2/16/2019

Infidelidade (Conto), de Iba Mendes


INFIDELIDADE

Desde o dia em que, pela primeira vez, a mulher chegou atrasada em casa, passou a desconfiar dela, a vê-la com o olhar de um indivíduo traído e a tratá-la como se a tivesse surpreendido em circunstância indecorosa, na cama com outro homem.

Havia já dez anos que ela trabalhava como recepcionista numa agência de automóvel no centro da cidade. Entrava às oito da manhã e se retirava sempre às cinco da tarde. A pontualidade com que a esposa saía da empresa e chegava ao lar era de tal forma rigorosa que até fazia transparecer um dever religioso. Nas raríssimas vezes que fez outro itinerário, o marido tinha total conhecimento do local para onde ela ia e o que iria lá fazer. Esse rigor cronométrico com ela mantinha sua rotina, era para ele como uma verdadeira prova de fidelidade, daí porque a ideia fixa com a qual julgava agora a companheira como despudorada e traidora.

Ainda tentou conjecturar mentalmente outras hipóteses. Talvez ela tivesse razão quando disse que simplesmente tinha ido ao Shopping comprar umas coisas, e que havia se esquecido de avisá-lo. Logo, porém, convenceu-se de que desde o casamento isso nunca acontecera e que, portanto, ela só poderia estar escondendo alguma coisa, que muito provavelmente era um encontro amoroso com algum pervertido do trabalho.

Esvoaçavam-lhe na mente pensamentos constrangedores. Via-se andando na rua enquanto pessoas sentadas nas calçadas riam dele com malícia e faziam comentários zombeteiros a seu respeito.

Com o decorrer dos dias, a ideia de infidelidade o dominou completamente, convertendo-se numa verdadeira obsessão. Do deitar ao levantar só pensava nisso. No trabalho desconcentrava-se dos seus deveres e se punha a imaginar mil situações envolvendo a esposa e seu suposto amásio.

Ao pressentimento de traição, seguiu-se o sentimento de culpa, que o martirizava dia e noite. Aventava a ideia de que em algum momento poderia ter falhado no seu papel de marido. Deveria ter sido mais carinhoso e prestativo para com a mulher. Lembrou-se de que já não mais a elogiava, posto que no início do casamento não se cansava de ressaltar sua beleza e de chamá-la "minha linda", entre outras expressões de íntimo afeto. De uns tempos para cá, porém, acostumara-se com a rotina de casado, e de tal maneira que se esquecera de ver suas qualidades, de exaltar suas virtudes, de elogiar sua roupa, seu corte de cabelo, seu empenho culinário, enfim, nem sequer a beijava como antes!

A culpa, entretanto, aos poucos se esvaía de sua mente perturbada, que agora se ocupava apenas em encontrar um jeito de se vingar de tamanho ultraje. A primeira ideia foi de ir ter com ela e obrigá-la a confessar sua sem-vergonhice, dizer-lhe os piores desaforos e expulsá-la de casa. Enquanto maquinava tais pensamentos, fora tomado por outro súbito e iluminado plano, que lhe parecia ainda mais doce para rematar sua vingança de homem traído.

Era sexta-feira e chovia miúdo. Tinha acabado de sair do trabalho. Em circunstância análoga era seu hábito ir também diretamente para casa, onde encontrava a mulher já ao pé da pia ou aprontando o jantar. Neste dia, contudo, tomou o ônibus e dirigiu-se ao famoso “Pulo do Bode”, local este onde pretendia consumar seu duplo desejo. Este estabelecimento era afamado na região pela variedade de “andorinhas” que ali ofereciam seus préstimos serviços. Diziam ainda as más línguas que ali havia de mulheres casadas a irmãs de igrejas.

Quando chegou a casa, a mulher, que tinha acabado de jantar sozinha, desembrulhava, numa explosão de soluços e lágrimas, o presente que havia comprado no Shopping para ele. Era uma surpresa para comemorar os dez anos de casados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...