Conta-se que uma vez um saloio
adoeceu. Vai daí chamou o médico.
O doutor entrou, com toda a
gravidade e, depois de bem observar o doente, pediu pena e tinta e pôs-se a
escrever a receita.
O homem não o perdia de vista, e
tudo quanto o médico fazia julgava que era para o curar.
Este escreveu a receita,
deitou-lhe areia para secar a tinta e depois, voltando-se para o doente,
disse-lhe:
— Você não se esqueça do que lhe
recomendo, nem faça como outros doentes que me incomodam. Querem receita que
depressa os cure, mas não fazem nada do que lhes mando!
— Ora essa, senhor doutor
(protestou logo o saloio), cá por mim hei de fazer tudo quanto me mandar.
— Bom, pois então faça o que está
aqui.
Foi-se embora, e, como a doença
não era de muito cuidado, não voltou a casa do homenzinho.
Um dia, estava muito descansado,
entrou-lhe pela porta dentro o lapônio.
— Então você já está bem de todo?
— Sim senhor! E venho agradecer
ao senhor doutor o remédio tão bom que me deu, que não me custou dinheiro e há
de durar para enquanto eu for vivo.
— Que está para aí a dizer,
homem?! Com certeza não fez o que eu lhe mandei.
— Ah isso fiz. Desculpe o senhor
doutor, mas fiz. Todos os dias.
— Mas o quê, que foi que vossemecê
fez, homem de Deus?! Então na botica não lhe levaram nada?
— Eu para que havia de ir à
botica, se tinha o remédio em casa?!
— Não o entendo (exclamou o
médico).
Explique-se melhor.
— Ó senhor doutor, então vossa excelência
não deitou areia no papel que escreveu e não me disse que fizesse o que ali
estava? Foi o que fiz. Todos os dias deitava areia no papel e depois tornava a
pô-la no tinteiro e o papelinho debaixo da chave. De modo que me curei e venho
agradecer-lhe por me ter dado um remédio tão bom e tão barato, que cura a gente
sem dar incômodo.
O doutor riu-se muito e por fim
mandou o homenzinho embora, ficando com a certeza de que a fé é que nos salva,
muitas vezes...
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Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
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