10/16/2018

Um poema de Tagore


Autor: Rabindranath Tagore
Tradutor: Olegário Mariano
Ano: 1921.
Um poema de Tagore

Lembro-me bem. Criança ainda. Um dia
De julho úmido e frio
Fiz flutuar
Um barco de papel na água de um rio...
E era feliz com a minha fantasia.

De súbito no céu as nuvens se toldaram,
Soprou com fúria o vento e a chuva e o vento
Em bátegas passaram...
O barco de papel soçobrou num momento.

Pensei com funda e trágica amargura
Que a tempestade viera unicamente,
Deliberadamente,
Para inutilizar minha ventura.

Desde esse dia que vai longe no passado,
Medito horas a fio
No quanto em tudo tenho fracassado...

Quero culpar alguém pela inclemência
Do Destino sombrio,
Mas me vem a reminiscência
Do barco de papel que soçobrou no rio.

***

Meu amor! meu amor! liberta-me da teia
Do teu encanto, do teu carinho.
Não quero mais o capitoso vinho
Do teu beijo volúvel de sereia.

Esta nuvem de incenso me sufoca.
Abre as janelas, de par em par:
Deixa a luz da manhã gloriosamente entrar.

Perdi-me no teu corpo de delícias
Envolto na onda flava das tuas carícias.

Liberta-me do teu encantamento,
À humanidade restitui-me para, então,
Numa oferenda de agradecimento
Dar-te, livre, o meu coração!

***

Se assim queres, amor,
Acabarei minha canção.
Se escondes no coração
Algum íntimo desgosto,
Retirarei os meus olhos
Do teu rosto...

Se o teu andar te atemoriza,
Ficarei sozinho
E seguirei outro caminho...

Se te confundes a colher as flores
Que te falem de mim,
Evitarei de andar perto do teu jardim.

Se a água toda se agita e em volúpia se abrasa,
Não reinarei jamais meu barco
Perto da tua casa...

***

Tento toda a manhã tecer uma coroa
Votiva, mas as flores dos balsedos
Deslizam pelos meus dedos
E vão caindo à toa...

Tu sentada a meu lado, o lábio mudo,
Olhas com uns olhos de profundo espanto.
Pergunta, a eles que brilham tanto,
Quem tem a culpa de tudo...

Tento cantar uma cantiga,
Sorris. Um sorriso dissimulado...
Pergunta por favor a esse lábio dourado
Quem tem a culpa do fracasso, minha amiga.

Deixa que os lábios teus digam num juramento
Como foi que morreu minha voz extasiada,
Semelhante a uma abelha embriagada
Na corola de um lótus macilento...

Anoiteceu. Hora em que as flores, de fadiga
Se fecham para um sono breve...
Permite que me sente a teu lado
E que meu lábio trêmulo te diga
Tudo quanto dizer em êxtase se deve
À luz dos astros, sob um céu claro e estrelado...

***

Colhi também as flores deste mundo,

Apertei-as ao peito com ansiedade,
Mas os espinhos me feriram fundo.
Quando o dia findou, vi, comovido,
Que as flores tinham morrido...
Só a flor me ficara por saudade.

Nascerão outras flores perfumadas
Como no céu renovam-se as estrelas:
Mas para mim que tenho as mãos geladas
Passou o tempo de colhê-las.

Dentro da noite, em vez das rosas que encantaram
Sinto a dor que os espinhos me deixaram...

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