![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwJ-ogl1-PMUulIbuaHA_0FeSklQAmmDgTS5VeRaSb6tKvRo4GQeeZ3_WjYaQRoDwGdDfPIACEbgsVt2ydug6ekJiU9t8N-AcZ8DC5qOj5yttqJjBwpsvRkVM_Irq9wsHagfmpeCnOSJOD/s1600/taja-delfino.jpg)
A CANOA
Ela notava então... (e com que graça
Ela notava com seu lindo dedo!...)
A vaga azul do mar lambendo a medo
Leve canoa, que oscilando passa.
É quase do tamanho de uma taça...
Vai rente e rente à beira do rochedo...
Ai! se a asa, em que vai, se lhe embaraça,
Morre a ave marinha ali bem cedo!...
Isto dizendo, tristemente ria,
Porque seu casto riso de alegria
Tem de outro riso a eterna viuvez.
Mas os ricos tesouros de Golconda,
Que ela mostrava no sorriso à onda,
Tinham mais brilho e mais valor talvez.
COISAS DA TARDE
Era o disco do sol, no poente, um forno
Aberto, a chama calma, e cor-de-rosa:
E a lua, uma camélia branca, adorno
Que tinha a tarde azul na trança ondosa.
Criara o amor o acaso, e a voluptuosa
Hora, e o lugar, e o monte escuso, em torno
Do qual as vagas, num marulho morno,
Gemiam, como quem ou sofre ou goza.
Profundamente um cheiro glauco e amargo
Aspirávamos nós, num beijo insano...
Num beijo insano, demorado, largo.
Fugia ao longe um barco a todo pano...
E era uma dor sumir-se... sem embargo
De quanta verde luz enchia o oceano...
PELA PRAIA
Vão mais depressa... Deixa-os. — Dá-me o braço;
Vem das sombras do monte, em roda, o escuro;
Há muita tarde; o medo é prematuro;
Não temas: vá, mais devagar o passo.
Mais devagar... assim. Esse cansaço
Cura-se, haurindo lentamente ar puro;
Não receies; teu corpo ao meu seguro,
Encostado, é mais leve, encurta o espaço.
Olha os teus pés; levanta um pouco a saia,
Qué-los beijar o mar, os quer, e afaga:
Cai a noite? — Que tem que a noite caia?
Com que delícias o terror nos paga,
Quando vamos tão bem a sós na praia,
Ouvindo a flauta ao vento, e o búzio à vaga!...
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DANÇA DE TRITÕES
Vasquejava o oceano indômito defronte:
Como corola agreste, a choupana de pinho
Abria-se por sobre o dorso hirto do monte,
Entre o álacre esplendor do mato em flor, vizinho.
Como aranhol de festa, a lua no horizonte
Alumiava o areal e as curvas do caminho;
Na praia, negro, horrendo, a coma em desalinho,
Parecia o penedo aspérrimo Caronte.
Nele atada uma lancha: a lancha arfando inquieta...
E ele rijo, de pé, nessa inflexível reta;
Pela grama descia um carreirinho ao mar;
E mulheres enchendo-o, e um grupo de crianças
Riam, vendo na praia a cadência das danças
De espadaúdos Tritões, búzios soprando ao luar.
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Quando a Aurora ao surgir ia ensopando o espaço
De aromas bons, parou: — que fez parar a Aurora?
Fugiram-lhe, em remoinho, as pombas do regaço,
Caíram-lhe do cinto as rosas de ouro em fora.
Os pássaros, que prende à tenda, que decora,
Pousavam-lhe, cantando, à coma, ao ombro, ao braço;
E em pé, de um lírio viu, a nau que o mar devora
Há três dias, rosnando ante astrágalos de aço.
E onda a onda entoava uma odisseia ignota;
E os cadáveres rindo um riso alvar de idiota,
Mostrando os dentes e movendo os olhos tortos,
Rolavam numa dança insana e persistente:
E o velho oceano os via, e zombava igualmente
Da ironia dos céus e da farsa dos mortos...
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Como um milhar de leões — disse-me o Oceano — eu rujo!
Pois bem: à tarde, em pé, eu vi do tombadilho
Do barco em que ia, entrar no oceano o Sol, por cujo
Antro ainda lançava ao longe ígneo rastilho;
E a Noite vir, trepar, subir, como um marujo,
Por mastros e brandais cheios de asas, e brilho
De anéis de aço e de bronze areados, — num sarilho,
Manchando tudo em torno ao pulso enorme e sujo...
E eu surpreendi embaixo o mar numa humilhada
Atitude ante o céu calmo, estrelado e frio:
E essa água assim escura, ondeante e fatigada,
Parecia-me então um polvo luzidio
Que pelo dorso imundo e visguento, agarrada,
Arrastava na sombra a concha do Navio!
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ARCO
Viajo agora ebriado o velho Oriente...
E eu que sei o esplendor das formas tuas,
Que és branca, como o luar das noites suas,
Que és, como o aroma dos seus bosques, quente,
Tendo-te sempre em meu pensar presente,
Lagoa funda e quieta em que flutuas,
E que a beijar-te as doces carnes nuas,
Nunca sinto fartar-me e estar contente:
Em chão sáfaro mesmo, ou mau, que piso,
Rasgo, estendo, armo, enfloro um paraíso,
Granizo sóis e o solo é deles cheio.
Mas das rútilas coisas que imagino,
Tu só me deste, ó puro ser divino,
Lâmpada de ouro eterna em céus que arqueio...
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À noite o Padixá raríssimos instantes
Furta ao labor imperial: dorme sob o crescente,
Na verdura, Istambul; arfa a aragem do oriente...
Voa à vela o caíque em ondas de diamantes.
Leva só velho eunuco, e a escrava adolescente,
Nua... quase em nudez, as formas deslumbrantes,
Cantando à harpa tricorde uma canção dolente,
Que faz ver, como um sonho, as mesquitas distantes.
Num descuido de harém, numa graça felina,
— Ouves? quero beber o céu, Abdul dizia;
— Ouço: e estendendo a mão branca, comprida e fina,
Ela, por não lhe dar o que no olhar lhe ria,
Perfidamente meiga, em taça bizantina
Dava-lhe o céu, que em fogo o Bósforo acendia...
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(A Múcio Teixeira)
Tremem beijos do sol na fina porcelana
Do palácio imperial, redondo e torreado,
Sobre os cristais do rio Amarelo pousado,
Onde passa o verão a gentil soberana.
Ela, — as horas, que vão morosamente, — engana,
Por entre as grades pondo o rosto cinzelado,
Como um vaso de cobre em Pequim trabalhado;
E o olhar molhado em luz, que sussurra e espadana,
Solta-o pela corrente abaixo, ao longe... e espera,
Como outro sol, luzindo à popa da galera,
Entre os seus mandarins, o belo imperador;
Vê-se entre o ferro as mãos, louras como manteiga,
E as unhas de coral, e a expressão vaga e meiga
Da mulher quando oscila entre a saudade o amor.
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O guarda-sol de seda à mão longa e alourada,
Como o bronze que luz nas jarras de Pequim,
E o leque noutra mão, cuja folha espalmada
De penas de pavão abre sobre marfim,
Andando sobre os pés, como uma ave pousada,
Curtos pés em prisão dentro dum borzeguim,
Que a levam, como a vaga oscilando, embalada
Pelas brisas do mar no verde mar sem fim,
Sobre campos de chá, cuja flor branca alveja,
Entre bambus em moita e rotins verde-escuro,
À cuja sombra o quiosque ao céu azul adeja,
Torres de porcelana e de caulim mais puro...
Ela vai esperar que o imperador a veja...
Põe no filho do sol o sol do seu futuro.
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Não tinha O-Hana a cor amarelada
Das pinturas da louça japonesa;
Mas... era branca, e de uma tal fineza,
Como a da neve aos fogos da alvorada.
De estirpe régia e antiga, era princesa
Com todos os prestígios de uma fada:
Nada faltava à oriental beleza
Dessa mulher encantadora... nada.
De um camicém seu nome era a harmonia,
E, quando alguém O-Hana repetia,
O céu, a rir-se, o festejava ao ouvi-lo.
Amava o chá, as flores e os diamantes:
E seus olhos de raios crepitantes
Brilhavam, como sóis num mar tranquilo...
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Pérola azul de esplêndido horizonte,
Onde a aurora encontrou eterno asilo,
Pois te auréola tanta luz a fronte,
Como a luz com que o sol alaga o Nilo,
Pérola em cima do mais alto monte,
Como a lua de olhar doce e tranquilo,
Desejo, diz Abdul, não sei se o conte,
E, se contando, tu rirás de ouvi-lo...
Rica joia do Cairo, eu desejava
Ser o pórfiro branco, em que se lava
Teu rosto, e as mãos fulgindo entre os anéis,
Mas sobretudo, ó pérola divina,
Quisera ser a fonte cristalina
Em que te banhas da cabeça aos pés...
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Fi lhe dizia: — A tua boca, que arde,
É como a luz, que chega e enche o caminho.
Na alva a calhandra, o rouxinol à tarde
Cantam ao colo teu branco de arminho.
Quem uma vez sofreu o teu carinho,
Quem foi só, por mais só enfim que seja,
Atrás não volta, e nem voltar deseja:
Anda, e não sabe mais andar sozinho.
Leva de ti a sombra, o brilho, e o aroma;
E um ar de deus vencido, que se anula,
O desgraçado para sempre toma.
Em ti o sol lhe nasce, a ave modula,
E sabe que beijando a mão, que o doma,
Outro a beijou, e em breve um outro a oscula...
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Acorda, como emir voluptuoso,
Na cálida ebriez de essências puras,
E traz a enorme cicatriz do gozo
O sol, trajando as largas vestiduras.
À noite, que de esplêndidas loucuras,
Beijando uris em raivas de amoroso!
E o divã, — entre nítidas brancuras, —
Guarda mal o segredo duvidoso.
Veem-se amarelos sândalos na cama,
Lençóis esparsos, véus da cor da chama,
Laca vermelha, cintas e corais,
Sandálias de esmeralda, ramalhetes,
Argolas de ouro, fulvos braceletes,
E o acre rubor de carnes ideais!
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Guarda o sultão Ramsés um diamante,
Um rubi, uma pérola Moabita,
Que era do seu harém a favorita,
De um belo olhar de ferro chamejante.
O raio doce, trêmulo, iriante,
Dava a luz dum punhal, que ao sol se agita:
Mas tinha um gesto às vezes suplicante
De estrela que de um lago azul nos fita.
Um felá, que uma vez a viu somente,
Ficou doido e dizia a toda a gente:
— Não hão de ser os meus desejos vãos
Quando vir que por ela eu choro tanto...
Virá com beijos recolher meu pranto
Às taças brancas das marmóreas mãos.
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Rajá Nallá-Tambyr-Modelear stá sentado
Num coxim, um primor da Pérsia, numa sala
Que forra o vetiver com arte entrelaçado,
E que, ao pancá que passa, o morno odor exala.
Medrosa a luz por entre as esteiras resvala
— Odalisca a pasmar num serralho fechado, ―
E o ardente hucá, que entrança um filó perfumado,
Numa sombra discreta o fulvo ambiente embala.
Por colunas, que têm a graça das palmeiras,
Da varanda, que em torno o doce éden rodeia,
Adivinha-se a acácia, os bambus, as figueiras...
Escoam-se os chocrás... a música escasseia...
Morre... e logo depois ouve-se a sala cheia
Dos beijos de Nalá... dos ais das bailadeiras...
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Thou Fou pensava: — Ó Fchitrá, queria
Dar-te a beber em vaso primoroso,
Do caulim, que não há mais hoje em dia,
O pranto meu, que já conter não ouso.
Junto a ti gole e gole, e gozo e gozo,
Haurindo o aroma, que de ti viria,
E um chá cor do teu corpo saboroso,
Eu lentamente, e quase alegre, iria.
Na pintura da taça, enfim, teu brando
Olhar, um rio ao vento a arfar, percorre,
Vendo um cisne, e um golfinho atrás, nadando,
Enquanto a luz prateada e mole escorre
D’água azul, machucada, em pregas, quando
Frio o sol, e o amor teu mais frio, morre.
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No aduar serpenteia a fila de elefantes:
Têm brilhos de iatagã os recurvados dentes,
E por sobre os faquires austeros e indolentes
Torcem, ao sol que os morde, as caudas palpitantes.
O cansado cornaca, à sombra dos gigantes,
Dorme na areia: ao sul há miragens ridentes;
Passam trombas ao norte, e beduínos distantes:
A alma do mar rodando em todo o areal presentes.
O junco verde e esguio, o rotim em soqueira
Emergem d’água, que dentre as uranias mana;
Do cardo olha o chacal; o tigre o ambiente cheira;
Na tenda o pancá freme; a música espadana;
Bate os pés, gira, salta, ondeia a bailadeira;
E o emir, que ela inebria, esquece a caravana...
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Mei-Bi à tarde, em hora cismadora,
E Yuan consigo, trêmulo, indeciso,
Olhava ao largo e ao longe o negro friso
D’água, como um cabelo que o sol doura:
E dizia-lhe Bi: “Se o instante fora
Eterno, eterno fora o paraíso,
À sombra acesa e boa do teu riso,
Na minha a tua mão cavada e loura;
Num grande fogo, em púrpura o ocidente,
O bangalô entre os rotins metido,
Na areia fulva, à margem da corrente;
O vento a amarrotar o teu vestido,
E a levantá-lo mesmo de repente,
Num beijo curto, curto e irrefletido...”
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Assim dizia Abdul a Bahvany: — Deitado
Tens à boca de aurora um riso em flor, que ébria,
Como um faquir repousa ao sol do meio-dia
Sobre um tigre de dorso escuro e acetinado.
Tem o humilde animal o fundo olhar velado:
É uma cama doce, elétrica, macia;
E abre indolentemente a fauce, onde à porfia
Há marfim, há coral róseo ao mar arrancado.
Morde o sono o faquir, o domador da fera:
Esta, mau grado a calma intensa, inquieta espera,
Lambendo as garras de aço e afiando-as ao chão.
Rosa fulva também sobre os teus lábios dorme:
Jaz teu riso, o faquir, enquanto o tigre enorme
Ouve nele o rumor das maltas do Indostão...
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No esplêndido al-marajé e na indolência
Que pede o Oriente tépido e cheiroso,
Maharajá — flor e joia de opulência, —
Ouvia ao poeta Abdul, grave e em repouso.
E Abdul cantava: — Alim, a uma inocência
— Um loto branco em vaso melindroso, —
Amava tão sem calma, e sem prudência,
Que a fazia chorar para seu gozo.
Na doce luz da lágrima chorada,
Como o lago em que um cisne corta e nada,
Banhava-se cantando um rouxinol.
Era Alim: — E o universo, ele dizia,
De novo nos seus olhos se fazia...
E era esse orvalho... o seu primeiro sol.
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Tinha o faquir um sestro, uma cegueira:
Amava a filha do sultão Mohamede;
Vê-la, e beijar-lhe as mãos, é quanto pede;
E leva nisso sua vida inteira.
Soube o sultão, e disse-lhe: — Esterqueira,
Que come arroz de Mangalor e fede,
Põe o Corão à tua cabeceira,
E que do meu caminho Alá te arrede.
Senhor, diz-lhe o faquir: — Sou um cachorro;
Mas... que quereis?... por vossa filha morro,
Sofrendo alegre o criz que me ferir.
Quando os meus olhos nas estrelas cravo,
Têm elas que temer do pobre escravo?
Que mal lhes faz o mísero faquir?...
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O KUN E O NUN
Contam: — De Cachemira um rei antigo,
Que ao das Índias negava vassalagem,
Andava langue, fraco e sem coragem,
Tudo ocultando ao seu melhor amigo.
Fala um dia ao vizir: — Virás comigo.
E foi com ele à esplêndida paragem:
Parecia que o odor da própria aragem
Dobrava-o, como à branca flor do trigo.
E às montanhas azuis erguia os dedos:
Desenhavam-se o Kun e o Nun ao fundo
Do céu sereno, esplêndidos rochedos.
E diz: — Que longo amor, que amor profundo!
Pois só as pedras sabem-lhe os segredos?
Não há dois corações iguais no mundo...
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Thou-Fou prendeu, em folha que escolhera,
Mundos de ouro de uns olhos luminosos,
Rubis de argola, prasios de pulseira,
Da fulva seda os poemas capitosos,
Joias da boca, que à baunilha cheira,
Dos pés de ave que oscila os tons radiosos,
O azeviche da trança, e, ondeada e inteira,
A forma rota, antemostrando gozos,
Em bronze esborcinado as mãos pequenas,
E essas, que voam no seu ninho apenas,
Duas pombas em que ninguém tocou:
E quando veio o vento do levante,
Leva, diz, dando-a ao vento, à minha amante;
Vendo-a, dirá: vem dele; é de Thou-Fou.
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Foi festa, e grande, em toda Cachemira
Quando chegou, montada no elefante...
Viu-se em leve sandália de safira
O seu pé de uma alvura deslumbrante;
Colhendo as sedas, sua mão ferira
Com luz nevada a multidão, diante
Da qual o rosto apenas descobrira
Na sombra do riquíssimo turbante;
Mas quando viram seus nevados seios,
Brancos, riscados de azulados veios,
C’roados de uma auréola de cabelos,
— Tênues fios de estrela que irradia...
Para não ofendê-la à luz do dia
Fugiram dela ao trote dos camelos.
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Tu ias sobre o dorso do elefante,
Já perto das ruínas de Balbeque,
Aromando o teu rosto de diamante
Com sândalos do teu flexível leque.
Tu vales Cachemira deslumbrante,
Vales Mafoma e Alá, inda que eu peque;
Por isso eu ia à sombra do gigante,
Lamentando não ser um grande xeque.
Quando o simum soprando de improviso,
Muda em nagas de areia o paraíso,
Em que ias tu, ó flor de madavi!...
Eis que te salvo em meu robusto braço...
E quando o sol furou de novo o espaço,
Teu doce olhar a me morder senti!...
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“Não dormi toda a noite! A vida exalo
Numa agonia indômita e cruel!
Ergue-te, ó Radamés, ó meu vassalo!
Faço-te agora amigo meu fiel...
Deixa o leito de sândalo... A cavalo!
Falta-me alguém no meu real dossel...
Ouves, escravo, o rei Sardanapalo?
Engole o espaço! É raio o meu corcel!
Não quero que igual noite hoje em mim caia...
Vai, Radamés, remonta-te ao Himalaia,
Ao sol, à lua... voa, Radamés,
Que, enquanto a branca Assíria aos meus pés acho,
Quero dormir também, feliz, debaixo
Das duas curvas dos seus brancos pés!...”
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Alegre, fresco, límpido, cantando,
Na eterna mocidade das torrentes,
Passa pelos destroços esplendentes
De um povo grande, agora miserando,
O velho rio, o manto desdobrando,
Riscada à noite pelos sóis ridentes:
Da boca azul os cristalinos dentes
Vão os restos dos templos triturando.
Aí contudo o Nilo — enorme espelho —
E em sua tenda o negro esbelto e rude,
E o alígero corcel, e o tigre e o leão,
E o dromedário, e o céu, e o mar Vermelho
Têm inda o viço, as cores e a atitude
Das paisagens da Bíblia e do Alcorão.
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Amon-Rá lança esplêndidas zagaias,
E veste o Nilo azul de ouro e diamantes:
E os loureiros em flor, das curvas praias
Olham, manchando-o, as velas palpitantes.
Maio embandeira: os bandos doidejantes
De pardais e bulbuis cantam nas faias:
Fila de acácias, renque de gigantes
Cedros circundam da cidade as raias.
Entre estátuas graníticas do Siena
Levanta a fronte rútila e serena
Mênfis, que doiram rindo eternos sóis.
Dizem dela: — As estrelas serão mortas:
Mas dentro a mole de esculpidas portas
Hão de sempre reinar os Faraós...
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Das espáduas graníticas do Oronte
Ergue, como um cocar de penas de ouro,
Seus templos grandes, vastos, como um monte.
Roja-lhe o mundo o universal tesouro.
Rugem leões; panteras rugem. — Louro,
Nopal, acácia enfloram-lhe o horizonte;
O sol pousa-lhe a garra à altiva fronte;
Cantam vagas do Cáspio ao longe em coro.
Relutam, ruem às portas da cidade,
De sedas, joias, ouro e cheiro alteados,
Mil elefantes; ri-se a mocidade.
E clamam, vendo-a os hóspedes chegados:
“Sultana da Ásia, tens na eternidade
A pérola em que pões teus pés dourados”.
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Não sei por quê; porque dizer não ouso:
Seguindo estância e estância o antigo rito,
No templo de Ísis, adorava o Egito
O deus sem voz, o deus misterioso.
Milhões de olhos de um vago olhar aflito
Cobrem-lhe o corpo; e em lânguido repouso,
Pousava à boca um dedo de granito.
E como um olho só, tudo isso olhava
Do fundo de uma orelha, que o envolvia:
E aos seus pés vendo a turba imbele e escrava,
O mudo olhar inquieto ardia em lava...
Porém... quanto mais via, e mais ouvia,
Menos falava o deus que não falava...
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Outros sofrem, diz Fi, desta tortura,
E achar devem na taça a mesma lia:
Bebe-se o amargo e o doce de mistura;
Se o mesmo vale o cardo e o lírio cria!...
Rolar no loto em flor da formosura,
Enquanto um outro espera e ansiado espia?!...
Sombra igual abre o céu por noite escura,
Luz igual abre o céu por claro dia.
Ouvi-la, é ouvir a lira de Nãrada;
Mas como a estranha voz que diz serpente,
Ou diz colar de pérolas, quem brada
Nunca sei; — em que frase ela não mente...
Mas quando a beijo, e em mim a sinto enleada,
Creio-a minha... Oh! ser minha eternamente...
Disse o Brâmane em casa: — Estão brincando?
Miçrakéçi morreu, não é? Que importa?...
Como a andorinha o azul do céu recorta,
E atrás duma vem outra, e outra, e um bando,
Uma cabeça apareceu à porta,
Deitou a medo oblíquo olhar, recuando...
Mas alguém, que a palpou, num gesto brando,
Murmura: — Sim, caiu... mas não stá morta.
Para Fi era entanto um corpo extinto:
Rolara do seu culto de repente,
Como uma estátua que escapou de um plinto.
— Morreu; ela morreu? se inda está quente...
Lhe respondiam; Fi tornava: — Eu minto?!...
Então, ‘stá morta para mim somente...
Eis o sagrado Brâmane que habita
Aquele canto da floresta indiana,
Olhos fitos na abóbada infinita,
Toda a alma cheia de uma ideia insana.
Imóvel, mudo, nada mais o agita;
Sustenta-o só a caridade humana;
E a passarada gárrula se engana,
Põe-lhe o ninho à cabeça, e às mãos dormita.
A faia, a tamareira, o aloés selvagem,
A umbela cada qual dos ramos lança
Naquela doce e veneranda imagem.
E a sombra, que aos pés dele oscila e dança
Ao som do quim da perfumosa aragem,
Fá-lo rir, como estólida criança!
Deixou ouros e mármores de Elora,
Por não mentir ao seu divino Brahma,
E foi na selva, onde o silêncio mora,
Furtar-se ao encanto da mulher: é fama.
O amor também santos varões devora,
Com sua intensa e voluptuosa chama;
E o Ganges muitas vezes não derrama
Tanta água como quem tais males chora.
Hoje vegetação luxuosa medra
Em torno dele, que parece pedra,
E envolve-o no seu verde turbilhão;
Cantam-lhe em cima os rouxinóis em bando;
E quem passa parece ouvir cantando
A alma do monge a eterna dor em vão!...
Como rocais de matizada escama
Brincam-lhe ao colo as serpes enroscadas;
São quedas d’água a reluzir à chama
Das longas cãs as ondas arrufadas.
O olhar já lume interno não derrama;
Trepam-lhe ao dorso as relvas enfloradas;
E há um faceiro e pequenino drama
De lírios rindo em órbitas furadas.
Num ombro à tarde o rouxinol gorjeia;
Saltam lacraus da fenda dos artelhos;
‘Stá do aroma do santo a selva cheia.
Quem o vê põe por terra os dois joelhos:
E ouvireis, quando ao vento a mata ondeia,
O Brâmane inda a murmurar conselhos!...
As lianas em flor, dos pés à fronte
Subindo, e os nós do corpo sujeitando,
Guardam, depois de morto, ao venerando
Brâmane o gesto em que viveu no monte.
E o leão, e o tigre mosqueado, e o insonte
Pássaro, e a aurora, e o sol, e o luar brando,
E as estrelas que fervem no horizonte,
Há séculos, que o veem a rir, passando.
Junto dele ri tudo, e a tamareira,
E a acácia, e o cedro, e a fonte que marulha,
E a luz do céu e o disco da clareira...
Os grandes dentes brancos da caveira
Têm no seu rir descomunal tal bulha,
Que arranca igual risada a selva inteira!
Quem entra o bosque? — As rútilas Almeias:
Têm de bronze polido o corpo fino;
Vêm em bando; entrelaçam-se em coreias
Bailando aos pés do Brâmane divino.
Fazem rir; ri a mata à dança e ao hino:
Pensam elas que o santo monge, em vendo-as,
Há de sentir das lúbricas amêndoas
Dos olhos seus o dardo cristalino,
E hão de acordar o secular dormente:
As mamas bolem, chispam-lhe centelhas
Das mãos, dos pés, em saltos de serpente;
As faces brilham úmidas, vermelhas;
E do arcabouço veem golfar somente
Falenas de ouro, turbilhões de abelhas...
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