
O SOBRADO AZUL
Naquele
dia não chegou a casa no horário habitual. Em dez anos de casado nunca
acontecera de se atrasar tanto. A mulher já estava nos nervos, aflita e tomada
por pressentimentos ruins. O celular não atendia, e na empresa afiançaram que
ele havia saído no horário costumeiro de sempre.
Chegou
espavorido, como se viera correndo ou como se estivesse fugindo de algum
fantasma e, como nunca havia feito antes, abraçou afetuosamente a mulher,
beijando-a voluptuosamente na boca. Em seguida, explicou que o ônibus havia se
envolvido num pequeno acidente e que precisou esperar outro, o qual demorou
muito para passar. Quanto ao celular, justificou que a bateria havia descarregado
e que por isso não atendera sua ligação.
Consolada,
ela não quis ouvir mais nada. Foi à cozinha, preparou-lhe um pouco de água de
melissa e o acarinhou com outro beijo na boca. Em seguida, dirigiram-se ao
quarto. Era sexta-feira. Teve amor e brigadeiros.
Uma
semana depois a cena repetiu-se: o atraso, o assombro no olhar e as mesmas
desculpas... Daí em diante a coisa ganhou status de rotina, e ela já não se
preocupava mais, nem ele aventava qualquer pretexto, mantendo-se calado em casa
no escasso tempo em que ali ficava.
Correram
assim as coisas durante uns seis meses, quando enfim, a mulher, que já não
suportava aquela incômoda situação, deliberou ela mesma investigar o que de
fato se passava.
Num
ponto de ônibus localizado próximo à empresa em que ele trabalhava,
infiltrou-se ela entre as gentes que ali se aglomeravam e por ali permaneceu
até que se findou o expediente. O marido saiu meio desconfiado, olhando a um e
outro lado, como se tivesse procurando algo ou alguém. Acelerou os passos em direção
a uma rua, e ela o seguia ao longe, despistando-se sorrateiramente entre carros
e pessoas, a fim de não ser vista por ele.
Na
rua seguinte notou que uma pessoa o aguardava encostada numa parede. Era uma
mulher alta, usando óculos escuros e um longo vestido azul. Embora a distância
ofuscasse a vista, ela concluiu que se tratava de uma senhora de idade, talvez
de sessenta anos ou um pouco mais que isso. E sentiu-se confortada pela idade
avançada da outra, justificando mentalmente que, caso estivesse sendo traída,
com certeza seria por dinheiro. A conclusão, posto que desconfortável,
trazia-lhe um alívio constrangido. Ali ficou algum tempo tomada de confusão, não
conseguindo extrair daquele episódio um desfecho seguro, embora suspeitasse de
fato que estava sendo traída, e por isso se remoía por dentro.
O
marido seguiu a passo rápido por outra rua, sempre acompanhado da excêntrica
mulher. Entraram de mãos dadas num belo sobrado azul e fecharam apressadamente
a porta. A outra observava de longe e conspirava acerca de que resolução
tomaria a partir dos fatos constatados.
Adiante,
a mulher adentrou num estabelecimento comercial situado na mesma rua e
perguntou a atendente se conhecia uma tal mulher do sobrado azul. A moça lhe
respondeu que sim, que se tratava de uma próspera viúva, que viera do Rio
Grande do Sul há cerca de seis meses e que estava de caso com um homem bem mais
novo que ela.
—
Dizem que é funcionário de uma das empresas aqui da redondeza, e parece que é
casado — concluiu com um sorriso malicioso.
Embaraçada
com a descoberta, ala agradeceu e se retirou apressadamente, tomando o devido
cuidado de anotar o nome da rua e o número do sobrado.
Algumas
horas depois, o marido chegou a casa, como de costume, ofegante e sem falar
nada, limitando-se apenas a um frio cumprimento. Durante toda aquela noite, ela
manteve-se calada, pensativa, como se estivesse tramando alguma reação grave ou
como se tivesse a maquinar algum jeito de se vingar dele.
No
dia seguinte, no horário em que supunha que o marido estivesse com a outra,
incumbiu alguém de ir com um carro até o sobrado azul. Era um primo dela, que levava
algumas malas e um recado.
—
Estão aqui suas tralhas — disse o homem, acrescentando enfurecido: — E não
volte nunca mais lá, entendeu?
E
ele não voltou, mas nove meses depois telefonou. Disse que estava morando
sozinho e que a velha tinha enfartado fazia três meses. Explicou ainda que
havia pedido demissão do emprego e que tinha dinheiro suficiente para viver o
resto da vida em Paris ou qualquer outro lugar do mundo.
Dias
depois estavam ambos morando no mesmo sobrado azul, felizes, rindo muito e planejando
o futuro sem nenhuma ponta de remorsos.
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