11/02/2018

O burro juiz (Fábula), de Monteiro Lobato


O burro juiz
A gralha começou a disputar com o sabiá afirmando que sua voz valia mais que a dele. Como as outras aves se rissem daquela pretensão, a barulhenta matraca de penas gralhou furiosa:
− Nada de brincadeiras! Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. O sabiá canta, eu canto, e uma sentença decidirá quem é o melhor cantor. Topam?
− Topamos! – piaram as aves. Mas quem servirá de juiz?
Estavam a debater este ponto quando zurrou ao longe um burro.
− Nem de encomenda! – exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeiríssima ordem para julgamento da música, porque nenhum animal possui orelhas daquele tamanho. Concedemo-lo para julgar a causa.
O burro aceitou o juizado e veio postar-se no centro da roda.
− Vamos lá, comecem! – ordenou ele.
O sabiá deu um pulinho, abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam os sabiás, repicando os trinos mais melodiosos e límpidos.
− Agora eu! – disse a gralha, dando um passo à frente. E abrindo a bicanca matraqueou um berreiro de romper os tímpanos aos próprios surdos.
Terminada a prova, o juiz abanou as orelhas e deu a sentença:
− Dou ganho de causa a Dona Gralha, que canta muito melhor que mestre sabiá.
Quem burro nasce, togado ou não, burro morre.

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Fonte:
Do livro "Fábulas e Histórias diversas"Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018

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