2/16/2019

O Inadimplente (Conto), de Iba Mendes



ANGÚSTIA

Chegou exausto. Atirou-se desanimado sobre o sofá. Um sentimento de fracasso e culpa dominava-lhe sua alma abatida. Queria voltar atrás e tentar apenas uma vez mais. Por que se esquivou de forma tão humilhante daquela incumbência? Ora, não era assim tão complicado executá-la, afinal, gente medíocre como o Policastro já o fizera antes, e também outros de sua mesma laia! Dali por diante não terá outra oportunidade. Voltará segunda-feira cabisbaixo e com seus brios aviltados. Os colegas o olharão como um fracassado, um pobre diabo incapaz de tomar decisões e de andar com suas próprias pernas.

Pensa seriamente em não retornar. Imagina um ambiente hostil, com golfadas de risos e pessoas nos escaninhos fazendo piadas e mofando entre si de seu malogro. Mas precisa voltar. Os carnês não param de chegar e já está inadimplente a mais de três meses do aluguel. Há dias recebera ordem judicial para desocupação do imóvel, porém não quer voltar para casa dos pais. Era preferível morar nas ruas.

Sexta-feira. A cabeça dói. Para se distrair retira aleatoriamente um velho livro da estante. Leu cinco ou seis páginas do “Angústia” de Graciliano Ramos, mas não consegue concentrar-se na leitura. Liga a TV. O programa parece tedioso. Por fim, procura dormir para fugir aos pensamentos perturbadores que se lhe atropelavam no espírito e dar descanso ao cérebro oprimido pela culpa.

Sábado. Acorda cedo. A cabeça ainda lhe dói. Sem apetite, engole rapidamente o café e sai para comprar um analgésico. De volta, prossegue a leitura do livro. Vê-se ali nas linhas e entrelinhas como parte do enredo. Cansado, deita e cochila.

Domingo. Acorda agitado e resmungando monossílabos confusos. De quando em quando mira o espelho como se estivesse despido diante de uma imensa plateia. Pronuncia outras frases intrincadas, enquanto anda de um lado para o outro. Pensamentos ruins invadem-lhe a mente hesitante. Enfim, decide que não iria ser motivo de escárnio para aquela gente desqualificada. Não, não retornaria segunda-feira.

Segunda-feira. Ainda na cama ouviu bater palmas lá fora. Veste-se apressadamente. Abra a porta. É o Oficial de Justiça acompanhado de força policial, incumbidos no cumprimento da diligência de despejo. Permanece alguns instantes silencioso, a olhar para o relógio, com a mão posta sobre o queixo, como se fosse o próprio "Pensador" de Rodin. Voltando a si, pede à autoridade que aguarde alguns minutos, enquanto entra no quarto. Aparece logo em seguida e lhe entrega as chaves. Em seguida sai em toda disparada com uma mochila nas costas. Duas horas depois chega à empresa ofegante e com alguma desordem nos cabelos. Senta-se resignadamente. Com a cabeça baixa, fecha os olhos e pensa na vida e nas dívidas. Recomeçam ali suas angústias...

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