7/05/2019

Vinho... Jornalístico (Conto), de Brito Camacho


Vinho... Jornalístico

— Costumas ler a Luta?
— Eu?... Só leio jornais republicanos.
(Entre jacobinos)
Pôs uma vendarola no sitio mais frequentado da povoação, e como fosse criatura sem ambições, de um natural modesto, nem se lembrou de fazer reclamo. Apareceu ali, um dia, uma tabuleta por cima de uma porta, e lá dentro, na casita pobre, umas prateleiras com garrafas, alguns copos em cima de um balcão, e um pipo de poucos almudes posto em cima de um caixote, a um canto, atrás da porta da rua.
Era pouco afreguesada a vendarola, e esperava toda a gente que ela fechasse de um dia para outro, mal dando a receita para a despesa. Dizia-se, em geral, que a pinga era boa, sem mistura nem confecção, o puro sumo da uva. Bebidas de guerra não se vendiam ali, como não se vendiam os vários xaropes rançosos, gratos ao paladar estragado das pessoas dadas a guloseimas. Já iam passadas largos meses, o ainda a vendarola era pouco frequentada, os clientes gabando muito a pinga, mas acudindo em pequeno número. Diziam-lhe que deitasse muita aguardente no vinho, que fornecesse bebidas fortes, vinho rascante, não sendo talvez mau dissolver alguns bagos de pólvora em cada garrafa ou barril.
Mostrava-se surdo a tais conselhos, e era como se fosse de pedra às solicitações do lucro.
Havia arranjar clientela para manter o seu comércio, e como não tinha ambições, resinava-se à mediocridade presente na esperança de melhores dias.
Não viriam nunca? Quando não pudesse viver assim, fecharia a porta da vendarola, poria escritos na casa, e iria para outra parte tentar outro modo de vida. Não o afrontavam as prosperidades alheias, antes as estimava, mas era com dor que ouvia chamar ao seu vinho puro, aguapé ou água-chilra.
Ora sucedeu que um dia, o tirano que exercia o governo daquela povoação ordenou que fosse proibida a venda de bebidas de guerra. Fecharam as outras vendarolas e continuou a dele aberta, vendendo a sua pinga aos poucos fregueses que tinha. Gritavam-lhe do lado, vozes que nunca ouvira até então:
— Ó seu diabo, deite pólvora no vinho!
E ele, como que respondendo a si mesmo:
— Mas se eu nunca lha deitei para fazer fortuna, hei de deitar-lha agora para fazer a minha ruína?
E continuou a vender a sua pinga, como até ali.


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Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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