Eu sempre tive, pela poesia de Mário Pederneiras, o amor, o carinho e a predileção que, além das coisas literárias, só voto às mulheres bonitas.
E
não
é sem razão que nutro pelo poeta carioca, tão amargurado em sua vida cheia de
tropeços, a mais viva e leal simpatia, feita da admiração que nos devem merecer
os que, embora bracejando no meio da tormenta, ainda sabem erguer os olhos para
a luz esplêndida das estrelas...
O
que encanta e prende a atenção, de início, em Mário Pederneiras, é
a simplicidade e singeleza extremes de
sua maneira de versejar. Na verdade, ninguém mais do que ele apurou a clareza e
espontaneidade de expressão.
O
trago característico,
ou, por assim dizer, o que ocupa lugar de acentuado realce, em sua poesia,
talvez seja a calmaria, a paz de espírito, o recolhimento da alma... Todos os
seus versos respiram um ambiente tranquilo, sossegado, feito de mansidão e de
bonança. Não foi, como tantos outros, um
torturado, um demônio com centelhas de gênio, assaltado, a cada passo, pelas
visões dantescas do ignoto da dúvida.
Goteja,
a cada instante, de seu estro delicado, o voo gracioso da borboleta multicor,
varando o roseiral para sorver todo o perfume e todo o néctar da flor.
Ocupou-se
sobremaneira em celebrar, em versos de inefável beleza, a paisagem urbana, com
suas ruas amigas, seus logradouros românticos, suas árvores evocatórias...
A
cidade onde abriu os olhos para as belezas do mundo, foi o seu amor maior, o
seu cuidado de sempre, a sua constante preocupação...
Era
feliz com ela, quando a via alegre e satisfeita; com ela soluçava, partilhando a
sua dor, quando, acaso, à surpreendia merencória. Foram, afinal de contas, dois
bons amigos, leais, sinceros e verdadeiros, esse poeta quase esquecido e essa
terra gloriosa, tecida por mãos de fada e banhada por sol de ouro...
Certo,
entre a cidade que o Rio foi ontem, e a cidade que é hoje, vai uma
enorme distância... A distância que separa a gralha, do pavão; o pobre, do
rico; o vagalume, da estrela...
Naquele
tempo, a capital do país
dormia o seu largo sonho remansoso de adolescente linda e ingênua. Vestia o seu
vestidinho de chita, que lhe caía até os pés, envolvendo-lhe, pudicamente, a
ponta do tornozelo, não usava rouge e não aparava cabelos...
Depois...
com os anos... se foi vendo ao espelho e não mais quis saber
do vestido modesto, das cores naturais e do cabelo crescido... Passou a copiar
figurinos franceses e americanos, e toda ela se perfumou com as essências caras
e se enfeitou com joias de alto preço...
Agora...
o Rio ó
este milagre, como uma visão de sonho, que todos nós vemos e admiramos: a
arquitetura colonial, trocou-a pelo esplendor dos arranha-céus, e deixou de
lado as ruelas tortuosas, pelo brouhaha das avenidas largas e
magníficas.
Finalmente,
surgiu o rádio, que, mais eficiente talvez do que a poesia, espalha
pelas cinco partes do mundo as graças e os encantos insuperáveis da Cidade
Maravilhosa...
***
Mário Pederneiras
apareceu no meio literário da capital da República, com um livro de poesias, Agonia. Era então o tempo em que a poesia, com
Mallarmé e Verlaine, em França, e, no Brasil, com Cruz e Sousa e seus epígonos, acabara de passar por uma
revolução que escandalizara os velhos parnasianos, amantes do verso brunido e
requintado.
As cinzas desse imenso braseiro ainda
estavam acesas, inflamadas, crepitantes, e o livro de Mário Perneiras,
obedecendo, em parte, aos métodos da nova escola, provocou celeuma, merecendo
os aplausos de uns e o sorriso cético de outros.
Mais tarde, outros volumes vieram, já
estranhos, diferentes, sem os excessos e o gongorismo do primeiro. Sua poesia
agora é melancólica, sentida, trazendo um grande desengano. E é por isso que Histórias do meu casal, Ao leu do sonho e á mercê da vida e, por
fim, o Outono, a que o autor, prevendo morte próxima, lhe
chamou o Canto do cisne, são de sentimento tão humano, tão
pungente...
Em Histórias do meu casal há
um soneto delicioso, merecia ser lido, senão decorado, pelos amantes boa poesia:
Fica distante da cidade e em frente
À
remansosa paz de uma enseada,
Esta dos meus romântica morada
Que
olha de cheio para o sol
nascente.
Árvores dão-lhe a sombra desejada
Pela calma feição de minha gente,
E ela toda se ajusta, ao som
dolente
Dos cânticos que o mar lhe
chora à entrada.
Lá
dentro o teu olhar de
calmos brilhos,
Todo
o meu bem e todo o meu
empenho,
E
a sonora alegria de
meus filhos.
Outros que tenham com mais luxo o lar,
Que a mim
me basta, Flor, o que aqui tenho,
Árvores, filhos, teu amor e o mar.
Vivia
assim, o poeta, satisfeito e feliz com a alegria radiosa de Lia e Luzia, dois
pedacinhos encantadores de gente, filhos da sua ternura, quando a morte os
arrebata para longe de seus olhos.
É
então
que se opera uma transformação repentina na poesia de Mário Pederneiras. Já
agora ele não mais se sentirá feliz, na quietude do lar, com cantigas do mar chorando à porta.
Encontramos,
depois, na segunda parte de Histórias do meu casal, intitulada Vale da Ventura, as primeiras notas daquela tristeza que o devia acompanhar até a
sepultura:
Ninguém mais viu aquela gente
obscura,
No pequenino vale da ventura...
***
Mário Pederneiras!
A
tua cidade hoje cresceu, é
grande, é moça e é bonita. Contudo, jamais poderá esquecer-se de ti, que foste,
verdadeiramente, o seu melhor cantor, nem daqueles lindos versos em que
derramaste toda a tua ternura por ela.
Que queres tu, oh, minha terra linda!
De luz que não se acaba e céu que se não finda!
Se orgulhoso prefiro
Tudo que vem de ti,
Tudo que sei que é teu?
E na rude emoção do meu Verso proclamo
A beleza imortal da terra em que nasci,
Em que vivo e que amo!
E, demais, quem não ama a terra em que nasceu?
---
ÁLVARO MARINHO
REGO
Revista
"Fon-Fon", 1 de fevereiro de 1936.
Pesquisa,
transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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