
Chegou
exausto. Atirou-se desvairado sobre o sofá. Um sentimento de fracasso e culpa
domina-lhe a alma. Queria voltar atrás e tentar apenas uma vez mais. Por que se
esquivou de forma tão humilhante daquela incumbência? Não era assim tão
complicado executá-la, afinal, gente medíocre como o Policastro já o fizera
antes, e também outros da sua mesma laia. Agora não teria outra oportunidade.
Voltará na segunda-feira cabisbaixo e com seus brios aviltados. As pessoas o
olharão como um fracassado, um pobre diabo incapaz de tomar decisões e de andar
com suas próprias pernas.
Pensa
seriamente em não retornar. Imagina um ambiente hostil, com golfadas de risos e
pessoas nos escaninhos fazendo piadas e mofando entre si de seu malogro. Mas
precisa voltar. As contas não param de chegar e já está inadimplente a mais de
três meses do aluguel. Há trinta dias recebera ordem judicial para desocupação
voluntária do imóvel. Não tem para onde ir.
A cabeça dói...
Para se distrair retira aleatoriamente um velho livro da estante... Leu cinco
ou seis páginas do “Angústia”, mas não consegue concentrar-se na leitura...
Liga a TV. O programa parece tedioso... Por fim, deita-se e só tarde consegue
dormir...
É sábado.
Acorda cedo. A cabeça ainda dói. Sem apetite, engole o café e sai rapidamente
em busca de um remédio que lhe alivie a dor. De volta à casa, prossegue a
leitura do livro. Vê-se ali nas linhas e entrelinhas como parte do enredo.
Cansado, deita e cochila.
Domingo.
Acorda agitado e resmungando monossílabos confusos. De quando em quando mira o
espelho como se estivesse despido diante de uma imensa plateia. Pronuncia
frases intrincadas enquanto anda de um lado para o outro. Pensamentos ruins
invadem-lhe a mente. Sente-se confuso. Enfim, decide que não iria ser motivo de
escárnio para aquela gente desqualificada. Não retornaria mais lá. Não, não
iria...
Segunda-feira.
Ainda na cama ouviu bater palmas lá fora. Veste-se apressadamente. Abra a porta.
É o Oficial de Justiça acompanhado de força policial, incumbidos no cumprimento
da diligência de despejo.
Permanece
alguns instantes silencioso, a olhar para o relógio, com a mão posta sobre o
queixo, como se fosse o próprio "Pensador" de Rodin. Voltando a si,
pede ao representante do governo que aguarde alguns minutos, enquanto entra no
quarto. Aparece logo em seguida e lhe entrega as chaves. Enquanto isso sai em
toda disparada com uma mochila nas costas.
Chega ao
trabalho ofegante e com alguma desordem nos cabelos. Senta-se... Com a cabeça
baixa, fecha os olhos e pensa na vida. À frente só vê papéis e carimbos; na
cabeça, só enxerga dúvidas e dívidas...
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