3/08/2025

A menina da capinha vermelha (dos Irmãos Grimm), por Monteiro Lobato



 A MENINA DA CAPINHA VERMELHA

Era uma vez uma menina boazinha, apreciada por todos e principalmente por sua avó, que já não sabia o que fazer para agradá-la. Deu-lhe muitas coisas bonitas e entre elas uma capinha de veludo vermelho que a menina começou a usar todos os dias. Daí lhe veio o nome de Capinha Vermelha.

Certa noite a mamãe chamou-a e disse:

— Capinha, recebi recado que vovó está adoentada. Amanhã bem cedo vista-se e vá levar lá este pão-de-ló e esta garrafa de vinho. Mas não corra, que cai e quebra a garrafa. Também não se esqueça, quando entrar no quarto de vovó, de lhe dar bom dia. Nem se ponha a reinar muito, que a incomoda, ouviu?

— Sim, mamãe, farei tudo direitinho como a senhora quer — respondeu a boa menina.

A vovó morava na floresta, um pouco longe da vila. No dia seguinte, bem cedo, Capinha pulou da cama, vestiu-se e lá se foi, com o doce e o vinho numa cesta. Ao atravessar a floresta encontrou um lobo de cara muito feia.

— Bom dia, Capinha! disse o lobo.

— Bom dia, senhor bicho! respondeu ela.

— Para onde vais tão cedo e com tanta pressa?

— Vou a casa de vovó, que está adoentada.

— E que levas na cesta?

— Um pão-de-ló e uma garrafa de vinho.

— E onde mora tua vovó?

— Lá longe, a um quarto de hora daqui, numa casinha que tem dois carvalhos na frente e três pereiras dum lado.

O lobo, que estava com fome, teve vontade de comer as duas, a avó e a neta, apesar de que carne de

velha não é petisco de que lobo goste. Bom apenas para encher a barriga; depois comeria a menina como sobremesa.

— Capinha Vermelha, disse o lobo, veja quanta flor bonita há por aqui e como os passarinhos estão

cantando alegres esta manhã. Você vai tão ligeira que nem repara nestas lindas coisas.

O que ele queria era que a menina se distraísse pelo caminho e lhe desse tempo de correr à casa da

velha e comê-la antes que Capinha chegasse.

A menina olhou em volta de si e viu realmente muitas flores que brincavam com os raios de sol;

também notou que todos os passarinhos estavam cantando. E teve uma idéia.

— Vou levar para a vovó um lindo buquê de flores do campo, disse consigo. Ida é muito cedo. Tenho tempo de sobra.

Assim pensou e assim fez. Começou a colher florinhas silvestres, uma aqui e outra lá, para reunir um grande buquê. Enquanto isso o lobo foi correndo em procura da casa que tinha dois carvalhos na frente. Encontrou-a, viu que tinha também três pereiras ao lado e, certo de que era ali mesmo, bateu: toque, toque, toque.

— Quem é? perguntou lá de dentro a velha.

— Sou eu, Capinha Vermelha, vovó! Trago um presente para a senhora, disse o lobo, imitando a voz da menina.

— Erga a tranca e entre, respondeu a velha com voz fraca. Estou na cama e sem ânimo de me levantar.

Sem esperar por mais, o lobo ergueu a tranca da porta e entrou e avançou para a velha e a devorou num instante. Depois vestiu-se com a roupa dela, pôs a sua touca na cabeça e deitou-se na cama, cobrindo-se com o cobertor.

Enquanto isso Capinha andava dum lado para outro na mata, colhendo flores silvestres, até que formou um grande buquê. Por fim disparou na carreira até à casa dos dois carvalhos. Ao dar com a porta aberta ficou muito admirada, pois era a primeira vez que isso acontecia. Mas entrou, embora um tanto desconfiada.

— Bom dia, vovó! Disse ela ao ver o vulto de sua avó na cama, que ficava num quarto meio escuro.

— Bom dia, minha neta! Respondeu o vulto numa voz esquisita.

A menina estranhou aquela voz e, prestando mais atenção, estranhou também o jeito de sua avó, cujas orelhas haviam crescido muito.

— Que orelhas tão grandes são essas, vovó? Perguntou a menina, espantada.

— São para melhor te ouvir, minha neta!

— E que olhos tão arregalados são esses, vovó?

— São para melhor te ver, minha neta.

— E que mãos tão peludas, vovó?

— São para te acariciar, minha neta.

— E que dentes tamanhos, vovó?

— São para melhor te devorar! Respondeu o lobo, saltando da cama sobre a menina e devorando-a com cesta e tudo.

O lobo havia comido a velha e a menina com intervalo de minutos, de modo que se sentiu pesado e sonolento como uma jibóia. Voltou para a cama e ferrou logo no sono, roncando alto de se ouvir longe.

Um lenhador, que estava a cortar lenha ali por perto, ouviu os roncos. Estranhou aquilo. Largou do trabalho para ir ver o que era. Dando cm o lobo a dormir na cama da velha, ficou muito admirado, porque se tratava de um lobo que todos os moradores daquelas redondezas viviam perseguindo sem nunca o poderem pilhar. Caminhou para ele na ponta dos pés e, de repente, zás! matou-o com três ou quatro valentes machadadas.

Esta história é muito triste mas bem pode ser que as coisas não se tenham passado exatamente assim.

Um homem que morava perto, e portanto devia saber das coisas melhor que os que moravam longe, contou, mais tarde, que tudo aconteceu dum modo muito diferente.

Disse que quando o lobo encontrou a menina na floresta e pôs-se a conversar, ela não respondeu uma só palavra e foi andando seu caminho sem nem olhar dos lados. E que assim que chegou à casa da vovó contou-lhe o seu encontro com o lobo.

— Vamos fechar, bem fechada, a porta, disse a velha, porque o maldito deve estar em caminho para cá.

O que ele quer é nos comer.

Fecharam, bem fechada a porta e ficaram à escuta, muito quietas. Logo depois o lobo chegou; e certo de que havia vindo primeiro que a menina, bateu, dizendo com voz disfarçada:

— Sou eu, a menina da Capinha Vermelha, que vem trazer para sua vovó um doce e uma garrafa de vinho.

Mas as duas, encolhidas lá num canto, não responderam coisas nenhuma. Era o mesmo que não existirem.

Danado da vida, o lobo trepou e ficou à espera de que a menina saísse para a devorar. A velha, então, resolveu pregar-lhe uma peça de bom tamanho. Para isso encheu m grande caldeirão com água que pôs a ferver no fogo, com um pedaço de carne dentro. Quando a sopa ficou no ponto, ela entreabriu a porta e botou o caldeirão para fora. Assim que o vapor e o cheiro da carne chegaram ao telhado, o lobo, que estava morrendo de fome, não pôde resistir e espichou a cabeça para espiar o que era. Nisto escorregou do telhado e caiu com a cabeça dentro do caldeirão fervendo. Morreu cozido! E assim, graças à astúcia da velha, Capinha pôde voltar para casa, muito alegre, sem que nada houvesse acontecido, nem a ela nem à sua querida vovó.


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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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