.
— O quê? Peixes na floresta?
Onde já se viu isso?
— Na floresta você verá.
Madrugadinha o camponês
levantou-se e foi à vila. Comprou uma porção de peixes, uma porção de aletria e
uma lebre. Passou depois pela floresta, espalhando tudo aquilo em vários
pontos. A lebre ele fisgou num anzol de linha comprida e jogou n'água.
Chegando em casa, almoçou e
convidou a mulher para irem à floresta. Foram. Que beleza! Peixe por toda
parte, um aqui, outro ali, outro acolá. A mulher, com gritos de surpresa, ia
acomodando a peixada na cesta.
Depois deu com a aletria
pendurada de uma árvore.
— Olhe, marido! Aletria
pendurada em árvore!...
— Não me espanto de coisa
nenhuma — disse o homem. — Nestes últimos dias tem chovido muita massa dessa,
que fica assim pendurada das árvores. Mas a gente da aldeia já apanhou quase
tudo.
Nisto chegaram à lagoa, onde
ele jogara a lebre.
— Espere um pouco, mulher.
Esta manhã pus aqui uma linha de anzol com isca para lebre d'água. Vou ver se
apanhei alguma.
Puxando a linha apareceu no anzol
uma lebre.
— Como é isso? — gritou a
mulher. — Lebre d'água? Que coisa espantosa! Nunca ouvi dizer de lebre que
morasse em água!...
— Nem eu, mas o fato é que
pesquei uma.
Voltaram para casa com aquela
lindíssima colheita e a mulher passou o dia a preparar os peixes e a lebre.
Uma semana depois em toda a
redondeza só se falava no tesouro que o camponês descobrira. As autoridades
mandaram chamá-lo.
— É verdade que achou um
tesouro na floresta? O camponês riu-se.
— Tesouro, eu? Ah, quem me
dera achar um!
— Mas sua própria mulher anda
assoprando no ouvido de toda gente que você achou um tesouro e o escondeu
debaixo do assoalho da sua isbá.
— Minha mulher anda a dizer
isso? Coitada! É uma louquinha que não sabe o que diz.
— É verdade, sim! — gritou a
mulher, furiosa. — Ele achou um tesouro, que eu ajudei a enterrar debaixo do
assoalho! Louca, eu! É boa...
— Quando foi isso? — perguntou
o camponês.
— Na véspera daquele dia em
que juntamos peixe na floresta.
— Peixe na floresta? — repetiu
o homem, fazendo cara de não entender.
— Sim. No dia em que choveu
aletria e você pescou uma lebre d'água.
As autoridades convenceram-se
de que a mulher era mesmo louca, e como na busca que deram nada encontrassem
debaixo do assoalho da isbá, o caso morreu. O camponês esfregou as mãos, de
contente.
— Veja se eu fosse me fiar
nela! Estava hoje desmoralizado e com o meu rico tesouro perdido...
***
— Que complicação para chegar
a esse resultado! — exclamou Narizinho.
— Esse camponês sabia a mulher
que tinha.
— E que grande maroto! — disse
Pedrinho. — Logrou a mulher, logrou as autoridades — logrou todo mundo. Freguês
mais escovado ainda não vi.
— E isbá, dona Benta, que é? —
perguntou Emília.
— É o nome das casas da roça
lá na Rússia, em geral de madeira. Casa de roça, aqui nós chamamos rancho, casebre,
casa de sapé, mocambo e outras coisas assim. Lá é isbá.
— Gostei da história dos
russos — disse Narizinho. — Está pitoresca. Vamos ver outra de lá mesmo.
— Não. Para variar contarei
uma de outra terra muito fria, a Islândia.
E dona Benta contou a história
de "O cormorão e o êider".
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Notas:
Extraído da obra: Histórias de Tia Nastácia.
Transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
Conto muito bom. Li quando criança no livro Os Melhores Contos Infantis. Parabéns por postar!
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