

A VACA NA SALA
Acordou com a luz do sol entrando pela frincha da janela do quarto.
Sentia-se
moído e sonolento. Tinha dormido mal toda a noite e tivera pesadelos horríveis,
sendo que o último permanecia impregnado na sua memória como se fossem trechos
de uma ficção de H. G. Wells ou como se constituísse cenas fantásticas de uma
trama de Steven Spielberg.
Há
um ano que morava sozinho ali, uma vez que a mulher o havia abandonado para ir
viver com os pais no interior.
Aprontou-se
em poucos minutos e ia descendo às escadas apressadamente quando, estupefato,
avistou lá de cima uma vaca deitada bem ao pé do último degrau, na sala. O
animal parecia dormir, pois tinha os olhos cerrados, não obstante se mexesse de
um lado para o outro com a respiração ofegante, como se também tivesse sonhando
pesadelos.
Aquela
circunstância lhe era tão extraordinária que por alguns instantes acreditou
tratar-se do prolongamento de seus delírios noturnos. Então pouco a pouco foram-se-lhes
reproduzindo na memória todos os detalhes do terrível pesadelo. Lembrou-se que
era um enorme centauro com rosto e torso de mulher, cujos seios, sangrando,
arrastavam-se pelo chão, sendo sugados com voracidade por dois grandes répteis,
os quais se contorciam de fome e soltavam uivos dilacerantes.
Perplexo
e tomado por um sentimento de terror permaneceu ali imóvel e sem saber que
fizesse. Ao cabo de alguns minutos despertou de sua imobilidade, girou em torno
de si mesmo, dirigindo-se em seguida ao quarto, onde ficou andando de um lado
para o outro como se tivesse perdido o juízo. Seu corpo suava e tremia. Ficou
pálido. Sua pressão aumentou.
Assim
esteve durante algum tempo, quando, de súbito, retornou novamente em direção à
escada, na expectativa de que a suposta ilusão se lhe desvanecesse da vista. Ao
voltar os olhos para a sala, notou porém que a vaca ainda estava lá e que já
não dormia mais. O ruminante, notando a presença dele, fitou-lhe seus grandes
olhos e soltou um pequeno mugido que o fez afastar apavorado.
Visivelmente
atordoado, por ali permaneceu mais algum tempo imerso num emaranhado de
pensamentos confusos, quando, já resignado, conscientizou-se de que a vaca não
era fruto da sua imaginação. Ela de fato existia e estava ali afrontando sua
capacidade de raciocínio, limitando sua locomoção e desafiando o seu apurado
senso de lógica.
Que
havia de fazer?
Tomado
de uma terrível sensação de impotência, não conseguia aventar nenhuma ideia ou
ação que pudessem culminar num desfecho para aquela bizarra situação.
De
repente passou a resmungar palavras sem nexos como se tivesse imitando o
ruminar do próprio bicho, o qual se mantinha todo o tempo deitado e de olhos
arregalados, ignorando completamente toda aquela intimidação. Descalçando um
sapato do pé, ameaçou lançá-lo abaixo, mas logo freou seu ímpeto agressivo
diante da passividade do grande mamífero.
Contida
a fúria momentânea, sentou-se no topo da escada onde se conservou em total
silêncio por alguns minutos. Nisso a vaca levantou-se e ele, num salto para
trás, ergueu-se também. Em pé, passou então a acompanhar fixamente cada
movimento do animal, o qual, depois de um breve lapso de tempo, desapareceu por
inteiro do seu campo de visão.
Sentindo-se
aliviado, voltou correndo ao quarto para pegar a pasta e a chave do carro. À
porta do aposento estancou atônito ao ver diante de si a mesma vaca, deitada ao
pé da cama e dando mama a dois pequenos bezerros.
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