11/02/2018

A mosca e a formiguinha (Fábula), de Monteiro Lobato






A mosca e a formiguinha
— Sou fidalga! — dizia a mosca à formiguinha que passava carregando uma folha de roseira. Não trabalho, pouso em todas as mesas, lambisco de todos os manjares, passeio sobre o colo das donzelas — e até me sento no nariz. Que vidão regalado o meu...
A formiguinha arriou a carga, enxugou a testa e disse:
— Apesar de tudo, não invejo a sorte das moscas. São mal vistas. Ninguém as estima. Toda gente as enxota com asco. E o pior é que têm um berço degradante:nascem nas esterqueiras.
— Ora, ora! — exclamou a mosca. Viva eu quente e ria-se a gente.
— E além de imundas são cínicas — continuou a formiga. Não passam dumas parasitas — e parasita é sinônimo de ladrão. Já a mim todos me respeitam. Sou rica pelo meu trabalho, tenho casa própria onde nada me falta durante o rigor do mau tempo. E você? Você, basta que fechem a porta da cozinha e já está sem o que comer. Não troco a minha honesta vida de operária pela vida dourada dos filantes.
— Quem desdenha quer comprar — murmurou ironicamente a mosca.
Dias depois a formiga encontrou a mosca a debater-se numa vidraça.
— Então, fidalga, que é isso? — perguntou-lhe.
A prisioneira respondeu, muito aflita:
— Os donos da casa partiram de viagem e me deixaram trancada aqui. Estou, morrendo de fome e já exausta de tanto me debater.
A formiga repetiu as empáfias da mosca, imitando-lhe a voz: “Sou fidalga! Pouso em todas as mesas... Passeio pelo colo das donzelas...” e lá seguiu o seu caminho, apressadinha como sempre.
Quem quer colher, planta. E quem do alheio vive, um dia se engasga.


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Fonte:
Do livro "Fábulas e Histórias diversas"
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018)

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