Pela
encosta do Líbano, rugindo,
O
noto furioso
Passou
um dia, arremessando à terra
O
cedro mais frondoso;
Assim
te sacudiu da morte o sopro
Do
carro da vitória,
Quando,
ébrio de esperanças, tu sorrias,
Filho
caro da glória.
Se,
depois de procela em mar de escolhos,
A
combatida nave
Vê
terra e vento abranda, o porto aferra,
Com
júbilo suave.
Também
tu demandaste o céu sereno,
Depois
de uma árdua lida:
Deus
te chamou: o prêmio recebeste
Dos
méritos da vida.
Que
é esta? Um ermo de espinhais cortado,
Donde
foge o prazer:
Para
o justo ela existe além da campa:
Teme
o ímpio o morrer.
Plante-se
a acácia, o símbolo do livre,
Junto
às cinzas do forte:
Ele
foi rei — e combateu tiranos —
Chorai,
chorai-lhe a morte!
Regada
pelas lágrimas de um povo,
A
planta crescerá;
E
à sombra dela a fronte do guerreiro
Plácida
pousará.
Essa
fronte das balas respeitada,
Agora
a traga o pó:
Do
valente, do bom, do nosso amigo
Restam
memórias só;
Mas
estas, entre nós, com a saudade
Perenes
viverão,
Enquanto,
à voz de pátria e liberdade,
Ansiar
um coração.
Nas
orgias de Roma, a prostituta,
Folga,
vil opressor:
Folga
com os hipócritas do Tibre;
Morreu
teu vencedor.
Envolto
em maldições, em susto, em crimes
Fugiste,
desgraçado:
Ele,
subindo ao céu, ouviu só queixas,
E
um choro não comprado:
Encostado
na borda do sepulcro,
O
olhar atrás volveu,
As
suas obras contemplou passadas,
E
em paz adormeceu:
Os
teus dias também serão contados,
Covarde
foragido:
Mas
será de remorso tardo e inútil
Teu
último gemido:
Do
passamento o cálix lhe adoçaram
Uma
filha, uma esposa:
Quem,
tigre cru, te cercará o leito,
Nessa
hora pavorosa?
Deus,
te és bom: e o virtuoso em breve
Chamas
ao gozo eterno,
E
o ímpio deixas saciar de crimes,
Para
o sumir no inferno?
Alma
gentil, que assim nos hás deixado,
Entregues
à alta dor,
Anjo
das preces nos serás, perante
O
trono do Senhor:
E
quando, cá na terra, o poderoso
As
leis aos pés calcar,
Junto
do teu sepulcro irá o opresso
Seus
males deplorar:
Assim,
no Oriente, de Albuquerque às cinzas
O
desvalido indiano
Mais
de uma vez foi demandar vingança
De
um déspota inumano.
Mas
quem ousará à pátria tua e nossa
Curvar
nobre cerviz?
Quem
roubará ao lusitano povo
Um
povo ser feliz?
Ninguém!
Por tua glória os teus soldados
Juram
livres viver.
Ai
do tirano que primeiro ousasse
Do
voto escarnecer!
Nesse
abraço final, que nos legaste,
Legaste
o gênio teu:
Aqui
— no coração — nós o guardamos;
Teu
gênio não morreu.
Jaz
em paz: essa terra, que te esconde,
O
monstro abominado
Só
pisará ao baquear sobre ela
Teu
último soldado.
Eu
também combati: nas pátrias lides
Também
colhi um louro:
O
prantear o companheiro extinto
Não
me será desdouro.
Para
o sol do Oriente outros se voltem,
Calor
e luz buscando:
Que
eu pelo belo sol, que jaz no ocaso,
Cá
ficarei chorando.
A VITÓRIA E A PIEDADE
I
Eu
nunca fiz soar meus pobres cantos
Nos
paços dos senhores!
Eu
jamais consagrei hino mentido
Da
terra aos opressores.
Mal
haja o trovador que vai sentar-se
À
porta do abastado,
O
qual com ouro paga a própria infâmia,
Louvor
que foi comprado.
Desonra
àquele, que ao poder e ao ouro
Prostitui
o alaúde!
Deus
à poesia deu por alvo a pátria,
Deu
a glória e a virtude.
Feliz
ou infeliz, triste ou contente,
Livre
o poeta seja,
E
em hino isento a inspiração transforme
Que
na sua alma adeja.
II
No
despontar da vida, do infortúnio
Murchou-me
o sopro ardente;
E
saudades curti em longes terras
Da
minha terra ausente.
O
solo do desterro, ai, quanto ingrato
É
para o foragido,
Enevoado
o céu, árido o prado,
O
rio adormecido!
E
lá chorei, na idade da esperança,
Da
pátria a dura sorte:
Esta
alma encaneceu; e antes de tempo
Ergueu
hinos à morte:
Que
a morte é para o mísero risonha,
Santa
da campa a imagem...
Ali
é que se aferra o porto amigo,
Depois
de árdua viagem.
III
Mas
quando o pranto me sulcava as faces,
Pranto
de atroz saudade,
Deus
escutou do vagabundo as preces,
Dele
teve piedade.
“Armas!”
bradaram no desterro os fortes,
Como
bradar de um só:
Erguem-se,
voam, cingem ferros; cinge-os
Indissolúvel
nó.
Com
seus irmãos as sacrossantas juras,
Beijando
a cruz da espada,
Repetiu
o poeta: “Eia, partamos!
Ao
mar!” Partia a armada
Pelas
ondas azuis correndo afoitos,
As
praias demandamos
Do
velho Portugal, e o balcão negro
Da
guerra despregamos;
De
guerra em que era infâmia o ser piedoso,
Nobreza
o ser cruel,
E
em que o golpe mortal descia envolto
Das
maldições no fel.
IV
Fanatismo
brutal, ódio fraterno,
De
fogo céus toldados,
A
fome, a peste, o mar avaro, as turbas
De
inúmeros soldados;
Comprar
com sangue o pão, com sangue o lume
Em
regelado inverno;
Eis
contra o que, por dias de amargura,
Nos
fez lutar o inferno.
Mas
de fera vitória, enfim, colhemos
A
coroa de cipreste;
Que
a fronte ao vencedor em ímpia luta
Só
essa coroa veste.
Como
ela torvo, soltarei um hino
Depois
do triunfar.
Oh,
meus irmãos, da embriaguez da guerra
Bem
triste é o acordar!
Nessa
alta encosta sobranceira aos campos,
De
sangue ainda impuros,
Onde
o canhão troou por mais de um ano
Contra
invencíveis muros,
Eu,
tomando o alaúde, irei sentar-me,
Pedir
inspirações
À
noite queda, ao gênio que me ensina
Segredos
das canções.
V
Reina
em silêncio a lua; o mar não brame,
Os
ventos nem bafejam:
Rasas
com a terra, só noturna aves
Em
giros mil adejam.
No
plaino pardacento, junto ao marco
Tombado,
ou rota sebe,
Aqui
e ali, de ossadas insepultas
O
alvejar se percebe.
É
que essa veiga, tão festiva outrora,
Da
paz tranquilo império,
Onde
ao carvalho a vide se enlaçava,
E
hoje um cemitério!
VI
Eis
de esforçados mil inglórios restos,
Depois
de brava lida:
De
longo combater atroz memento
Em
guerra fratricida.
Nenhum
padrão recordará aos homens
Seus
feitos derradeiros:
Nem
dirá: “Aqui dormem portugueses;
Aqui
dormem guerreiros.”
Nenhum
padrão, que peça aos que passarem
Reza
fervente e pia,
E
junto ao qual entes queridos vertam
O
pranto da agonia!
Nem
hasteada cruz, consolo ao morto;
Nem
lájea que os proteja
Do
ardente sol, da noite úmida e fria,
Que
passa e que roreja!
Não!
lá hão de jazer no esquecimento
De
desonrada morte,
Enquanto,
pelo tempo em pó desfeitos,
Não
os dispersa o norte.
VII
Quem,
pois, consolará gementes sombras.
Que
ondeiam junto a mim?
Quem
seu perdão da pátria implorar ousa,
Seu
perdão de Eloim?
Eu,
o cristão, o trovador do exílio,
Contrário
em guerra crua,
Mas
que não sei verter o fel da afronta
Sobre
uma ossada nua.
VIII
Lavradores,
zagais, descem dos montes,
Deixando
terras, gados,
Para
as armas vestir, dos céus em nome,
Por
fariseus chamados.
De
um Deus de paz hipócritas ministros
Os
tristes enganaram:
Foram
eles, não nós, que estas caveiras
Aos
vermes consagraram.
Maldito
sejas tu, monstro do inferno,
Que
do Senhor no templo,
Junto
da eterna cruz, ao crime incitas,
Das
do furor o exemplo!
Sobre
as cinzas da pátria, ímpio, pensaste
Folgar
de nosso mal,
E,
entre as ruínas de cidade ilustre,
Soltar
riso infernal.
Tu,
no teu coração insipiente,
Disseste:
Deus não há!
Ele
existe, malvado; e nos vencemos:
Treme;
que tempo é já!
IX
Mas
esses, cujos ossos espalhados
No
campo da peleja
Jazem,
exoram a piedade nossa;
Piedoso
o livre seja!
Eu
pedirei a paz dos inimigos,
Mortos
como valentes,
Ao
Deus nosso juiz, ao que distingue
Culpados
de inocentes.
X
Perdoou,
expirando, o Filho do Homem
Aos
seus perseguidores;
Perdão,
também, às cinzas de infelizes;
Perdão,
ó vencedores!
Não
insulteis o morto. Ele há comprado
Bem
caro o esquecimento,
Vencido
adormecendo em morte ignóbil,
Sem
dobre ou monumento.
É
tempo d'olvidar ódios profundos
De
guerra deplorável.
O
forte é generoso, e deixa ao fraco
O
ser inexorável.
Oh,
perdão para aquele a quem a morte
No
seio agasalhou!
Ele
é mudo: pedi-lo já não pode;
O
dá-lo a nós deixou.
Além
do limiar da eternidade
O
mundo não tem réus
O
que legou a terra o pó da terra
Julgá-lo
cabe a Deus.
E
vós, meus companheiros, que não visites
Nossa
triste vitória,
Não
precisais do trovador o canto;
Vosso
nome é da história.
XI
Assim,
foi do infeliz sobre a jazida
Que
um hino murmurei,
E,
do vencido consolando a sombra,
Por
vós eu perdoei
A CRUZ MUTILADA
Amo-te,
ó cruz, no vértice firmada
De
esplêndidas igrejas;
Amo-te
quando à noite, sobre a campa,
Junto
ao cipreste alvejas;
Amo-te
sobre o altar, onde, entre incensos,
As
preces te rodeiam;
Amo-te
quando em préstito festivo
As
multidões te hasteiam;
Amo-te
erguida no cruzeiro antigo,
No
adro do presbitério,
Ou
quando o morto, impressa no ataúde,
Guias
ao cemitério;
Amo-te,
o cruz, até, quando no vale
Negrejas
triste e só,
Núncia
do crime, a que deveu a terra
Do
assassinado o pó:
Porém
quando mais te amo,
Ó
cruz do meu Senhor,
É,
se te encontro à tarde,
Antes
de o sol se pôr,
Na
clareira da serra,
Que
o arvoredo assombra,
Quando
a luz que fenece
Se
estira a tua sombra,
E
o dia últimos raios
Com
o luar mistura,
E
o seu hino da tarde
O
pinheiral murmura.
E
eu te encontrei, num alcantil agreste,
Meia
quebrada, ó cruz. Sozinha estavas
Ao
pôr do sol, e ao elevar-se a lua
Detrás
do calvo cerro. A soledade
Não
te pôde valer contra a mão ímpia,
Que
te feriu sem dó. As linhas puras
De
teu perfil, falhadas, tortuosas,
Ó
mutilada cruz, falam de um crime
Sacrílego,
brutal e ao ímpio inútil!
A
tua sombra estampa-se no solo,
Como
a sombra de antigo monumento,
Que
o tempo quase derrocou, truncada.
No
pedestal musgoso, em que te ergueram
Nossos
avós, eu me assentei. Ao longe,
Do
presbitério rústico mandava
O
sino os simples sons pelas quebradas
Da
cordilheira, anunciando o instante
Da
ave-maria; da oração singela,
Mas
solene, mas santa, em que a voz do homem
Se
mistura nos cânticos saudosos,
Que
a natureza envia ao céu no extremo
Raio
de sol, passando fugitivo
Na
tangente deste orbe, ao qual trouxeste
Liberdade
e progresso, e que te paga
Com
a injúria e o desprezo, e que te inveja
Até,
na solidão, o esquecimento!
Foi
da ciência incrédula o sectário,
Acaso,
o cruz da serra, o que na face
Afrontas
te gravou com mão profusa?
Não!
Foi o homem do povo, a quem consolo
Na
miséria e na dor constante hás sido
Por
bem dezoito séculos: foi esse
Por
cujo amor surgias qual remorso
Nos
sonhos do abastado ou do tirano,
Bradando
— esmola! a um; piedade! ao outro.
Ó
cruz, se desde o Gólgota não foras
Símbolo
eterno de uma crença eterna;
Se
a nossa fé em ti fosse mentida,
Dos
opressos de outrora os livres netos
Por
sua ingratidão dignos de opróbrio,
Se
não te amassem, ainda assim seriam.
Mas
és núncia do céu, e eles te insultam,
Esquecidos
das lágrimas perenes
Por
trinta gerações, que guarda a campa,
Vertidas
a teus pés nos dias torvos
Do
seu viver d'escravidão! Deslembram-se
De
que, se a paz doméstica, a pureza
Do
leito conjugal bruta violência
Não
vai contaminar, se a filha virgem
Do
humilde camponês não é ludíbrio
Do
opulento, do nobre, ó cruz, te devem;
Que
por ti o cultor de férteis campos
Colhe
tranquilo da fadiga o prêmio,
Sem
que a voz de um senhor, qual dantes, dura
Lhe
diga: “É meu, e és meu! A mim deleites,
Liberdade,
abundância: a ti, escravo,
O
trabalho, a miséria unido à terra,
Que
o suor dessa fronte fertiliza,
Enquanto,
em dia de furor ou tédio,
Não
me apraz com teus restos fecundá-la.”
Quando
calada a humanidade ouvia
Este
atroz blasfemar, te elevaste
Lá
do Oriente, ó cruz, envolta em glória,
E
bradaste, tremenda, ao forte, ao rico:
“Mentira!”,
e o servo alevantou os olhos,
Onde
a esperança cintilava, a medo,
E
viu as faces do senhor retintas
Em
palidez mortal, e errar-lhe a vista
Trépida,
vaga. A cruz no céu do Oriente
Da
liberdade anunciara a vinda.
Cansado,
o ancião guerreiro, que a existência
Desgastou
no volver de cem combates,
Ao
ver que, enfim, o seu país querido
Já
não ousam calçar os pés d'estranhos,
Vem
assentar-se à luz meiga da tarde,
Na
tarde do viver, junto do teixo
Da
montanha natal. Na fronte calva,
Que
o sol tostou e que enrugaram anos,
Há
um como fulgor sereno e santo.
Da
aldeia semideus, devem-lhe todos
O
teto, a liberdade, e a honra e vida.
Ao
perpassar do veterano, os velhos
A
mão que os protegeu apertam gratos;
Com
amorosa timidez os moços
Saúdam-no
qual pai. Nas largas noites
Da
gelada estação, sobre a lareira
Nunca
lhe falta o cepo incendiado;
Sobre
a mesa frugal nunca, no estio,
Refrigerante
pomo. Assim do velho
Pelejador
os derradeiros dias
Derivam
para o túmulo suaves,
Rodeados
de afeto, e quando à terra
A
mão do tempo gastador o guia,
Sobre
a lousa a saudade ainda lhe esparze
Flores,
lágrimas, bênçãos, que consolem
Do
defensor do fraco as cinzas frias.
Pobre
cruz! Pelejaste mil combates,
Os
gigantes combates dos tiranos,
E
venceste. No solo libertado,
Que
pediste? Um retiro no deserto,
Um
píncaro granítico, açoitado
Pelas
asas do vento e enegrecido
Por
chuvas e por sóis. Para ameigar-te
Este
ar úmido e gélido a segure
Não
foi ferir do bosque o rei. Do estio
No
ardor canicular nunca disseste:
“Dai-me,
sequer, do bravo medronheiro
O
desprezado fruto!” O teu vestido
Era
o musgo, que tece a mão do inverno
E
Deus criou para trajar as rochas.
Filha
do céu, o céu era o seu teto,
Teu
escabelo o dorso da montanha.
Tempo
houve em que esses bravos te adornava
Coroa
viçosa de gentis boninas,
E
o pedestal te rodeavam preces.
Ficaste
em breve só, e a voz humana
Fez,
pouco a pouco, junto a ti silêncio.
Que
te importava? As árvores da encosta
Curvavam-se
a saudar-te, e revoando
As
aves vinham circundar-te de hinos.
Afagava-te
o raio derradeiro,
Frouxo
do sol ao mergulhar nos mares,
E
esperavas o túmulo. O teu túmulo
Devera
ser o seio destas serras,
Quando,
em gênesis novo, à voz do Eterno
Do
orbe ao núcleo fervente, que as gerara,
Elas
nas fauces dos vulcões descessem.
Então
para essa campa flores, bênçãos
Ou
é saudade lágrimas vertidas,
Qual
do velho soldado a lousa pede,
Não
pediras a ingrata raça humana,
Ao
pé de ti no seu sudário envolta.
Este
longo esperar do dia extremo
No
esquecimento do ermo abandonada,
Foi
duro de sofrer aos teus remidos,
Ó
redentora cruz. Eras, acaso,
Como
um remorso e acusação perene
No
teu rochedo alpestre, onde te viam
Pousar
tristonha e só? Acaso, à noite,
Quando
a procela no pinhal rugia,
Criam
ouvir-te a voz acusadora
Sobrelevar
à voz da tempestade?
Que
lhes dizias tu? De Deus falavas,
E
do seu Cristo, do divino mártir,
Que
a ti, suplício e afronta, a ti maldita
Ergueu,
purificou, clamando ao servo,
No
seu transe: “Ergue-te, escravo!
És
livre, como é para a cruz da infâmia.
Ela
vil e tu vil, santos, sublimes
Sereis
ante meu Pai. Ergue-te, escravo!
Abraça
tua irmã: segue-a sem susto
No
caminho dos séculos. Da terra
Pertence-lhe
o porvir, e o seu triunfo
Trará
da tua liberdade o dia.”
Eis
porque teus irmãos te arrojam pedras,
Ao
perpassar, ó cruz! Pensam ouvir-te
Nos
rumores da noite, a antiga história
Recontando
do Gólgota, lembrando-lhes
Que
só ao Cristo a liberdade devem,
E
que ímpio o povo ser é ser infame.
Mutilado
por ele, a pouco e pouco,
Tu
em fragmentos tombaras do cerro,
Símbolo
sacrossanto. Hão de os humanos
Aos
pés pisar-te; e esquecerás no mundo.
Da
gratidão a dívida não paga
Ficará,
ó tremenda acusadora,
Sem
que as faces lhes tinja a cor do pejo;
Sem
que o remorso os corações lhes rasgue.
Do
Cristo o nome passará na terra.
Não!
Quando, em pó desfeita, a cruz divina
Deixar
de ser perene testemunho
Da
avita crença, os montes, a espessura,
O
mar, a lua, o murmurar da fonte,
Da
natureza as vagas harmonias,
Da
cruz em nome, falarão do Verbo.
Dela
no pedestal, então deserto,
Do
deserto no seio, ainda o poeta
Virá,
talvez, ao por do sol sentar-se;
E
a vez da selva lhe dirá que a santo
Este
rochedo nu, e um hino pio
A
solidão lhe ensinará e a noite.
Do
cântico futuro uma toada
Não
sentes vir, ó cruz, de além dos tempos
Da
brisa do crepúsculo nas asas?
É
o porvir que te proclama eterna;
É
a voz do poeta a saudar-te.
Montanha
do Oriente,
Que,
sobre as nuvens elevando o cume,
Divisas
logo o sol, surgindo a aurora,
E
que, lá no Ocidente,
Última
vez seu radioso lume,
Em
ti minha alma a eterna cruz adora.
Rochedo,
que descansas
No
promontório nu e solitário,
Como
atalaia que o oceano explora,
Alheio
às mil mudanças
Que
o mundo agitam turbulento e vário,
Em
ti minha alma a eterna cruz adora.
Sobros,
robles frondentes,
Cuja
sombra procura o viandante,
Fugindo
ao sol a prumo que o devora,
Nesses
dias ardentes
Em
que o Leão nos céus passa radiante,
Em
ti minha alma a eterna cruz adora.
Ó
mato variado,
De
rosmaninho e murta entretecido,
De
cujos tênues flores se evapora
Aroma
delicado,
Quando
és por leve aragem sacudido,
Em
ti minha alma a eterna cruz adora.
Ó
mar, que vais quebrando
Rolo
após rolo pela praia fria,
E
fremes som de paz consoladora,
Dormente
murmurando
Na
caverna marítima sombria,
Em
ti minha alma a eterna cruz adora.
Ó
lua silenciosa,
Que
em perpétuo volver, seguindo a terra,
Esparzes
tua luz ameigadora
Pela
serra formosa,
E
pelos lagos que em seu seio encerra,
Em
ti minha alma a eterna cruz adora.
Debalde
o servo ingrato
No
pó te derribou
E
os restos te insultou,
Ó
veneranda cruz:
Embora
eu te não veja
Neste
ermo pedestal;
És
santa, és imortal;
Tu
és a minha luz!
Nas
almas generosas
Gravou-te
a mão de Deus,
E,
à noite, fez nos céus
Teu
vulto cintilar.
Os
raios das estrelas
Cruzam
o seu fulgor;
Nas
horas do furor
As
vagas cruza o mar.
Os
ramos enlaçados
Do
roble, choupo e til
Cruzando
em modos mil,
Se
vão entretecer.
Ferido,
abre o guerreiro
Os
braços, solta um ai,
Para,
vacila, e cai
Para
não mais se erguer.
Cruzado
aperta ao seio
A
mãe o filho seu,
Que
busca, mal nasceu,
Fontes
da vida e amor.
Surges,
símbolo eterno,
No
céu, na terra e mar,
Do
forte no expirar,
E
do viver no alvor!
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