

INFIDELIDADE
Desde
o dia em que, pela primeira vez, a mulher chegou atrasada em casa, passou a
desconfiar dela, a vê-la com o olhar de um indivíduo traído e a tratá-la como
se a tivesse surpreendido em circunstância indecorosa, na cama com outro homem.
Havia
já dez anos que ela trabalhava como recepcionista numa agência de automóvel no
centro da cidade. Entrava às oito da manhã e se retirava sempre às cinco da
tarde. A pontualidade com que a esposa saía da empresa e chegava ao lar era de
tal forma rigorosa que até fazia transparecer um dever religioso. Nas
raríssimas vezes que fez outro itinerário, o marido tinha total conhecimento do
local para onde ela ia e o que iria lá fazer. Esse rigor cronométrico com ela
mantinha sua rotina, era para ele como uma verdadeira prova de fidelidade, daí
porque a ideia fixa com a qual julgava agora a companheira como despudorada e
traidora.
Ainda
tentou conjecturar mentalmente outras hipóteses. Talvez ela tivesse razão
quando disse que simplesmente tinha ido ao Shopping comprar umas coisas, e que havia
se esquecido de avisá-lo. Logo, porém, convenceu-se de que desde o casamento isso
nunca acontecera e que, portanto, ela só poderia estar escondendo alguma coisa,
que muito provavelmente era um encontro amoroso com algum pervertido do
trabalho.
Esvoaçavam-lhe
na mente pensamentos constrangedores. Via-se andando na rua enquanto pessoas
sentadas nas calçadas riam dele com malícia e faziam comentários zombeteiros a
seu respeito.
Com
o decorrer dos dias, a ideia de infidelidade o dominou completamente,
convertendo-se numa verdadeira obsessão. Do deitar ao levantar só pensava
nisso. No trabalho desconcentrava-se dos seus deveres e se punha a imaginar mil
situações envolvendo a esposa e seu suposto amásio.
Ao
pressentimento de traição, seguiu-se o sentimento de culpa, que o martirizava
dia e noite. Aventava a ideia de que em algum momento poderia ter falhado no
seu papel de marido. Deveria ter sido mais carinhoso e prestativo para com a
mulher. Lembrou-se de que já não mais a elogiava, posto que no início do
casamento não se cansava de ressaltar sua beleza e de chamá-la "minha
linda", entre outras expressões de íntimo afeto. De uns tempos para cá,
porém, acostumara-se com a rotina de casado, e de tal maneira que se esquecera
de ver suas qualidades, de exaltar suas virtudes, de elogiar sua roupa, seu
corte de cabelo, seu empenho culinário, enfim, nem sequer a beijava como antes!
A
culpa, entretanto, aos poucos se esvaía de sua mente perturbada, que agora se
ocupava apenas em encontrar um jeito de se vingar de tamanho ultraje. A
primeira ideia foi de ir ter com ela e obrigá-la a confessar sua
sem-vergonhice, dizer-lhe os piores desaforos e expulsá-la de casa. Enquanto
maquinava tais pensamentos, fora tomado por outro súbito e iluminado plano, que
lhe parecia ainda mais doce para rematar sua vingança de homem traído.
Era
sexta-feira e chovia miúdo. Tinha acabado de sair do trabalho. Em circunstância
análoga era seu hábito ir também diretamente para casa, onde encontrava a
mulher já ao pé da pia ou aprontando o jantar. Neste dia, contudo, tomou o
ônibus e dirigiu-se ao famoso “Pulo do Bode”, local este onde pretendia consumar
seu duplo desejo. Este estabelecimento era afamado na região pela variedade de
“andorinhas” que ali ofereciam seus préstimos serviços. Diziam ainda as más
línguas que ali havia de mulheres casadas a irmãs de igrejas.
Quando
chegou a casa, a mulher, que tinha acabado de jantar sozinha, desembrulhava,
numa explosão de soluços e lágrimas, o presente que havia comprado no Shopping
para ele. Era uma surpresa para comemorar os dez anos de casados.
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