

A fila
Estava
impaciente e visivelmente nervoso. Há duas horas velava na fila sem qualquer
expectativa de ser atendido. Um cartaz afixado próximo ao local alertava que o
atendimento estava suspenso por dificuldades técnicas, acrescentando ainda que
não havia previsão para seu restabelecimento.
Levantou-se
ansioso e trêmulo de raiva... Andou de um lado para outro... Balbuciou alguns
palavrões... Por alguns instantes teve ímpetos de ir embora e desistir de tudo.
Logo, porém, lembrou-se das dívidas, do aluguel atrasado, da cláusula quinta do
Contrato... Então se resignou à sorte, sentou-se outra vez e enfronhou-se num
silêncio triste e sufocado.
Assim
permaneceu durante algum tempo, taciturno e imerso em si próprio. De repente,
ergueu-se de súbito, olhou em volta de si e deu alguns passos em direção à
porta, ficando estacionado diante dela por alguns minutos, mirando-a com um
olhar desesperado, como se quisesse abri-la e sair em disparada pela rua à
fora. Andou um pouco e, bruscamente, parou rente à parede, de onde passou a
observar as pessoas ao seu redor, uma a uma, fixando seu olhar numa mulher que,
entre tantos outros, também aguardava na fila de espera.
Era uma
senhora alta e gorda, aparentando mais de quarenta anos da idade, cujo
semblante fazia transparecer uma mescla de cansaço e desespero, aspecto este
que lhe chamou atenção, pois era como se fosse o retrato fiel de sua própria
alma cativa e angustiada.
Esta aparente
correlação de sentimentos entre ele e a estranha, amimou-o a ir ter com ela, a
fim de puxar uma conversa, afinal, pensou em sua mente perturbada, nada tinha a
perder e, ademais, seria uma maneira assaz interessante de ajudar a passar o
tempo.
Cautelosamente
aproximou-se dela sem dizer uma só palavra, e assim esteve durante alguns
minutos, quando, enfim, rompeu o silêncio, perguntando-lhe se jazia no local
desde o início do expediente, ao que ela respondeu que sim, que fora a segunda
pessoa a chegar e que se encontrava ali desde as quatro horas da manhã, que não
entendia porque demorava tanto para ser atendida, e suspirou impaciente, o que
se fez notar pela aspereza e palidez do seu rosto triste e fatigado. Ele, por
sua vez, disse que, não fora a necessidade, já teria ido embora há tempo, pois
não suportava filas, e só por isso é que se submetia a tão degradante
aviltamento.
— É um
absurdo! exclamou com a voz transtornada, completando num tom de desabafo:
pagamos nossos impostos, cumprimos nossos deveres, obedecemos às leis
constituídas, mas quando precisamos deles nos tratam como bichos sem qualquer
dignidade.
Ela concordou
com tudo, e culpou a burocracia, a incompetência dos políticos, a falta de
respeito pelo cidadão etc.
As ideias e as
palavras iam assim entre o desabafo dele e a indignação dela, quando
repentinamente foram interrompidos por um homem de estatura mediana, pálido,
barba por fazer e trajando roupa própria da repartição, o qual anunciou com voz
seca e dura que o expediente se encerraria dentro de uma hora, justificando que
a medida se devia a um problema técnico que impossibilitaria a continuidade do
atendimento.
Por um momento
o ambiente fora tomado por exasperações de vozes, xingamentos e ameaças. Acuado
e todo trêmulo, o empregado correu por um corredor escuro, e dali adentrou numa
pequena sala, onde permaneceu trancafiado até cerrarem as portas do recinto.
Lá fora, o
grupo dispersou-se rapidamente. Ele e ela, porém, pareciam dispostos a não
arredar o pé do local. Não iriam sair dali enquanto não fossem atendidos e,
caso necessário, vociferavam nervosos, pernoitariam por lá até o dia seguinte.
Veio a noite,
correram as horas e ambos se conservavam sentados num velho banco da Praça, um
ao lado do outro, num silêncio confuso e prolongado. Em certo momento, já no
limiar da madrugada, como se já se conhecessem em outros tempos, fixaram os
olhares entre si e sentiram um breve tremor de artérias. Então se deram as
mãos, as bocas confusas tocaram-se entre batalhas de veias e reboliços de
ancas, culminando numa estranha sensação de sono e delírio.
Quando
acordaram pelo romper da manhã, estavam tão juntinhos que pareciam pegados.
Ergueram-se num salto desesperado ante os olhares curiosos de uma fileira de
gente que se retorcia como cobra e que se perdia de vista no resplendor da
aurora.
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