1/13/2019

Emílio de Menezes: O grande satírico


O grande satírico
Não há quem não conheça, quem não aprecie as sátiras de Emílio de Menezes, aquele poeta e literato boêmio, grandão e gordalhão, que faz coisa de trinta ou quarenta anos, era a tesoura mais afiada, a língua mais viperina desta cidade.

Naqueles bons tempos podia o Rio ufanar-se de possuir um grupo de intelectuais muito interessante, grupo que se reunia à tarde na Colombo, na Pasqual, no Café Papagaio e alhures, e ali ficava horas a fio a tesourar a blaguear e a bebericar até à hora do jantar.

Desse grupo faziam parte o grande Olavo Bilac, o seu inseparável companheiro Guimarães Passos, o jovial Bastos Tigre, o impagável Luís Edmundo, o venenoso Leal de Sousa e muitos outros rapazes cultos, inteligentes, alegres e folgazões.

Sucede que, às vezes, Emílio chegava atrasado à reunião. Demorava-se em palestra com conhecidos que encontrava na Garnier, na Livraria Alves, nas calçadas Avenida ou em outros lugares. Quando isso acontecia, logo se lhe notava a ausência. O grupo não era o mesmo. Não possuía aquela vivacidade, aquele brilho, aquela alacridade costumeira, porque Emílio, não obstante fazerem parte do grupo vários poetas, literatos espirituosos, alegres e blagueurs, era o grande espetáculo, a “bola”, o dono da roda.

Muitas vezes — era eu então adolescente — vi-o subir a escada da Redação (que ficava num sobrado da Rua da Assembleia), e perguntar na Caixa, de onde se dominava os últimos degraus da escada:

— Ó Macedo, está aí o Schmidt?

Seu Macedo esboçava largo sorriso e, curvando-se exageradamente, respondia:

— Está, pode entrar.

Emílio subia então os últimos degraus e entrava na Redação.

Jorge Schmidt gostava loucamente de anedotas. Afirmava que não conhecia coisa melhor na vida do que “soltar uma boa gargalhada”.

Ainda me recordo de que, certa vez, Emílio escrevera um artigo engraçadíssimo, desses que fazem rir até às lágrimas, no qual visava certo amigo do fundador de “Careta”. Depois de o ouvir e rir à bandeira despregada, Schmidt apôs a chancela ao original e o mandou à composição, dizendo:

— Artigo deste quilate vale mais do que um amigo!...

Quando o nosso ex-diretor avistava o boêmio portas adentro, sorria contente e exclamava:

— Vem cá, canalha! Qual é a “boa” que traz hoje?

Emílio, cercado do pessoal da Redação, que lhe bebia as palavras como se fossem licor, contava a última.

As anedotas do Emílio eram sempre engraçadas e por isso faziam explodir os redatores em gargalhadas.

Emílio ia sempre levá-las a Schmidt, que as comprava, pagando generosamente. Depois de cada uma, Schmidt comentava:

— Esta não é das melhores. Enfim. Ó Macedo, pague por esta vinte mil réis.

Outras vezes, dizia:

— Esta é muito boa! Macedo, pague cinquenta!

Não era raro, entretanto, e muitas vezes o ouvi, depois de rir-se até não poder mais, dizer para o Caixa:

— Esta é “formidável”! Macedo, pague-lhe cem.

Emílio, que andava sempre “pronto”, metia a “gaita” no bolso e prosseguia:

— Agora tenho outra, que é daqui (e apertava a pontinha da orelha).

Mas, Schmidt interrompia:

— Não, não, deixe para a outra vez. Deixe-me “digerir” bem a primeira. Além disso, se você continuar aqui, eu acabo arruinado!

 Emílio, então, dizia ao seu interlocutor:

— Está muito bem, mas amanhã volto, hein!

E descia a escada, alegre, risonho e contente, rumo à Colombo ou à Pasqual.

A chegada de Emílio era sempre saudada com alguma piada ou chiste vindo dos companheiros, à guisa de desafio. O boêmio nunca deixou de retrucar, sempre vantajosamente. Uma única vez soube que havia “embatucado”. Foi quando, ao apresentar aos companheiros um médico que o havia acompanhado até ali, o fez nestes termos:

— Apresento-lhes aqui Fulano de Tal, meu amigo, que é competente veterinário.

O médico retrucou:

— Ele diz isso, porque, de tempos a esta parte, passou a tratar-se comigo...

Schmidt algumas vezes reunia, na sua bela vivenda do Alto da Boa Vista, aquele grupo de literatos, que levava a jantar. Várias vezes ali se reuniram Emílio, Bastos Tigre, Alcides Maia, Luís Edmundo, Aníbal Teófilo, Goulart de Andrade, Olegário Mariano, Leal de Sousa, Garcia Margiocco e outros, para a tertúlia gastro-literária. Comia-se, bebia-se e ria-se até saciar.

Certa vez Emílio apareceu na Redação para a costumeira anedota. Virando-se para Schmidt, disse:

— Tenho horror a ser convidado para jantar na casa de qualquer um. Imagine você que, no outro dia, fui chamado para o jantar em casa de certa família, dessas que mostram grande empenho em cultivar relações com intelectuais. Que gente prosaica! Que gente “pau”! Por fim, insistiram em saber meu pensar a respeito da reunião.

— Que foi que lhes disseste, Emílio?

— Disse-lhes que, se a sopa estivesse tão quente quanto o vinho; se o vinho fosse tão velho quanto a galinha e se a galinha fosse tão gorda quanto a dona da casa, teria sido maravilhoso o jantar.

— Macedo, pague por esta duzentos mil réis!


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BOB
Revista "Careta", 12 de janeiro de 1952.

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