A República
O
exemplo dos Estados Unidos da América do Norte em 1776, seguido, no começo do
século imediato, por todas as nações do continente, seria imperativo. A
Revolução Francesa, do fim do século XVIII, seria um adjuvante (1789-93).
Contudo, a presença, aqui, de um príncipe liberal, no país feito metrópole,
impediu pensar em autonomia, até 21. Dom Pedro e José Bonifácio, que fazem a
Independência, fazem-na com a monarquia unitária.
Recordemos,
porém, em 1640, o iletigimismo dos Paulistas, proclamando, se não é lendário,
“Amador Bueno nosso rei”. Em 1710, na “Guerra dos Mascates”, fala-se em
república. Em 89 e 98, bouvera as aventuras malogradas das Conjurações Mineira
e Baiana e em 1817, em Pernambuco, já é uma revolução e outra a de 1824. Em 25,
é a “república de Piratinim” no Rio Grande. Em 37, é a “Sabinada”, na Bahia.
Castro Alves definira: República, vôo
ousado, do homem feito condor... No Rio é publicado o manifesto de 70, onde
aparecem os nomes de Saldanha Marinho, Quintino Bocaiuva, Aristides Lobo.
Funda-se o Clube Republicano, e começa a propaganda. Na Escola Militar professa
Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Em 84, São Paulo elege deputados a
Prudente de Morais e a Campos Sales; Minas, a Álvaro Botelho.
Em
geral, os servidores do Império, na oposição ao partido no poder, trabalham
pela república, depondo do Imperador e da dinastia. Também o Imperador, disse a
malícia, teria caprichos pessoais, julgados severamente. Os preferidos que
sobem ao poder, são os que difamam o Imperador: pode fazer-se uma antologia
“republicana” das ironias e das maldades com que cobriram Pedro II, em épocas
diversas, os Sales Torres Homem, Antônio Carlos, Holanda Cavalcanti, Alves
Branco, Nabuco de Araújo, Paraná, Olinda, Paranhos, Cotegipe, Zacarias,
Saraiva, Ferreira Viana, Ouro-Preto... Lafayette é recomendado pelo Manifesto
de 70; será Presidente do Conselho Martinho Campos, que lembra a S. M. que
ainda há a barra, por onde saiu o Pai, e por onde o Filho também pode ir...
Profético. Todos falam do “poder pessoal”. Eusébio de Queiroz dissera que não
se podia ser ministro segunda vez, com Pedro II. O “César caricato” esmaga os
homens “como cabeças de papoila”.
Ninguém
tem amor à instituição: nem mesmo Pedro II, cujo desprendimento do trono, como
fora o de Pedro I, é manifesto e declarado: apenas o país não estava preparado para a república. É exato que não tem
amigos — e José de Alencar, na Guerra dos
Mascates, o seu romance,
sob os traços do governador, profetizou, em 74, o seu fim: Foi muito caluniado em seu tempo, acabando por lhe faltarem os amigos e
defensores, em qualquer dos partidos, até mesmo naquele a quem por último se
entregara. É a sorte dos caracteres dúbios e perplexos que dirigindo todo seu
esforço a manter-se em equilíbrio entre as ideias e os homens, quando uma vez
falseiam, não acham esteio e despenham-se. Esse, o equilíbrio que procurava
Pedro II, indiferente às pessoas, apenas preocupado com a imparcialidade de sua
magistratura: A honra do meu reinado,
disse ele, só pode ser cumprir a Constituição que jurei. Era um soberano
condenado... Os seus políticos, que também não amavam a monarquia, são cruéis
com a dinastia: todos difamam o soberano que a serve. A bonomia imperial, —
aqui, de casaca e chapéu de chuva, em passeio em Paris, democraticamente no
teto dos ônibus; aqui “já sei”,
“já sei”, lá visitando sábios e suportando ironias de escritores; a “nobreza”, adventícia,
que aliás vinha de pai e avô, sem compostura, recrutada entre os que dão
dinheiro para obras imperiais e as gratificações político-eleitorais, (no fim
do Império eram tantos os fidalgos por decreto, que se dizia, nas ruas: Foge, cão, que te fazem barão! — Mas para onde,
se me fazem visconde?); os tempos novos, a “sugestão da América”, tudo nos
conduz à República. A erosão e o esgotamento do vale do Paraíba vem trazendo a
ruína da lavoura cafeeira da Província de Rio e do Norte da de São Paulo. A
esse mal ocorre-se com remédio contraproducente. O grande impulso é a
libertação dos escravos, imposta aos Conservadores, inopinada, sem indenização,
que arruinou de todo a lavoura, de onde, agudíssima a crise econômica, mais
eficiente porque atinge todas as classes da sociedade: 13 de maio foi véspera
de 15 de novembro.
O
pretexto imediato, causa ocasional que sempre aparece, foi uma “questão
militar”, já em torno do general Deodoro da Fonseca. À ascensão do Visconde de
Ouro Preto, dois deputados, Cesário Alvim e Padre João Manuel de Carvalho,
declaram-se republicanos. Itinerante, Silva Jardim, propaga a república pelo
Brasil, com as honras da perseguição policial. Um levante militar está próximo
contra o Ministério, encabeçando a conspiração o general Deodoro, que, entretanto,
quisera acompanhar o enterro do Imperador.
Não lhe espera a morte, todavia, porque os republicanos o cercam, com Aristides
Lobo, Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que querem a
deposição da monarquia. Contudo, Capistrano de Abreu pretendia que, em 15 de
novembro de 89 e em face da indecisão — apenas o ministério, como queria
Deodoro, ou também o trono, como queriam os republicanos? — proclamara ele o
novo regime, escrevendo no quadro negro, à porta da Gazeta de
Notícias, o jornal onde
colaborava, a informação: Está proclamada
a República. Quem passava pela rua do Ouvidor, todo o mundo, lia e saía
repetindo.
Estava
proclamada a república, vieram a saber os conspiradores contra o governo. Disse
Aristides Lobo: O povo assistira a tudo
bestializado. Não foi assim: assistira, indiferente. Nas províncias é
simbólico o que aconteceu ao inferior militar que, em Corumbá, recebeu a
notícia da proclamação da república, no Rio, pelo telégrafo: julgaram-no doido,
foi metido em prisão segura e, depois, confirmada a notícia inesperada,
deram-lhe alvíssaras...
Proclamou-se
a 15 de novembro de 1889, com um Governo Provisório, à frente do qual estava
Deodoro, feito “generalíssimo”. (A América é superlativa: Lopez, fora “el Supremo”).
Foi banida a Família Imperial. Só houve a efusão de algum sangue, o do barão de
Ladário, ministro da Marinha, que virá anos depois a ser senador da República.
No paquete “Alagoas” seguiram para a Europa o Imperador deposto — que recusa os
cinco mil contos que lhe dão por compensação — e a sua Família. Faleceu o
Soberano em Paris, a 5 de dezembro de 891. Foi virtuoso, bem intencionado, mas
sem poder ou capacidade para educar o país novo que lhe coube. Contudo, a
monarquia no poder, pacificado o império, por quase meio século nos privou do
caudilhismo, que imperava, ao tempo, na América Espanhola.
Iremos,
na República, desforrar o tempo perdido.
A
República, nascente, não teve começos tranquilos. Deodoro, chefe do Governo
Provisório, forçou a eleição a 1º Presidente constitucional. À oposição,
dissolveu o Parlamento. O vice-presidente que lhe deram, o general Floriano
Peixoto que encabeça a reação legal, depõe-no, em 91. Sob a acusação de querer
continuar no governo além do prazo constitucional, surge a Revolta da Armada em
93, sob a chefia dos almirantes Custódio José de Melo e Saldanha da Gama,
vencidos finalmente. Floriano é o consolidador da República, mas deixa o poder
no tempo legal. Restabelece-se assim a ordem civil, sendo eleito 2º Presidente,
Prudente de Morais. Daí para cá tem vivido em vicissitudes. Da mística
abolicionista que esperava o milagre do Brasil regenerado, caímos, pela
decepção, na mística republicana... a decepção desta onde nos levará?
É
natural: não temos e não podemos ter, ineducados, uma democracia — que
pressupõe governo instruído e livre, monárquico ou republicano, — sem educação
preliminar do povo para exercer o direito de escolha dos seus representantes,
para cumprir os deveres de disciplina e tolerância. Pela estatística “oficial”,
os analfabetos do Brasil são, em 1872, 84%; em 1890, 85%; em 1900, 74%; em
1920, 75%. A minoria, se sabe ler e escrever, não tem, toda, a educação cívica
indispensável. O que existe aqui, sob o nome de democracia, é apenas uma
oligarquia político-militar, construída por políticos profissionais e militares
que desdenham sua profissão, para a qual os nomes “monarquia” ou “república”
são vestidos exteriores, desajeitados e sem medida. O Presidente Garfield
dizia, dos Estados Unidos, em 77: Um
governo como o nosso, profetizou Macaulay, há de necessariamente dar na
anarquia e no separatismo; desmentir tal vaticínio só o poderá o mestre-escola.
Se conseguirmos encher o espírito de nossos filhos, futuros eleitores, de
conhecimentos que os habilitem a votar com acerto, e lhes incutirmos o espírito
de liberdade, estará frustrado o sinistro presságio. Mas, se, pelo contrário,
os deixarmos crescer na ignorância, então essa república se desmanchará em
desastrosa decepção. O mestre-escola americano respondeu. Com ele, o Povo e
o Estado. Nós marchamos para o abismo. As leis liberais, as Constituições, não
bastam. Já Condorcet, o filósofo e revolucionário francês, dissera: uma constituição livre, que não corresponda
à universal instrução dos cidadãos, destruir-se-á por si mesma, após algumas
tormentas e degradação, em forma de governo inepta para manter a paz num povo
ignorante e corrompido. Nós, prestígio da ineducação, somos mais
endurecidos ou impermeáveis que São Tomé: nem vendo, cremos.
O
regime republicano, entretanto, piorou-nos a situação. A nossa Constituição do
Império, de 24, inspirada nas ideias liberais francesas do século XIX, Benjamin
Constant à frente, era mais liberal do que a Constituição Americana de 1787,
provinda do absolutismo do século XVIII, Montesquieu por inspirador,
constituição que havia de sugerir a nossa, de 1891. Retrogradamos. Com efeito,
o presidencialismo americano é uma monarquia absoluta a curto prazo, mitigada
pelo revezamento e pela federação. O Parlamento monárquico — embora mal imitado
e mal exercido — era uma escola de administração e de governo: os ministros e
presidentes eram discutidos e a opinião fazia-se pelo debate; o parlamento não
votava só: debatia entre si, era uma escola mútua; chefes de polícia e
presidentes de província eram enviados a pontos diferentes do país e tinham
assim experiência das necessidades do Brasil, não fixados nas suas pátrias
regionais; contudo o Imperador preocupava-se demais com a Faculdade de Medicina
e o Colégio D. Pedro II, teses de concurso e exames da humanidades e, embora
justo e bom, não tinha educação, que não recebera, de soberano de país novo,
que mais carece de utilidades imediatas da vida, do que das aquisições
suntuárias da cultura — hebreu, astronomia, visitas a academias e convívio com
sábios e letrados... — mas não era impermeável à experiência, e, ainda na sua
última fala do trono, deseja a transferência do “poder pessoal”, o poder
moderador, ao Supremo Tribunal... Esse “poder pessoal” era nulo,
comparado com o que conseguiram, no presidencialismo, os chefes da nação. Como
quer que seja, monarquia ou república, são formas superficiais de governo,
traduções e, portanto, traições nacionais a tais regimes, principalmente pela
falta de educação popular. A Inglaterra monárquica e a América do Norte
presidencialista, as mais livres nações do mundo, o atestam. Instrução,
educação, não dão felicidade mas permitem saber melhor onde encontrar a
felicidade. Ora, três quartas partes dos Brasileiros, diz a estatística
oficial, não sabem sequer ler ou escrever, como saberem governar ou escolher os
que nos governam?
A
monarquia viveu e vivia a república, graças a uma condição psicológica,
“supletiva”, bem compreensível. Com a “maromba” ou a “gangorra” dos dois
partidos monárquicos, que se revezavam no poder, a necessidade, bem humana, de
mudança, de alívio, vinha, a cada alteração de governo. Quando a tensão era
ameaçadora, o partido Conservador caía e subia o Liberal (liberal e conservador
apenas nos nomes), que ia acumular nova tensão, para cair, e tornar o outro.
Assim viveu o Império equilibrista, manobrando o Imperador a válvula de
segurança. Na República, sem partidos, dois grandes Estados substituíram a
alternativa, e Minas e São Paulo disputavam o poder, atrás de cada um deles uns
tantos Estados menores, caudatários. Quando, porém, os Presidentes pensavam em
continuar (continuar para nomeações, demissões, promoções, emissões... pois não
há mais...) por um dos seus amigos ou prepostos da mesma província, cismos
políticos, que foram crescendo de importância e gravidade (considere-se:
Prudente-Campos Sales: cisão do P. R. P, partido republicano federal; Rodrigues
Alves-Bernardino de Campos: candidatura mineira imposta, presidente abandonado;
Afonso Pena-Campista: candidatura militar, abalada a ordem civil; Washington Luís-Júlio
Prestes: revolução do sul ao norte). Assim foi e será assim, pois que não
tivemos a coragem da Convenção Francesa, nem da grande República Americana, de,
geograficamente, fazer Estados ou departamentos mais ou menos iguais, para
iguais direitos e deveres, na comunidade: então, inevitavelmente, uma família
política, desunida, desavinda, José e seus irmãos, um mais forte ou mais rico,
os outros espoliados e invejosos. Assim, como vai, é a separação, se não
ocorrer desgraça maior à imprevidência e à ineducação: não conservaremos o
grande legado de Portugal. A prevenção é patriótica. Quem me avisa...
Durante
os quase 50 anos de República poucos fatos históricos memoráveis. Em 93, a Revolta da Armada,
vencida. A ilha da Trindade, de que se apossara a Inglaterra, é restituída, por
arbitragem de Portugal, representado pelo Marquês de Soveral, nosso advogado o
Ministro Sousa Correa. Em 95, laudo do Presidente dos Estados Unidos, Grover
Cleveland, dá ganho de causa ao Brasil, na questão das Missões com a Argentina,
nosso advogado o Barão do Rio Branco. Em 97, rebelião de fanáticos no sertão da
Bahia, vencidos, depois do sacrifício de Moreira César, Antônio Conselheiro e
seus jagunços, pelas tropas do general Artur Oscar: valeu-nos, essa chacina da
superstição, a obra vingadora de Euclides da Cunha: Os Sertões. Em 1900, decisão arbitral do Presidente da Suíça,
Walter Hauser, da questão do Oiapoc-Amapá, a favor do Brasil, contra a França,
nosso advogado o Barão do Rio Branco, o grande demarcador das nossas
fronteiras. A restauração financeira com Campos Sales (98-02) e Joaquim
Murtinho, é penitência memorável, que nos repõe no crédito. Sob Rodrigues Alves
vem o saneamento contra a febre amarela, com Oswaldo Cruz; a urbanização do
Rio, ora cidade moderna, com Pereira Passos; o porto, com Francisco Bicalho;
obras que darão imitação a todo o Brasil, de prestígio econômico, além disso,
pelos cais, docas, e edifícios, estradas. Rio Branco, ministro, elabora o
Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil, em 1903, por 2 milhões de libras,
adquire à Bolívia a posse do Acre, povoado por Brasileiros, uti
possidetis, território
nacional acrescentado ao país. Em 1904 o rei da Itália resolve contra nós,
dividindo ao meio o território litigioso que nos disputava a Inglaterra,
próximo à Guiana Inglesa, nosso advogado Joaquim Nabuco. Rio Branco assina com
o Colômbia (07), com o Peru (09), tratados de limites, e, pelo tratado de 09,
restitui ao Uruguai o condomínio de navegação da Lagoa Mirim e Rio Jaguarão,
ato raro de altruísmo internacional.
Miguel
Calmon, ministro de 06-09, pela lei do povoamento do solo, proporciona a maior
massa imigratória que jamais teve o país (quase um milhão de europeus, 927.802
imigrantes de 1906 a
1914, quando o total, de um século, de 1820 a 1920, foi de 3.461.615); pelo serviço de
abastecimento de águas, do Xerém e Mantiqueira, dá ao Rio a boa água que teve,
até um quartel de século depois; pela construção da Estrada de Ferro do
Noroeste do Brasil liga Mato Grosso à comunidade nacional, escusando o caminho
comprido do Rio da Prata e Paraná-Paraguai, uma das causas da guerra e à nossa
custa, enriquecimento de vizinhos pelos ônus da campanha contra o Paraguai: Seria preciso esperar cem anos!
exclamava Euclides da Cunha, nas vésperas: mas fê-lo, sem alarde, um dos nossos
raros homens de Estado. As explorações do General Rondon, para linhas
telegráficas, dão o conhecimento da “Rondônia”, e o serviço de proteção dos
índios, como o quisera José Bonifácio. A “Exposição de 1908” , que celebrou o Centenário
da abertura dos portos (1808) foi um inventário industrial, e cultural, do
Brasil.
Em
1917 o Brasil quebra a neutralidade na Grande-Guerra, ao lado dos Aliados: as
escolas alemãs e italianas do sul são nacionalizadas. Com Arrojado Lisboa, o
Presidente Pessoa começa as obras contra as secas do Nordeste, continuadas,
depois, pelo ministro José Américo. A desastrosa valorização de café, iniciada
pelo convênio de Taubaté (1906), espoliou por mais de trinta anos a lavoura,
permitindo imenso parasitismo burocrático e conseguindo aumentar a concorrência
dos produtores estrangeiros, protegidos à nossa custa. A safra que seguiu a tal
convênio, 1906-7 atribuía-nos 82,5% da produção mundial; vinte anos depois, a
de 1926-7 apenas nos concedeu 61,1%. Queimou-se café, — depois de produzido e
transportado custosamente, 63 milhões de sacas, equivalentes a 2 ½ anos de
consumo mundial... — e ainda importamos a “broca”. A borracha iria pelo mesmo
caminho, se as plantações do Extremo-Oriente não tivessem aniquilado a nossa
exploração, depredadora dos seringais.
Um pânico de
bolsa em Nova York, em outubro de 1929, bastou para suscitar uma crise
internacional, cujo decurso era fatal, inelutável, e que não poupou nenhuma
atividade, nenhum país, em toda a extensão do globo
(Laffon-Montels, Les étapes du
capitalisme, 1938).
Na América foram revoluções políticas, por todo o continente necessariamente,
em 29-30, causas ocasionais dissidências políticas que, em outra ocasião, nada
produziriam. A cotação do café em 28 = 5 £, caiu, em 29, a 2 £ 15 sh. e, em 30, a 1 £ 18 e veio caindo,
por aí abaixo, até 37.
A
proteção excessiva à indústria distrai o Brasil de produtor de matérias primas,
mantendo internamente, privilégios e monopólios abusivos, enquanto nos reduz à
miséria cambial por escassez de exportação. De “essencialmente agrícola” vamos
ficando “essencialmente industrial”: concorre para isso o envilecimento do meio
circulante (Simonsen), três vezes multiplicado, câmbio a 1,5. O Brasil ficará
em pouco apenas com a sua própria economia interna, “ensimesmado”, sem relações
exteriores. Infelizmente não produzimos nem fabricamos tudo o que falta e não
poderemos adquirir. Falta-nos educação popular; faltam-nos estadistas, que só
podem trabalhar nela apoiados. O povo inculto espera o milagre e não compreende
sequer que não há, no mundo terrestre, boa política sem boas finanças. O café,
que nos proporcionou a prosperidade do século XIX, dando para tudo, entra em
declínio. Como pairam ameaças estrangeiras sobre Santa Catarina e o Amazonas,
recorremos a um paliativo, restringindo a imigração... A má... e a boa.
***
Portugal
adivinhou, com Dom João II, o Brasil, em Tordesilhas. Descobriu-o, com Dom
Manuel.
Colonizou-o
e defendeu-o contra intrusos, com Dom João III. Os Jesuítas foram moral e
educação. A dominação espanhola, que foi castigo no Reino, transformou-se, no
Brasil, em comunidade, para nos estender fronteiras até os Andes e o Rio da
Prata. Com Dom João IV, o Reino ainda ocupado pelo inimigo, não nos desamparou
por isso contra o Flamengo. Pombal foi comércio e progresso. Com Dom João VI, é
Portugal, uma cultura europeia, que se instala na América. Pedro I, um príncipe
português, dá-nos a Independência e Pedro II, seu filho, meio século de
respeito. Independentes politicamente, é entretanto a mesma língua, raça, fé,
sentimento e inteligência, que nos fazem idênticos. Possamos nós dizer, como o
Épico: de tal pai tal filho se esperava.
O trabalhador português colabora ainda aqui com o nosso e quando, um em cem,
torna a Portugal, os bens aqui ficam, e o que vai são títulos brasileiros, a
confiança fiel dos portugueses.
Não
quero, porém, que uma ternura suspeita, de português da América, remate este
livro, que documenta, entretanto, tudo o que este epílogo resume. Dou a palavra
a um insuspeito estrangeiro, que também documentou a sua, a Robert Southey,
autor de uma História do Brasil: Jamais houve nação que, na proporção dos seus
meios, tanto fizesse como Portugal. Para concluir, com a certeza da
minha epígrafe: Suceda o que suceder,
sempre há de ser o Brasil uma herança de Portugal. E isto dá fé. De tal
pai, tal filho se há de esperar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...