UM SONHO ESTRANHO
Teve
um sonho estranho!...
Mas
era apenas um sonho, e sonhos só devem fazer sentido para as gentes
supersticiosas ou para os devotos de Freud, o que de modo algum era o seu caso.
Ora,
não era a primeira vez que tivera um sonho assim tão excêntrico e cheio de
mistério! Há uns três meses sonhara que carregava um enorme caramujo nas
costas, e que rastejava sobre espinhos toda banhada em sangue. Noutra ocasião,
sonhou que vivia uma personagem de um dos livros do escritor Franz Kafka,
aquela espécie de barata humana da “Metamorfose”, que metaforicamente representa
o ser humano em situação degradante perante o seu oposto. E mais recentemente
sonhou que era Carmen Miranda e que estava sentada completamente nua sobre o
Cristo Redentor, no Corcovado. Portanto, não havia qualquer razão para atribuir
a este sonho um caráter singular. Era só mais um entre tantos outros que já
tivera e que certamente ainda haveria de tê-los. Fugazes devaneios da mente.
Fantasias e nada mais.
Pela
manhã, arrumou-se e saiu para o trabalho como sempre fazia: sem nenhuma preocupação
ou cuidados adicionais... Não se benzeu, não pediu proteção aos santos, nem leu
o Salmo 91.
Entretanto,
à medida que seguia para a parada do ônibus, sem que se desse conta, veio-lhe repentinamente
à memória um caso contado por uma senhora num programa de televisão, em que ela
dizia ter sonhado com a morte do marido num acidente de automóvel, e que o
funesto acontecimento veio a confirmar-se logo no dia seguinte e em
circunstâncias bem semelhantes às de seu própria quimera. Daí vieram outras recordações
análogas. Lembrou-se de um filme antigo que assistira com o seu primeiro
namorado, uma comédia dramática intitulada de “A Ciência dos Sonhos”, em que
imaginação e realidade se mesclavam e se confundiam, e que agora parecia fazer-lhe
algum sentido.
Como
era de hábito, entrou numa banca de jornal para comprar sua revista semanal, e
não resistiu ao sedutor colorido de um opúsculo que tinha por título “O
maravilhoso livro dos sonhos”. Comprou-o, esquecendo-se de levar o seu
tradicional periódico.
Mal
entrou no coletivo e foi direto ao misterioso livrinho. Abriu-o procurando no
índice o vocábulo pertinente ao que sonhara à noite. Nem havia lido uma página
e estremeceu. Era como se novamente
tivesse acordando daquele terrível pesadelo. Trêmula e pálida, rasgou-o em pedaços,
procurando em vão olvidar de sua mente o que acabara de ler.
Na
empresa, não conseguia pensar em mais nada. O sonho parecia incendiar sua mente
como sarça ardente, e de tal modo que se sentia como estivesse ficando louca.
Era como se vivenciasse ali seu terrível desvario noturno. Levantando-se de
súbito saiu desesperada e sem avisar a ninguém. O que queria mesmo era chegar
logo em casa, deitar-se e esperar findar aquele dia fatídico.
Chegou
esbaforida e assustada. Mal entrou atirou-se sobre o sofá, onde adormeceu com a
fronte dolorida e tomada por uma ideia fixa que não conseguia dispersar da
mente.
Antes
da meia-noite acordou aos gritos e suando em bica. Sentia-se opressa, como se
estivesse na iminência de ser atacada por um malfeitor oculto. Correu depressa
às portas e janelas, para garantir que realmente estavam fechadas. Repetiu isso
várias vezes em grande desespero.
Acordados
pela persistente balbúrdia, alguns vizinhos dirigiram-se até à casa e
chamaram-na pelo seu nome. Ela, porém, não respondia. Bateram na porta várias
vezes, mas em vão. A mulher não abria. Ouviam-se apenas sons estridentes e
confusos, como se fossem os berros de um animal acuado diante de seu violento
predador.
O
dia amanheceu com uma viatura da polícia na calçada. Dentro de casa havia um
silêncio sepulcral. Ouviu-se a aproximação de uma sirena: era uma ambulância.
Desceram dois homens vestidos de branco, os quais, juntamente com um policial
arrombaram a porta. Entraram... Subiram às escadas... Empurram a porta do
quarto... Lá estava ela deitada sobre a cama, com os olhos esbugalhados, a
cabeça raspada e toda nua, completamente nua, do mesmo modo como aparecera no seu
estranho sonho...
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