1/25/2020

Biografia de Almeida Gerrett




Biografia de Garrett
Há biografias que são de difícil elaboração pelas trevas que as envolvem e pela ausência de documentos que as corroborem. Muitas vezes só as obras do autor nos esclarecem. Outras há porém de que se conhecem todas as épocas, todos os fatos. Destas é a de Garrett. Mas a biografia deste escritor tem de particular que os mais simples episódios, que todas as suas viagens e passos têm uma alta significação porque de todas resultava um benefício, fosse para a Literatura, fosse para a Política.

E a sua atividade literária foi enorme em todos os seus aspectos.

Por isso acomodar em algumas poucas páginas a biografia de Garret parece-nos difícil tarefa. É a dificuldade da escolha.

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Cabe à cidade do Porto,  à invicta cidade, a glória de ter sido berço de Garrett. Aí passou ele a primeira infância até 1800, ano em que acompanhou a Lisboa e depois à ilha Terceira sua família, que vinha fugindo aos franceses de Soult. Cedo começava a sua Odisseia.

Foi na ilha Terceira que o futuro chefe da Literatura portuguesa criou e desenvolveu a sua vocação literária, mercê da cuidada educação ministrada por seus tios.

Em 1815, contando apenas 16 anos, escreve a sua primeira composição poética, o poema Alfonsaida ou a Fundação do Império Lusitano.

No ano seguinte passou ao reino e foi matricular-se na Universidade, faculdade de direito, apesar das instâncias de seus tios cônegos, que lhe aconselhavam a vida eclesiástica.

Na época de Coimbra é que Garrett é consagrado poeta, sendo a sua primeira revelação pública uma elegia à morte de um mestre muito estimado. É igualmente em Coimbra que o poeta se manifesta liberal convicto, dirigindo o movimento de protesto contra a recusa do voto eleitoral aos acadêmicos naturais daquela cidade.

Existia então na cidade universitária um teatro de estudantes. Para ele escreveu Garrett várias tragédias com assunto clássico, porque a tragédia clássica era o único meio de exprimir a febre de liberdades, que a intransigência dos professores contrariava.

Quando em 1820 rebentou a revolução liberal, capitaneada por Manuel Fernandes Tomás, Garrett saudou o advento da Constituição com uma ode, lida e delirantemente aplaudida na Sala dos Capelos. Foi o maior triunfo da sua vida acadêmica.

A época de 1816 a 1820 é pois a fase de formação e revelação do grande gênio, como poeta, dramaturgo e propugnador indefesso do constitucionalismo.

No ano imediato ao da sua formatura publicou O Retraio de Vênus,  poema em quatro cantos, tendo por tema os amores de Vênus e Adônis e um bosquejo da História da Pintura.

Naquela fase de oscilatória política e de ideias também oscilantes, o bom gosto não existia e por isso o poema foi apreendido e o autor processado. Esta querela teve de proveitosa a sua estreia como orador eloquentíssimo, conseguindo a absolvição.

No mesmo ano, glorificando o grande patriota Manuel Fernandes Tomás, escreveu para um teatro particular a tragédia Catão.

Eram ainda as reminiscências da intolerância literária que reinava em Coimbra.

No espetáculo, em que se estreou a tragédia, conheceu a sua futura esposa D. Luísa Midosi.

A época que corre de 1822 a 1831 é na vida de Garrett uma longa Odisseia durante a qual o poeta compõe as mais belas produções do seu lirismo, despertado e inspirado pelas saudades da pátria e da esposa.

Garrett já então era apontado aos absolutistas como liberalão e por isso quando rebentou a contrarrevolução de D. Miguel, a Vilafrancada, emigrou para Londres, onde passou as mais duras necessidades porque o governo inglês lhe negou a pensão a que tinha direito como emigrado político.

Neste primeiro exílio Garrett transformou-se como escritor, talvez por influência da vastidão do meio.

Como introdutor do Romantismo em Portugal, escreve o Camões, poema elegíaco, meio clássico, meio romântico e a Dona Branca, a primeira composição portuguesa da nova escola, que assim ficou definitivamente constituída.

Coligiu e reviu a antiga poesia popular portuguesa.

Entretanto em 1826, D. João VI morria, outorgava-se a Carta e indultavam se os criminosos políticos. Garrett repatriou-se e fundou o Português, cujos artigos determinaram a prisão dos seus redatores e entre eles o próprio poeta. Por este jornal introduziu o seu fundador os folhetins e revistas de espetáculos.

Em 1828 D. Miguel regressava de Viena de Áustria e proclamava-se rei absoluto.

Garrett, que seria vítima das cegas perseguições de D. Miguel aos seus adversários políticos, emigrou novamente, desta vez acompanhado de sua esposa.

Neste segundo exílio escreveu a Adosinda, poema, tendo por assunto uma lenda popular, que foi logo vertido em inglês, e coligiu as suas primeiras poesias sob o título Lírica de João Mínimo.

Em 1832 D. Pedro IV, que viera a Portugal para advogar a causa do constitucionalismo que seu irmão D. Miguel violara, recrutava na ilha Terceira o célebre exército dos 7.500 do Mindelo. Garrett alistou-se, desligando-se depois por algum tempo do serviço por ser nomeado para colaborar nas reformas regeneradoras da sociedade portuguesa.

Foi no exercício desse cargo que ele redigiu o decreto que reorganizou a administração do país.
Voltando ao exército, bateu se heroicamente no célebre cerco do Porto. Eram o sentimento do amor filial e a convicção das ideias que o impeliam à cega defensão da mais nobre cidade portuguesa.

Durante esse memorável assédio, o soldado cedia nas tréguas do combate alguns momentos ao escritor. O romance O arco de Sant'Anna, foi o produto desse agitado período.

Passados anos, que novas perseguições e viagens lhe trouxeram, vemo-lo entrar francamente na política.

Como fundador do moderno teatro nacional, Garrett rompeu com os trágicos franceses e italianos, por cujo modelo escrevera as tragédias da sua primeira fase literária e buscou assunto nas tradições nacionais. Pertence a este período do dramaturgo Um auto de Gil Vicente. A ação deste drama baseia-se nos lendários amores do poeta Bernardim Ribeiro com D. Beatriz, filha de D. Manuel.

A escolha foi felicíssima para inaugurar o movimento de restauração não só pela oportunidade do assunto, mas ainda pelo palpitante dos amores do infeliz novelista.

A peça despertou o maior entusiasmo e preparou habilmente o público intelectual para assistir à remodelação do nosso teatro.

O Alfageme de Santarém, outro passo agigantado para essa remodelação, valeu-lhe por mal interpretado a demissão dos cargos de Inspetor Geral dos Teatros e de Diretor do Conservatório, fundado por iniciativa sua.

A publicação do Frei Luís de Sousa em 1844 completa a restauração. O Frei Luis de Sousa, tão genuinamente nacional pelo assunto, tão heroico pelo exemplo de patriotismo raro na época da ação, é a obra prima do moderno teatro português.

Abstraindo da cegueira e da aduladora crítica que até aqui o têm julgado, o drama é um primor mais como beleza que como  perfeição. Todavia ainda não foi destronado e posteriormente nada de comparável surgiu no nosso restrito meio literário, onde quase o teatro nacional não existe.
O Frei Luís de Sousa, o drama Filipa de Vilhena, e a comédia A sobrinha do marquês, publicados a seguir, consumaram pois a reforma do teatro nacional.

O seu canto de cisne é o volume Folhas caídas, versos impregnados de um lirismo melancólico, insuflado pelo avizinhar-se da morte e por amores tardios por que a sua alma borboleteava.

Aos 55 anos (1854) Garrett estava gasto pelas canseiras da sua agitada vida. E assim passou prematuramente aquele grande gênio que com Herculano acordou a literatura portuguesa do seu letargo desolador e a modernizou.

Garrett na poesia e no teatro, Herculano na história didática e no romance reformaram intelectualmente a sociedade portuguesa.

Espíritos tão diversos, Garrett elegante, poeta do amor, estrela das salas, Herculano concentrado, cioso do seu isolamento, quase intratável no fim da vida, concordaram contudo involuntariamente os seus estímulos.

No muito que se tem dito e escrito sobre Garrett, alguma coisa de parcialidade há a descontar porque à volta do seu nome formou-se uma auréola de prestígio que, ainda ajudada pelo atrito do tempo, dificilmente uma crítica justa conseguirá dissipar.

Contudo Garrett será em todos os tempos um brilhante ornamento da nossa galeria de escritores.

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FIDELINO DE SOUSA FIGUEIREDO
Setembro de 1905.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020)

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