
MICHAEL MELNIK
Tinha
vinte e um anos quando chegou ao Brasil. Viera da Alemanha, em 1948, terminados
os horrores da Segunda Guerra Mundial.
Machael
Melnik nasceu no dia 27 de maio de 1927, numa pequena cidade do interior da
Romênia, filho de uma jovem meretriz, que o concebeu no próprio bordel, onde
oferecia seus serviços desde os quinze anos de idade. Nunca conhecera o pai,
que a mãe dizia tratar-se de um soldado do exército nacional, o qual fora
defender o país contra a invasão dos russos e que jamais mais retornara.
Durante
o período do Estado Nacional Legionário, sob o governo de Ion Antonescu, a Romênia
aliou-se a Hitler. Nessa época tinha Michael catorze anos e não nutria de
qualquer sentimento nacionalista pelo país onde nascera. O que ele queria mesmo
era lutar ao lado dos soldados alemães, pelos quais nutria devotada admiração.
Como
era menor de idade e a Lei não lhe permitisse que se alistasse, consultou o
padre da cidade, que logo tratou de torná-lo “apto para o combate”, alterando o
ano do seu nascimento no batistério. Foi assim que ele ingressou na Guerra, não
propriamente como soldado, mas como ajudante num dos restaurantes que serviam
comida ao exército alemão.
Terminado
o grande conflito, juntou-se ele a um grupo de imigrantes italianos, vindo com
estes para o Brasil, onde conheceu a fresca e bela Elisa, uma jovem imigrante
alemã, que também viera no fluxo migratório do pós-guerra.
Casaram-se
já no ano seguinte, por conveniência, sem se amarem. Um estava para o outro
como a água para o fogo. Michael era dotado de um gênio tempestuoso, ciumento e
sovina. Elisa, ao contrário, era de um temperamento comedido, sem extremos,
posto que fosse um pouco gastadeira e essencialmente vaidosa.
Os
azedumes tornaram-se constantes já no início do casamento, agravando-se no
decorrer dos dias, com permanentes crises de ciúmes por parte dele, que passou
a desconfiar da mulher pelas mais simples atitudes. Da desconfiança logo ele
transitou para os insultos, e destes para as agressões físicas, que vieram
acompanhadas de severas regras, como a proibição de sair de casa sozinha e de
conversar com os vizinhos, seja lá quem fosse. Ela, sentindo-se acuada e
humilhada na sua dignidade de mulher, ameaçava deixar tudo e ir embora para
casa dos pais, pois já não suportava mais aquela droga de vida, ao que ele
reagia com uma chuva de impropérios e outras censuras injuriosas.
Era
sexta-feira quando chegou e encontrou a casa vazia. Elisa tinha se retirado
para o lar paterno, levando consigo roupas e alguns objetos de uso pessoal.
Desesperado e com os olhos acesos de ódio Michael decidiu buscá-la e trazê-la
de volta, ainda que à base da força bruta. Entretanto, não se sabe se por temor
ou se por alguma estratégia que aprendera na guerra, ele chegou à casa do sogro
com a serena fisionomia de um manso cordeiro. Em vez de gritar e vociferar
palavrões, como costumava fazer em seus frequentes acessos de cólera,
conteve-se e, num gesto de extrema humildade, ajoelhou-se entre lágrimas aos
pés da mulher e lhe implorou perdão. Prometeu-lhe isso e aquilo, ao que ela
acedeu, porém, admoestando-o de que seria apenas pela última vez.
Os
meses seguintes foram de paz e tranquilidade entre o casal. Michael cumpria
exemplarmente seu papel de bom marido, tratando a mulher com um zelo até então
nunca visto. E foi nessa atmosfera de harmonia conjugal que veio ao mundo o
primeiro rebento, uma linda e robusta menina a quem deram o nome de Inês, que
foi uma homenagem da esposa à avó materna, a qual morrera nos arredores da
cidade de Berlim, por ocasião da ofensiva soviética, no início de 1945.
As
coisas iam assim até que, num lance repentino, ele começou a implicar com as
feições da menina, as quais em nenhum aspecto lhe assemelhavam. A partir daí
sobreveio-lhe um profundo agastamento que lhe corroía a alma e lhe fatigava a
mente, foi quando aventou a hipótese de que poderia ter sido traído e se encasquetou
sobremaneira com essa ideia, ruminando-a dia e noite. Em consequência disso,
passou a hostilizar e maltratar a mulher, incriminando-lhe o tempo todo de
traição e descaramento. Ela, por sua vez, não se defendia da acusação,
limitando-se apenas a chorar resignadamente em seu canto.
E
foi nesse ambiente de discórdia doméstica que nasceu a segunda filha. Élida foi
o nome que ele mesmo escolheu, sem explicar, porém, as razões da preferência
onomástica. A menina tinha as feições dele, cabelos loiros, os olhos azuis, a
testa grande e o queixo partido. Por isso concentrou nela todo o seu amor
paternal, distanciando-se cada vez mais da primogênita, a quem não manifestava
qualquer mimo ou apreço.
Nessa
mesma situação de desentendimentos decorreram alguns meses, quando ele, sem dar
qualquer explicação, anunciou que deixaria a casa. A mulher protestou,
implorou-lhe que não fosse, pediu para que não desamparasse as filhas, que
estas eram pequenas e que iriam sofrer, ao que ele reagiu com total indiferença
e desprezo. Saiu de lá levando apenas as roupas e dois pares de chapéus. A
pequena chorou durante alguns dias.
Semanas
depois, chegou ao conhecimento da mulher que o marido estava entocado num
meretrício, onde vivia dissolutamente sob os tratos de uma prostituta velha,
uma sexagenária e mãe de santo, muito conhecida no bairro pela maestria dos
seus despachos e pela fama de destruidora de lares.
—
Faz dele gato e sapato! — diziam as más línguas, ao que ela exprimia com imensa
satisfação: — Bem feito, bem feito!...
Ao
cabo de quatro meses longe da família, Michael adoeceu de uma infecção genital
que lhe tirou a libido e que fez minar todos os seus brios de vigoroso macho.
Foi quando deliberou voltar aos braços da mulher, de quem sentiu saudades e um
princípio de desejo. Nesse ínterim, porém, ela já havia se mudado para a casa
de um parente no interior do Paraná, onde, segundo lhe disseram, tinha se
amigado com um imigrante italiano, com o qual vivia feliz e esbanjando dinheiro
e saúde.
Triste e desconsolado, ele comprou uma casinha humilde num lugar ermo da cidade, onde passou a viver sozinho e onde todas as noites ruminava seus remorsos e desgostos. Foi ali que prosperou e envelheceu, foi ali onde agonizou e morreu numa solidão desesperada. A filha preferida, comunicada do desastre, chegou na mesma noite de seu passamento. Estava devidamente acompanhada de um bacharel em Direito. Viera assim prevenida para o inventário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...