9/15/2019

Francisco Rodrigues Lobo (Resenha)



Francisco Rodrigues Lobo

Este incomparável poeta, que no fim do século XVI sob a depressão do sentimento nacional, e no derrancamento do gosto das pastorais italianas, brilha com a verdade da sua inspiração a par de Bernardim Ribeiro, de Cristóvão Falcão e de Camões, é um fenômeno que só se compreende pelo meio em que foi nascido e criado e pela realidade de uma emoção amorosa. Lereno, como o poeta a si se chama, formando este nome de Leiria, descreve a terra que é verdadeiramente uma Arcádia em que a vida rural não carece de ser imaginada, em que os quadros idílicos são todo o ambiente em que se respira e a vista alcança. É dali que ele tira todas as suas representações objetivas e os lances da vida sem artifício ou convencionalismo bucólico. As primeiras linhas da Primavera revelam esse meio que o fez poeta: "Entre as fragosas montanhas da Lusitânia, na costa ocidental do mar Oceano, onde se veem agora com maior nobreza levantadas as ruínas da cidade antiga Calipo, há um espaçoso sítio partido em verdes outeiros e graciosos vales, que a natureza com particulares graças povoou de árvores e fontes que fazem nele perpétua primavera, em meio do qual se levanta um monte agudo de penedia, cercado como ilha de dois rios, que pela fralda dele vão murmurando, até que ajuntando-se no extremo da sua altura levam ao mar em companhia a vagarosa corrente, e assim da parte do rio Lis, que na cópia das águas é principal, como pela do claro Lena, que escondido entre arvoredos faz o caminho, é cultivada a terra de muitos pastores, que naqueles vales e montes apascentam, passando a vida contentes com seus rebanhos e com os frutos que a terra em abundância lhe oferece... Aqui aonde Amor costuma conservar seu senhorio, mostrava cada dia maiores efeitos dele... Uma entrada do verão, quando pelo costume dos naturais do vale e por ajuntamento de outros pastores estrangeiros que ali traziam seu gado pela abundância dos pastos daquela ribeira, havia entre todos muitos exercícios de alegria costumados dos pastores, como eram músicas em porfia, dúvidas amorosas, bailes e lutas de toureiro e outros jogos, em que havia na montanha guardadores estremados. Lereno, que na música a muitos do vale tinha vantagem, um dia que com o novo sol sobre os floridos ramos, começavam as aves a celebrar a entrada do Verão e as aves e boninas a se levantar da terra... escolhendo um lugar apartado, a que o inclinava a própria condição, se foi assentar junto de uma fonte que está perto do rio à sombra de um alto freixo, entre duas faias, e ali cantou..." Era a iniciação do seu gênio poético, suscitado pela entrada do verão, como os apaixonados trovadores cantando pela reverdie: e esta precocidade, que cedo distinguia o jovem Lereno, floresceu esplendidamente pela psicose de um amor exaltado, que foi o tema exclusivo da sua obra literária. A beleza dessa idealização subsiste, por si, mas melhor se aprecia determinando a realidade que lhe dá um relevo objetivo. Os efeitos desse meio no desenvolvimento da organização poética de Francisco Rodrigues Lobo ainda hoje são verificáveis: são esses os sítios da perspectiva pitoresca de Leiria, em permanente idílio natural, mas para aspirar a atmosfera moral da floração psíquica de Francisco Rodrigues Lobo, que vivifica toda a sua poesia, importa pedir à sua obra a revelação do misterioso amor. A terra, que lhe foi berço, esclarece o espontâneo bucolismo em que despendeu o seu temperamento artístico; só o misterioso amor realça a beleza e sentido cujos versos, admirados apesar de se acharem velados estranhamente.

Por circunstâncias das tremendas crises sociais e políticas de fins do século XVI e começos do XVII, ficaram ignoradas as principais datas da sua vida: são elementos para essa reconstrução as referências de escritores contemporâneos, as tradições literárias colhidas pelos bibliógrafos Nicolau Antônio, Barbosa Machado e o bispo do Grão Pará Fr. João de São José Queirós, com os elementos pessoais que se encontram pela sua obra, como o sincronismo das individualidades preponderantes contemporâneas com quem conviveu. Pela coordenação de todos estes esparsos subsídios, a vida do inspirado poeta é um verdadeiro poema.

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TEÓFILO BRAGA
"História da Literatura Portuguesa: Os Seiscentistas(1916)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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