Joaquim
Manuel de Macedo, aspectos biográficos
De Joaquim Manuel de Macedo Poder-se-á
dizer o que Batista Pereira disse de Rui Barbosa — "que foi um
mundo"... Porque, como Ruy, Macedo foi o homem dos "sete
instrumentos". Foi romancista, poeta, comediógrafo, dramaturgo, membro do
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, historiador, corógrafo, deputado,
médico e jornalista.
Filho de Severino de Macedo Carvalho e
de Dona Benigna Catarina da Conceição, Macedo nasceu num sábado, 24 de junho de
1820, no Estado do Rio de Janeiro, na vila de São João do Itaboraí, que
constava, naquela época, de "uma grande praça formando um semicírculo em torno
da matriz, e quatro ruas quase fronteiras uma das outras, e comunicando com a
praça".
Era de altura mediana, corpo cheio,
cabeça até certo ponto arrogante, barba espessa e negra, sem bigodes, lábios
grossos e sensuais, olhos castanhos e vivos, testa larga — sinal evidente e
exteriorizador de sua inteligência máscula — cortada meio a meio pela ruga da
sensatez...
Joaquim Manuel de Macedo foi uma
vocação torcida. Formado em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro (tese
defendida em 11 de dezembro de 1844 jugulada tema "Considerações sobre a
nostalgia"), pouco ou nada fez dentro da carreira, porque, desde cedo
abraçou a das letras, datando daí sua vasta bagagem literária.
Abro um parêntese para narrar, a
respeito, um episódio. que se dá como autêntico. Certa vez, morreu-lhe em casa
uma criada, sendo necessário, para enterrá-la, um atestado médico. Distraído, o
médico-poeta saiu à procura de quem lho pudesse fornecer. Encontrando se com o
barão de Capanema, e, perguntado por este aonde ia, Macedo contou-lhe o que
ocorria em sua casa e a atrapalhação em que se achava.
— Agora — terminou ele — o mais
difícil é um médico para o atestado.
— Um médico?! — admirou-se o barão.
E sacudindo o braço do romancista>
— Aqui está um!
Macedo caiu em si e riu-se da própria
distração.
Feche-se o parêntese. Como jornalista.
colaborou na "Marmota Fluminense", no "Jornal do Comércio",
na "Semana Ilustrada", na "Revista do Instituto Histórico"
(com uma notável memória: "Duvida sobre alguns pontos de história pátria"),
na "Guanabara" e "Nação". Dos seus folhetins do
"Jornal do Comércio" fez um volume, em 1861, com o título 'Os
romances da semana". Os artigos da "Semana Ilustrada" foram
igualmente englobados em volume, subordinados ao titulo " Mazelas da
Atualidade" (1867), sob o pseudônimo de "Mínimo Severo".
Como poeta, a sua obra-prima foi
"A Nebulosa", poema-romance em verso solto, dividido em seis cantos e
um epílogo, escrito em 1857. "
Na comédia firmou nome com as peças
"Novo Otelo", "Cincinato Quebra-louças" ( magistralmente
representada por Furtado Coelho), "Torre em concurso", "
Remissão dos pecados". "Abraão", "Nina" etc.
Politicamente, teve deputação
provincial nas legislaturas de 1864-1868 e 1871-1881, renunciou uma pasta no
gabinete de 1864 e candidatou-se a senador do Império.
No teatro dramático, estreou talvez
com "O cego" (1849) e "Cobé" (1852), às quais seguiram-se
"O primo da Califórnia" (imitação do francês), "O sacrifício de
Isaque" (drama sacro), e peças "Luxo e Vaidade" e
"Lusbela", cheias de intensa paixão.
Como historiador e corógrafo, exerceu
o magistério no Colégio Pedro II, tendo chegado mesmo a escrever "Lições
de História do Brasil" (1861), "Noções de corografia" (1873),
"Ano Biográfico Brasileiro" (1876) e Mulheres célebres" (1878),
obras que, apesar de muito criticadas "foram copiadas pelos mesmos que as
censuraram"...
Fui no romance, porém, que Joaquim
Manuel de Macedo atingiu o apogeu literário. Apesar de não se esmerar em forma,
foi um ótimo pintor dos costumes nacionais.
Na abalizada opinião de Inocêncio F.
da Silva, "Joaquim Manoel de Macedo foi um espírito esclarecido". E
foi-o de fato. Em mais de uma obra sua ("Vítimas algozes" etc.), ele
profligou o abuso da escravidão, cerrando fileiras com Castro Alves,
Patrocínio, Raul Pompeia e outros abolicionistas.
Ele, com sua "Moreninha", e
José d' Alencar, com o "Guarani", foram os precursores do Romantismo
no Brasil, não se levando em conta os ensaiadores (Norberto Silva e Teixeira de
Souza).
Romancista popular, muitas vezes
tocava as raias do pieguismo. Contudo. foi o primus inter pares para dispor cenas... A "Moreninha",
sua obra-prima. é "uma das colunas do templo imponente em que deve
elevar-se um dia a sua imortalidade", pequena amostra de seu talento
pujante e de sua glória futura.
De Victor Hugo: "Em toda obra do
pensamento — drama, poema ou romance —entram três ingredientes: o que o autor
sentiu, o que o autor observou, o que o autor adivinhou". No romance,
principalmente, para que seja bom, é preciso que haja muitas coisas sentidas,
muitas observadas, e que as adivinhadas derivem lógica e simplesmente, sem
solução de continuidade, das coisas observadas e das coisas sentidas. Ora, aos
romances de Macedo não se pode negar o mérito de terem os três
"ingredientes" de Hugo, "ipso facto", por um silogismo
natural e espontâneo, eles são bons, com raras e inevitáveis exceções.
De sua exuberante bagagem de romances
destacam-se: "A Moreninha" (sua obra-máxima, escrita aos vinte e
quatro anos, com cinco edições sucessivas (1844), "O Moço Louro"
(1845, dedicado "às mui delicadas e amáveis damas brasileiras, pelo
acolhimento dado a minha filha Moreninha), "Dois amores" (1848);
"Rosa" (1849); "Vicentina" (1853); "O Forasteiro"
(1855); "A carteira de meu tio"; Memórias do sobrinho de meu
tio" (em continuação ao anterior, 1861); "Um passeio pela cidade do
Rio de Janeiro" (1862-1863); "O culto do Dever"
(1865),"Luneta mágica", "As vítimas algozes" (1869);
"As mulheres de mantilha" e "A Namoradeira" (1870),
"Um noivo e duas noiva" (1871); "Os quatro pontos cardiais"
(1872), "Baronesa do Amor", "O Rio do Quarto" e
"Nina" (1876); etc., etc.
Joaquim Manoel de Macedo, o romancista
privilegiadamente fecundo e produtivo, faleceu aos 11 de abril de 1882, numa
terça-feira funesta para as letras brasileiras...
***
Infelizmente. é quase geral dizer-se
indiferentemente Joaquim Manuel de Macedo e Manuel Joaquim de Macedo.
Joaquim Manuel de Macedo e Manuel
Joaquim de Macedo foram duas personagens distantes uma da outra. Joaquim Manuel
foi o escritor fecundo, e Manuel Joaquim, exímio violinista ("o grande
rabequista", como foi cognominado em vida), primo-irmão do precedente.
---
DANIEL SMITH
Revista
"Vamos Ler!", 30 de junho de 1938.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...