

APOSENTADOS
Repentinamente
viu-se apreensivo como se aguardasse uma visita importante ou como se estivesse
na iminência de alguma notícia desalentadora. Permaneceu assim a semana toda,
inquieto e com a mente em completa divagação.
—
O que está acontecendo, homem de Deus? — indagou sua esposa um tanto
preocupada.
Ele,
porém, limitou a dizer que estava tudo bem e que não havia nenhum motivo para
preocupações.
—
Sossegue, mulher! Estou bem... estou bem...
À
medida que os dias iam passando, não só aumentava a inquietação da companheira
como, também, tornava-se cada vez mais visível o desassossego de espírito do
marido, que dormia mal e acordava sempre suando e sobressaltado.
Instado
a procurar um psiquiatra, irritou-se dizendo que não estava louco nem doente,
que não precisava de médicos e muito menos de remédios.
—
Ora, já não disse que estou bem?...
Mas
a coisa só piorava. No fim de um mês passou a se comportar de modo ainda mais
esquisito. Tão logo tomava café, dirigia-se até a sacada do apartamento e ali
ficava longo tempo a mirar fixamente o horizonte, e às vezes a manhã toda,
sentado e sem dizer uma só palavra.
—
Endoideceu de vez! — desabafou a pobre senhora com o cunhado, que lhe pedia só
um pouco mais de paciência.
—
Não há de ser nada. Tenha só mais um pouco de paciência. Prometo ir ter com ele
com a maior brevidade.
A
conversa durou apenas alguns minutos. O outro, porém, conteve-se e apenas
repetiu o que havia dito anteriormente à esposa, isto é, que não estava doente
e que não existiam razões para preocupações.
De
fato o irmão não notou nada que pudesse indicar alguma debilidade física ou
mental, somente um pouco de melancolia, que poderia ser apenas uma forma que
ele encontrou para se adaptar à sua nova vida de aposentado. Desta forma,
conformaram se todos com a situação ou fingiam deliberadamente que estava tudo
bem.
Passados
três meses, acrescentou às suas manias, o estranho hábito de escrever em papel
de pão. Escrevia e rasgava, de modo que não se sabia de que se tratavam tais
inscrições. A mulher aventou a ideia de que poderiam ser poemas, uma vez que
ultimamente dera para ler e declamar em voz alta na sacada do prédio. Dava
preferência aos poetas portugueses, especialmente Bocage e Fernando Pessoa.
Concomitantemente
a esses hábitos, passou a tratar com novos modos a mulher. Às vezes
surpreendia-a com flores e outras delicadezas, algo que sempre vinha
acompanhado de galanteios e expressões poéticas.
Inicialmente
a boa senhora acatou com estranheza tais modos do esposo, porém logo se
acostumou e até se sentia feliz com tais bizarrices.
Aproximava-se
o inverno, quando recebeu a notícia de que sua senhora fora acometida de uma enfermidade
irremediavelmente fatal. Teria mais alguns meses de vida. O fato abateu-o de
tal forma a ponto de dizer com aparente convicção que morreria junto com ela.
***
Não
morreu ele. Ela, sim, faleceu nos seus braços numa fria madrugada de sexta-feira,
depois de um prolongado padecimento.
No velório mostrava-se inconsolável. Pediu para dizer algo e declamou entre lágrimas ardentes o poema “Beleza e Morte”, do português Bulhão Pato, que muita comoção causou entre os circunstantes:
Quando Deus à terra envia
Um anjo dos seus, é breve
A vida que lhe confia.
...................
Como a flor branca de neve
Que ao primeiro alvor do dia
No prado desabrochou,
Assim ela veio ao mundo,
E tão rápida passou,
Que deste rumor profundo
Nem um som, nem um gemido
Por esse anjo foi ouvido!
Nasceu, e sorrindo amou!
Quem ao vê-la tão ditosa
Tão feliz por ser amada,
E tão feliz por amar,
Bela, fragrante, viçosa,
Cheia de vida no olhar,
De luz na face encantada;
Quem diria que esse amor
Seria a chama fatal,
Que a devia enfim matar!?
Pobre florinha do vale,
Da aurora ao primeiro alvor
Nasceu, e sorrindo, amou,
Mas com a tarde... expirou!
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