

ANGÚSTIA
Chegou
exausto. Atirou-se desanimado sobre o sofá. Um sentimento de fracasso e culpa
dominava-lhe sua alma abatida. Queria voltar atrás e tentar apenas uma vez
mais. Por que se esquivou de forma tão humilhante daquela incumbência? Ora, não
era assim tão complicado executá-la, afinal, gente medíocre como o Policastro
já o fizera antes, e também outros de sua mesma laia! Dali por diante não terá
outra oportunidade. Voltará segunda-feira cabisbaixo e com seus brios
aviltados. Os colegas o olharão como um fracassado, um pobre diabo incapaz de
tomar decisões e de andar com suas próprias pernas.
Pensa
seriamente em não retornar. Imagina um ambiente hostil, com golfadas de risos e
pessoas nos escaninhos fazendo piadas e mofando entre si de seu malogro. Mas
precisa voltar. Os carnês não param de chegar e já está inadimplente a mais de
três meses do aluguel. Há dias recebera ordem judicial para desocupação do imóvel,
porém não quer voltar para casa dos pais. Era preferível morar nas ruas.
Sexta-feira.
A cabeça dói. Para se distrair retira aleatoriamente um velho livro da estante.
Leu cinco ou seis páginas do “Angústia” de Graciliano Ramos, mas não consegue
concentrar-se na leitura. Liga a TV. O programa parece tedioso. Por fim, procura
dormir para fugir aos pensamentos perturbadores que se lhe atropelavam no espírito
e dar descanso ao cérebro oprimido pela culpa.
Sábado.
Acorda cedo. A cabeça ainda lhe dói. Sem apetite, engole rapidamente o café e sai
para comprar um analgésico. De volta, prossegue a leitura do livro. Vê-se ali
nas linhas e entrelinhas como parte do enredo. Cansado, deita e cochila.
Domingo.
Acorda agitado e resmungando monossílabos confusos. De quando em quando mira o
espelho como se estivesse despido diante de uma imensa plateia. Pronuncia outras
frases intrincadas, enquanto anda de um lado para o outro. Pensamentos ruins
invadem-lhe a mente hesitante. Enfim, decide que não iria ser motivo de
escárnio para aquela gente desqualificada. Não, não retornaria segunda-feira.
Segunda-feira.
Ainda na cama ouviu bater palmas lá fora. Veste-se apressadamente. Abra a
porta. É o Oficial de Justiça acompanhado de força policial, incumbidos no
cumprimento da diligência de despejo. Permanece alguns instantes silencioso, a
olhar para o relógio, com a mão posta sobre o queixo, como se fosse o próprio
"Pensador" de Rodin. Voltando a si, pede à autoridade que aguarde
alguns minutos, enquanto entra no quarto. Aparece logo em seguida e lhe entrega
as chaves. Em seguida sai em toda disparada com uma mochila nas costas. Duas
horas depois chega à empresa ofegante e com alguma desordem nos cabelos.
Senta-se resignadamente. Com a cabeça baixa, fecha os olhos e pensa na vida e
nas dívidas. Recomeçam ali suas angústias...
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