3/09/2025

João Bobo e as três plumas (dos Irmãos Grimm), por Monteiro Lobato



JOÃO BOBO E AS TRÊS PLUMAS

Era uma vez um rei que tinha três filhos, dois direitinhos e o terceiro tão simplório que recebeu o nome de João Bobo. Estando já velho e doente, o rei achou que era tempo de escolher qual dos príncipes deveria subir ao trono depois de sua morte. Chamou os filhos e disse:

— Meus filhos, quero que hoje mesmo deixem o palácio em procura dum xale ; o que trouxer o xale mais lindo será o herdeiro do trono.

Depois, com medo que saíssem juntos e fossem brigando pelo caminho, chegou à porta do palácio e soltou ao vento três plumas, dizendo:

Lá se vão três plumas. Cada um que siga uma.

A primeira pluma voou para leste; a segunda, para oeste; a terceira flutuou uns instantes nos ares e veio pousar no chão. Em conseqüência disso um dos filhos tomou à direita, outro rompeu à esquerda e o pobre do João Bobo não pôde tomar direção nenhuma porque a pluma que restava não tinha voado.

Muito triste com a sua falta de sorte, João Bobo sentou-se no chão ao lado da pluma ali caída e ficou pensando. Súbito, notou que havia na sua frente uma tampa de alçapão. Abriu-a. Dava para uma escada. desceu pela escada e foi ter a uma porta, na qual bateu três pancadinhas. Imediatamente soou unia voz que dizia:

Verde rãzinha cor do mar
Vai ver quem bate nessa porta.
E manda entrar, e manda entrar
Inda que seja o Perna Torta.

Logo a seguir a porta abriu-se e João Bobo entrou, dando com uma velha rã gorda, rodeada de numerosas rãzinhas menores. A rã velha perguntou-me que é que desejava ali.

Ando à procura do mais belo xale do mundo.

A rã velha chamou uma das rãzinhas e disse-lhe:

— Veja a caixa de xarão.

A rãzinha foi buscar a caixa de xarão e colocou-a diante da rã velha.

— Aqui tem o xale mais belo do mundo, disse a rã, abrindo a caixa e tirando de dentro um xale que até parecia um sonho.

João Bobo recebeu o presente, fez mil agradecimentos e retirou-se, subindo pela mesma escada e passando pelo alçapão.

Enquanto isso os outros príncipes se meteram a fazer violências, chegando a ponto de tomar à força os mais belos xales que viam ao ombro das camponesas. Escolheram depois os dois melhores e voltaram para o palácio, chegando ao mesmo tempo que João Bobo.

Quando o rei viu os três xales, não pôde deixar de assombrar-se diante da beleza do trazido pelo filho caçula e exclamou:

— É de toda a justiça que o trono pertença ao mais moço dos três, visto como foi quem descobriu o xale mais lindo de todos.

Os filhos mais velhos protestaram.

Mas é um verdadeiro absurdo, meu pai, entregar o governo de um reino a um bobinho desse. Essa prova não vale. Vamos ver outra.

O rei então declarou que o que lhe trouxesse o mais belo anel seria o herdeiro da coroa — e de novo soltou ao vento três plumas. Uma foi para norte, outra foi para sul e a terceira caiu perto do alçapão. Os filhos mais velhos seguiram as plumas voadeiras e João Bobo sentou-se novamente junto à que caíra no chão.

Repetiu-se tudo como da primeira vez. João Bobo abriu o alçapão, desceu a escada e foi ter com a rã velha, à qual pediu que lhe arranjasse o anel mais belo do mundo. A rã velha mandou que uma das rãzinhas trouxesse a sua caixa de jóias, donde tirou dela um anel que parecia feito pelas fadas.

Ei-lo aqui, disse a rã, entregando o anel a João Bobo. Este é o anel mais belo do mundo.

João Bobo agradeceu e lá se foi muito contente.

Ao entrar no palácio os dois irmãos mais velhos também iam chegando e os três a um tempo apresentaram ao rei os anéis trazidos. O rei examinou-os e disse:

— Não há dúvida; o trono continua a ser do meu filho mais moço, porque o anel mais belo foi o achado por ele.

Os filhos mais velhos, porém, de novo não se conformaram e pediram ao rei uma terceira prova.

Pois bem, disse o rei, o que descobrir a mais linda noiva, esse será o herdeiro do trono — e lançou ao vento mais três plumas que voaram nas mesmas direções das primeiras.

João Bobo pela terceira vez foi ter com a rã velha, à qual disse:

— Tenho de apresentar-me no palácio com a noiva mais formosa do mundo. Poderei conseguir isso?

Para qualquer outro seria dificílimo, mas para você não é. Fique descansado que vai ter como noiva a mais bela moça do mundo.

Dizendo isto, entregou ao rapaz uma carruagenzinha feita duma cenoura, à qual estavam atrelados seis camundongos. João Bobo ficou desapontado e sem saber que significava aquilo — e então a rã disse:

— Agora pegue uma destas rãzinhas verdes e ponha-a dentro da cenoura.

O rapaz obedeceu, e mal colocou a rãzinha na cenoura, viu-a transformar-se na moça mais linda do mundo, ao mesmo tempo que os camundongos se transformavam em seis maravilhosos cavalos brancos. E como a cenoura também se houvesse virado em uma riquíssima carruagem, lá se foi João Bobo para o palácio, radiante de felicidade.

Ao parar na porta viu chegarem seus irmãos mais velhos, acompanhados de duas noivas muito feias. Eles não se haviam dado ao trabalho de procurar moças lindas; foram agarrando as primeiras que encontraram.

O rei comparou as três moças e disse:

— Não há dúvida. O meu filho mais novo continua em primeiro lugar. É a ele que cabe o trono.

Os filhos mais velhos ainda tiveram a coragem de bater o pé; queriam uma quarta prova e o rei pela última vez cedeu.

— Que prova há de ser? indagou ó velho já cansado de inventar provas.

— Vamos ver qual das três moças pode saltar por dentro daquele arco pendurado no teto, propôs um deles, com a idéia de que as moças que haviam escolhido, sendo fortes mocetonas do povo, uma delas tinha de sair vencedora.

O rei concordou e tudo foi preparado para a prova final. Saltou primeiro uma das feias — e caiu e quebrou o nariz. Saltou depois a outra feia — e caiu e quebrou o pé. Por fim chegou a vez da noiva de João Bobo, e com espanto de todos saltou com uma graça extrema, mais leve e elegante que uma rãzinha, não quebrando nem o nariz, nem o pé, nem coisa nenhuma.

— Chega de provas, disse o rei. O trono cabe de pleno direito ao Joãozinho. Está decidido.

Logo depois o rei faleceu e Joãozinho subiu ao trono de braço dado à mais linda rainha que o reino teve. Foram muito felizes e tiveram muitos filhos — e todos uns danadinhos para saltar, porque haviam puxado pela avó — a rã velha.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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