A VELA AZUL
Embora
confessasse publicamente sua descrença nas religiões e nos deuses, tinha por
hábito acender uma vela toda sexta-feira.
Não
o fazia, porém, por algum dever místico ou religioso. Quando questionada sobre
as razões de tão estranho hábito, respondia apenas que agia assim por se sentir
bem. "Só por isso", concluía sem mais explicações.
Na
sua “liturgia” usava sempre vela da mesma cor, que era acesa sempre no mesmo
lugar, sobre uma pequena mesa de mogno, caprichosamente posta ao lado da cama
em que dormia.
Essa
prática remonta aos seus trinta anos, e não teve, na época, nenhuma motivação
especial. Estava bem de saúde, ganhando um bom salário e apaixonada, ou como
gostava de dizer às amigas, “loucamente apaixonada”.
Aconteceu
naturalmente após um apagão na rede elétrica. Ficou tão deslumbrada e fascinada
com o clarão dos cílios que nunca mais quis se desfazer dele. De lá para cá,
podia faltar tudo em casa, menos velas azuis.
É
preciso dizer que ela não se sentia nem um pouco constrangida pelas constantes
interpelações das visitas. “Ora, por que o simples ato de acender uma vela
precisa significar algo especial?” indagava com tranquilidade aos seus
questionadores.
Não
pensava da mesma forma sua indiscreta vizinha do lado, que sentia muito gosto
em espiar o “ritual da vela” pelas frestas da veneziana. Foi dela que partiu o
boato de que a “solteirona da casa azul” realizava rituais de magia negra, e
que a prova de tal assertiva eram as velas que ela acendia à noite durante às
sextas-feiras.
"E
tem macho no meio!", alardeava sem qualquer pudor aos demais da
vizinhança. "Mas eu vou descobrir quem é o filho do cão-tinhoso",
acrescentava a gorda senhora, já com os seus nervos agitados.
E
de fato descobriu. Foi numa sexta-feira santa. Fazia um calor intenso.
Como de costume, a curiosa vizinha correu até a veneziana. Pela frincha observava cada movimento da janela ao lado. Munida de um binóculo que havia comprado especialmente para esta finalidade, concentrou seu olhar no “ritual”. Logo percebeu que a solteirona estava acompanhada por alguém. Era um homem gordo e também careca. Este estava sentado e de costa. Impaciente e cada vez mais curiosa, a bisbilhoteira deu um giro para a esquerda e aguardou mais um pouco. “Agora pego a sem-vergonha!” pensou. Reposicionou então a lente, encostando-a fixamente ao rosto. Súbito afastou para trás espantada e toda trêmula. Estava ali o seu próprio marido com um isqueiro na mão a acender uma vela azul, que a esta altura já cintilava na mão da outra.
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