
O sobrado azul
Naquele dia
não chegou à casa no horário habitual. Em sete anos de casado nunca acontecera
de se atrasar tanto. A mulher já estava nos nervos, aflita e tomada por
pressentimentos ruins. O celular não atendia, e na empresa afiançaram que ele
havia saído no horário costumeiro.
Chegou
espavorido, como se viera correndo ou como se estivesse fugindo de algum
fantasma. Entrou e, como nunca havia feito antes, abraçou afetuosamente a mulher,
beijando-a na boca. Explicou que o ônibus havia quebrado e que precisou esperar
outro, o qual demorou muito para passar. Quanto ao celular, justificou que a
bateria havia descarregado e que essa era a razão porque não atendera o
telefonema.
Consolada, ela
não quis ouvir mais nada. Foi à cozinha, preparou-lhe um pouco de água de
melissa e o acarinhou com outro beijo na boca. Em seguida, dirigiram-se ao
quarto. Era sexta-feira. Teve amor e brigadeiros.
Uma semana
depois a cena repetiu-se: o atraso, o assombro no olhar e as mesmas
desculpas... Daí em diante a coisa ganhou status de rotina, e ela já não se
preocupava mais, nem ele aventava mais qualquer pretexto, mantendo-se calado em
casa no escasso tempo em que ali ficava.
Correram assim
as coisas durante uns seis meses, quando enfim, a mulher, que já não suportava
mais a incômoda situação, deliberou ela mesma investigar o caso.
Num ponto de
ônibus localizado próximo à empresa em que ele trabalhava, infiltrou-se ela
entre as gentes que ali se aglomeravam e por lá permaneceu até que se findou o
expediente. O marido saiu meio desconfiado, olhando a um e outro lado, como se
tivesse procurando algo ou alguém. Acelerou os passos em direção a uma rua, e
ela o seguia ao longe, despistando-se sorrateiramente entre carros e pessoas a
fim de não ser vista por ele.
Na rua
seguinte notou que uma pessoa o aguardava encostada numa parede. Era uma mulher
alta, usando óculos escuros e um longo vestido vermelho. Embora a distância
ofuscasse a vista, concluiu ela que se tratava de uma senhora de idade, talvez
de sessenta anos ou um pouco mais que isso. E sentiu-se confortada pela idade
avançada da outra, justificando para si mesma que, caso estivesse sendo traída,
com certeza seria por dinheiro. A conclusão, posto que desconfortável,
trazia-lhe um alívio constrangido.
Inicialmente
permaneceu confusa e não conseguia extrair daquele episódio qualquer desfecho,
não obstante aventasse a ideia de que estava de fato sendo traída, e se remoía
por dentro.
O marido
seguiu a passo rápido por outra rua, sempre acompanhado da excêntrica mulher.
Entraram de mãos dadas num sobrado azul e fecharam apressadamente a porta. A
outra observava de longe e conspirava acerca do que haveria de fazer.
Adiante, adentrou-se
ela num estabelecimento comercial situado naquela mesma rua e perguntou a
atendente se conhecia uma tal mulher do sobrado azul. Esta lhe respondeu que
sim, que se tratava de uma próspera viúva, que viera do Rio Grande do Sul há
cerca de seis meses e que estava de caso com um homem bem mais novo que ela.
— Dizem que é
funcionário de uma das empresas aqui da redondeza, e parece que ele é casado —
concluiu com um sorriso malicioso.
Agitada, ela agradeceu
a moça pela informação e se retirou apressadamente, tomando o devido cuidado de
anotar o nome da rua e o número do sobrado.
Algumas horas
depois, o marido chegou à casa, como de costume, ofegante e sem falar nada,
limitando-se apenas a um frio cumprimento. Durante toda aquela noite, ela
manteve-se calada, pensativa, como se estivesse tramando alguma reação grave ou
como se tivesse a maquinar algum jeito de se vingar dele.
No dia
seguinte, no horário em que supunha que o marido estivesse com a outra,
incumbiu alguém de ir com um carro até o sobrado azul. Era um primo dela, que
levava algumas malas e um recado:
— Estão aqui
suas tralhas — disse o homem, acrescentando enfurecido: — E não volte nunca
mais lá, entendeu?
E ele não
voltou, mas nove meses depois telefonou. Disse que estava morando sozinho e que
a velha tinha morrido fazia três meses. Explicou ainda que havia pedido
demissão do emprego e que tinha dinheiro suficiente para viver o resto da vida em
Paris.
Dias depois
estavam ambos no sobrado azul, felizes, planejando viagens e o futuro, sem
nenhuma ponta de remorso ou qualquer vestígio de amargura.
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